Da suspensão e da interrupção da prescrição

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas460-477

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30. 1 Introdução

A Revista dos Tribunais, volume 461, página 67, publica a seguinte situação fundada no Código Civil de 1.916, portanto, os artigos abaixo mencionados são referentes ao Código Civil revogado, verbis: cinco irmãs e seus maridos, em 1.969, intentaram ação contra quatro irmãos objetivando a anulação de uma escritura pública pela qual os falecidos pais haviam doado aos réu-varões, um imóvel com reserva de usufruto vitalício. Os doadores eram de nacionalidade italiana e, de acordo com o costume peninsular, recebem a herança apenas os que conservam o nome da família, com prejuízo dos descendentes do sexo feminino.

A doação se dera em 1.938, quando as três irmãs autoras eram menores; o pai morrera logo após e a mãe em 1.966.

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Os réu-varões, ao contestar o feito, argüiram a prescrição em seu favor. Vejamos o que e como o tribunal decidiu:

"A ação poderia ter sido intentada em vida dos doadores, tanto na hipótese do art. 1.175 (novo, art. 548), quanto na do art. 1.176 (novo, art. 549), pois em ambos os casos ocorre nulidade absoluta prevista no art. 145, n. II, do CC. Qualquer interessado poderia requerer a declaração de nulidade, inclusive os próprios doadores ou o representante do Ministério Público (Agostinho Alvim, "Doação", Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.968, págs. 160-163 e 177-181).

Cogitando-se de imóvel, a prescrição deveria ter início na data da transcrição da escritura no registro imobiliário, quando o ato se tornou público, isto é, em 30-1-1939 (fls.).

Nesse mesmo ano, porém, a 17 de março, falecia o doador e usufrutuário (fls.) deixando três filhas menores: a) Antônia, com 17 anos (confira-se a idade, na certidão de fls.); b) Lúcia, com 13 anos (fls.); c) Anita, com 9 anos (fls. ).

A prescrição que, nos termos do Código Civil, não poderia correr entre os ascendentes doadores e as três filhas prejudicadas com a liberalidade, ainda sujeitas ao pátrio poder daqueles (art. 168, - novo, art. 197 - n.II), continuou a ter o mesmo impedimento, após a morte do pai, quando a mãe, também doadora, ficou na função de chefe da família (art. 382).

Para as filhas Antônia e Lúcia, entretanto, o impedimento cessou, respectivamente, em 1.941, quando a primeira convolou a núpcias, e em 1.947, quando a segunda atingiu a maioridade, pois contava 13 anos em 1.939 (fls. ).

Só continuou a fluir o lapso prescricional em relação à mais nova das filhas, Anita, que atingiu a maioridade em 15-11-1950 (fls.), casando-se mais tarde, em 1.952 (fls.).

Convém assinalar, neste ponto, que o caso não é o do art. 169 (novo, art. 198), n. I, mas sim, o do art. 168 (novo, 197), n. II, do CC.

O impedimento ao curso do prazo, relativamente a uma autora, não beneficiou as outras.

O benefício - como anotou Washington de Barros Monteiro, é de natureza "estritamente pessoal" em regra: favorece, portanto, apenas, as pessoas taxativamente indicadas na lei ("Curso de Direito Civil" - Parte Geral, ed. 1958, pág. 309).

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A exceção, prevista no art. 171 (novo, art. 201) do CC foi estabelecida exclusivamente para a hipótese de existência de credores solidários, havendo mais, a indivisibilidade do objeto da obrigação.

Se houver solidariedade em obrigação divisível, a prescrição em favor de um não aproveitará a outros credores.

Também, se a obrigação for indivisível, sem solidariedade, o benefício de um, quanto à prescrição, igualmente não aproveitará aos demais.

Ora, na espécie, não existe o pressuposto da solidariedade, que se verifica, tão-só, quando essa característica obrigacional resulta da lei ou da expressa vontade dos contratantes, na elaboração do negócio jurídico (CC, art. 896).

O direito à herança, até que se faça a partilha, é indivisível, sem que a lei, entretanto, haja conferido aos herdeiros o liame da solidariedade (CC, art. 1.580).

Apesar da indivisibilidade, resulta que a suspensão do prazo, em relação a um, não beneficiará os demais herdeiros, por falta de solidariedade entre eles, na pretensão de anular a doação feita pelo de cujus e, com isso, reclamar a devolução de bens à herança.

Ainda que a indivisibilidade, em geral, reforce a solidariedade ativa e, mesmo algumas vezes a dispense na prática ou com ela se confunda na aparência deste ou daquele aspecto, a verdade é que são distintas as duas modalidades de obrigações jurídicas, principalmente no tocante a seus efeitos refletidos em direitos pessoais, como acontece em relação ao direito subjetivo, perdido com a superveniência da prescrição consumada.

Aí, a falta de solidariedade no crédito indivisível traz como conseqüência a aplicação da regra do art. 171 (novo, art. 201) do CC e não a ressalva excepcional, que só beneficia os credores solidários de obrigação indivisível.

Por outro lado, a ação de nulidade, objeto do litígio nestes autos, é de natureza pessoal e, conseqüentemente, prescreveria em 20 anos (CC, art. 177 - novo, art. 205), sendo manifesto que não se poderá cogitar de usucapião, acenado pelos réus em sua defesa, na pendência daquele prazo em que as irmãs prejudicadas estavam no direito de propor a ação de nulidade da doação (CC, art. 553).

Colocado o problema nesses termos, concluir-se-á que se consumou a prescrição de 20 anos, para as autoras Antônia e Lúcia, que se desligaram do

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pátrio poder, respectivamente, em 1941 e em 1.947. Considerando-se a última data (1.947), já havia transcorrido aquele espaço de tempo quando propuseram a demanda em 28-8-1969.

Somente não prescreveu o direito à ação para a interessada Anita, que atingiu a maioridade em 15-11-1950; e por isso ainda se achava em tempo de ajuizar sua pretensão".

Interessante transcrevermos parcialmente a declaração de voto vencido:

"A escritura anulando é de simples doação de todos os bens do casal, com reserva de usufruto, feita em 9-12-1938, e devidamente transcrita em 30-1-1939.

Um dos donatários, à época, ainda era menor, com 18 anos de idade. E todas as filhas dos doadores eram menores. A mais nova, nascida aos 15-11-1929 esteve sob pátrio poder até 15-11-1950, quando completou 21 anos e adquiriu maioridade.

Tendo sido a presente ação ajuizada em agosto de 1969, e fazendo-se as citações entre setembro de 1969 e julho de 1970, por certo que, quanto à mais nova, não ocorreu a prescrição até 9-12-1969 (CC, art. 168, II) e a ação não pode ser tida como prescrita.

Quanto às outras filhas do casal doador, não há elementos exatos para que sobre elas repouse o reconhecimento, como feito, de decorrência de prazo vintenário de prescrição da ação.

São dois os problemas a serem equacionados: se o ato anulando é indivisível, e, se não ocorrendo prescrição em favor de uma das autoras, o benefício aproveita às demais, nos termos da regra do CC, art. 171.

Na espécie, não tem maior relevância que os dispositivos legais invocados na inicial tenham sido os do CC, art. 145, ns. II e V, combinados com os arts. 1.175 e 1.176, em face do princípio do da mihi factum, dabo tibi jus349.

O que importa é que as autoras, ora apelantes, pediram a decretação da nulidade da doação de todos os bens do casal doador aos filhos varões, de tal sorte que com o falecimento dos pais, nada havia a ser partilhado. Aquela doação terá, então representado uma partilha em vida, em que só os filhos foram beneficiados, pois as filhas foram excluídas, sem motivação em lei.

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Assim sendo, a par de uma ação de nulidade daquela doação, as autoras vieram reclamar de uma herança.

Ora, os bens da herança, por força do art. 1.580 do CC, são indivisíveis.

E da indivisibilidade, sem dúvida alguma, decorre a solidariedade ativa entre os herdeiros (CC, art. 896 e respectivo parágrafo único, em combinação com os arts. 891 e 892; e, ainda de modo especial, arts. 1.580, parágrafo único, e 1.782, parágrafo único; no mesmo sentido, Planiol, Ripert e Boulanger, "Tratè Elémentaire de Droit Civil", ed. 1.949, tomo I, n. 1.845, pág. 598, e n. 1.895, pág. 616) (RT 280/539).

As autoras, ora apelantes, são credoras solidárias de obrigações indivisíveis, porque um direito indivisível não se pode extinguir por parte, sendo impossível separar a parte prescrita da parte não prescrita. E a suspensão da prescrição, nos termos dos arts. 171 e 1.580 do CC, beneficiou todas as herdeiras, porque a herança é legalmente indivisível, ainda que por natureza seja divisível.

É que o art. 1.580 emprega o termo herança no sentido amplo, significando o acervo hereditário, o monte-mor, uma universalidade de bens provisoriamente reunidos e subordinados a um conjunto até sobrevir a partilha, porque só então será individualizada a parte de cada um (RT 363/232).

A hipótese dos autos é de litisconsórcio unitário, obrigatório e indispensável (art. 90 do CPC); e assim sendo, a interrupção da prescrição, ocorrida em relação a um dos litisconsortes, obriga os demais. É o que ensina Câmara Leal ("Da Prescrição e da Decadência", 2.ª ed., pág. 227), em conclusão analógica ao que dispõe o art. 176, parágrafo 2.º, segunda parte, do CC (RT 417/161).

A inadmissibilidade de fluência da prescrição é benefício que aproveita aos demais interessados da mesma relação obrigacional, sendo esta indivisível (RT 412/186).

Assim, nem é necessário invocar o entendimento sustentado por Pontes de Miranda, de que quanto à pretensão à cota na herança, não há prescrição, ou que a ação de doação inoficiosa é ação de nulidade, portanto imprescritível ("Tratado de Direito Privado", vol. VI/195-196).

Em conclusão, dei provimento ao recurso para, afastada a prescrição da ação, quanto a todas as autoras, seja a ação julgada pelo mérito" - o voto

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vencedor foi do Des. Costa Leite e o vencido foi do Des. Joaquim Francisco, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Embora a ação tivesse sido...

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