Da fiança

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32. 1 Considerações introdutórias

"Não se pode responsabilizar o fiador por contrato renovado em ação de revisão de aluguéis para a qual não fora intimado, mesmo que tenha se obrigado até a entrega das chaves, pois o contrato de fiança, por ser benéfico, não admite interpretação extensiva" (in RT 772/181).

Sendo a fiança forma de garantia do pagamento, é comum, no Tribunal, a decisão constante da ementa do acórdão destacado, não respondendo o fiador pelos acréscimos do aluguel, se não foi citado como litisconsorte na revisional. Aliás, a jurisprudência, de um modo geral, vem se firmando no sentido de não ser o fiador responsabilizado por obrigações resultantes de aditamento contratual sem sua anuência. Considerando que o fiador só responde pelo que declarou expressamente no instrumento da fiança, não se pode admitir a responsabilidade do fiador por encargos locatícios acrescidos ao pactuado originalmente, sem a sua anuência. Quando houver dúvida, esta será resolvida em favor do fiador, por isso, o contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente. Confira-se, ainda, o seguinte ares-to: "Na ação revisional, impõe-se a regular citação do fiador para integrar a lide no pólo passivo. Não tendo o fiador integrado na ação revisional, não pode ser demandado pelos valores que por ela foram acrescidos ao antes contratado, sendo,

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na espécie, de todo irrelevante a previsão de responsabilização até a entrega das chaves, dessarte, notória a sua ilegitimidade passiva para a ação que executa título judicial emanado daquela ação revisora do locativo" (in RT 774/201).

32. 2 Conceito

Se devo certa quantia a alguém e possuo bens penhoráveis, estes ficam sujeitos à execução forçada devido ao princípio existente de que o patrimônio do devedor responde pelo cumprimento de suas obrigações.

Portanto, a responsabilidade do devedor pela sua dívida é de natureza patrimonial e ninguém pode ser preso por dívida, exceto nos casos de infidelidade do depositário e de dívida de alimentos.

Como regra geral, é o patrimônio do devedor que constitui a garantia de que honrará seus compromissos. Essa garantia do cumprimento da obrigação, contudo, pode ser oferecida, particularmente, pelo próprio devedor ou por terceiro. Quando o devedor fornece um bem, móvel ou imóvel, para a própria coisa responder pela obrigação, há garantia real, que compreende o penhor e a hipoteca. Quando a garantia é oferecida por terceira pessoa, que se responsabiliza pela dívida, é a garantia pessoal, chamada fidejussória ou fiança.

A fiança é uma garantia pessoal, ocasião em que o fiador, terceira pessoa, submete o seu patrimônio penhorável ao inadimplemento do seu afiançado. Ela resulta do contrato. "Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra" (CC, art. 818).

Fiança, portanto, "é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga por outra, para o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra".306Esse contrato se realiza entre o fiador e o credor do afiançado. "O fiador só se torna credor do afiançado - decidiu o Tribunal - quando efetua o pagamento da dívida por aquele contraída, sub-rogando então nos direitos do primitivo credor. Até então não detém, frente ao afiançado, título que exprima obrigação líquida e certa, requisito legal ao deferimento do arresto" (in RT 767/293).

O que é óbvio, é que todo senhorio, quando aluga seu imóvel, deseja uma garantia para o recebimento do aluguel. Normalmente, impõe-se a presença de um fiador. Por isso, é costume impor uma cláusula inserida no contrato de locação dizendo o seguinte: "Assinam, também, o presente, como principal pagadores,

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sem benefício de ordem, solidariamente com o locatário por todas as obrigações exaradas neste contrato, na qualidade de fiadores, os Srs...., cuja responsabilidades, entretanto, perdurarão até a entrega real e efetiva das chaves do prédio locado".

A fiança, sendo uma garantia pessoal, o que em verdade garante a obrigação afiançada é o patrimônio do fiador e não um determinado bem imóvel ou móvel. Vale dizer, a fiança é uma garantia pessoal ou fidejussória, porque o devedor não vincula um bem ao pagamento da dívida, tanto que, se na época da execução da dívida, o fiador não possuir bem algum, o credor do seu afiançado nada receberá, exceto se o fiador desejar, espontaneamente, pagar.

Em realidade, o que acontece com a fiança é um reforço de uma outra obrigação da mesma natureza da originária, surgindo duas obrigações: a principal, assumida pelo devedor, e a acessória, conhecida como obrigação fidejussória, contraída pelo fiador (terceiro). A título de exemplo, oportuno transcrever o seguinte julgado: "Pintura externa e interna do prédio locado só se exige do inquilino e, pois, dos fiadores, se demonstrado o mau uso, que não se presume..." (in RT 745/275).

A fiança visa dar maior garantia ao credor, quanto ao cumprimento da obrigação por parte do devedor. Por essa razão, a fiança é um contrato de garantia, como é a hipoteca. Esta é um contrato de garantia real, enquanto a fiança é um contrato de garantia fidejussória ou pessoal, por não envolver determinados bens.

A pessoa que assume a fiança tem o nome de fiador; aquela a quem o fiador garante é o afiançado. "A fiança bancária, como toda fiança, pressupõe três pessoas distintas: o credor, o devedor-afiançado e o banco-fiador" (in RT 743/222).

32. 3 Principais características jurídicas do contrato de fiança

O contrato de fiança desenrola-se entre o fiador e o credor do afiançado e é: unilateral, gratuito, acessório e solene.

  1. É unilateral porque gera obrigações somente para o fiador.

  2. É gratuito porque o fiador não aufere nenhum benefício; seu ato é puramente gratuito. Sendo contrato de feição gratuita, deve sempre ser interpretado estritamente, ou seja, o fiador só responde pelo que estiver expresso no instrumento de fiança. "A fiança dar-se-á por escrito, - diz o art. 819 do CC - e não admite interpretação extensiva". Por exemplo, o fiador que se obriga até a entrega das chaves, há de responder não só pelo

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    aluguel avençado, mas também pelas correções que no curso da locação forem autorizadas por lei, desde que estejam convencionadas no respectivo contrato. Caso contrário, não se obriga, evidentemente, por aumentos, principalmente pelos que forem ajustados amigavelmente entre credor e o principal devedor. Nesse diapasão, examine o seguinte julgado: "Nos termos do art. 1.483 (novo, art. 819) do CC, a fiança deve ser interpretada de maneira restritiva, razão pela qual é inadmissível a responsabilidade do fiador nos contratos de locação prorrogados sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves" (in RT 789/196).

  3. É acessório, pois subordina-se à existência de um contrato principal, ou seja, a fiança não existe sem a obrigação principal.

    Como contrato acessório, sua eficácia depende da validade da obrigação principal, de tal modo que, se a obrigação principal for nula, a fiança também será. Este fato fundamenta-se no princípio de que o acessório segue, sempre, o destino do principal. Mas, a recíproca não é verdadeira, ou seja, a nulidade da fiança não atinge o contrato principal.

  4. É solene porque a fiança só existe por escrito, consoante mostra o art. 819 acima transcrito.

32. 4 Limitação ou não-limitação da fiança

A fiança pode ser limitada ou ilimitada.

a) Limitada - Quando as partes, no contrato, declaram a soma ou o limite da dívida garantida, a fiança se diz limitada à fração da dívida indicada; nada mais. Não abrange os acessórios da obrigação.

b) Ilimitada - Quando as partes no contrato não estabelecem restrições, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, abrangendo os juros moratórios, as indenizações decorrentes pela inexecução da obrigação, multa, despesas judiciais etc. É o que se extrai da dicção textual do art. 822 do CC, in verbis: "Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador".

Dizendo a lei que o fiador responde pelas despesas judiciais desde a citação, ipso facto, responde por elas quando tiver sido acionado juntamente com o devedor. A propósito, o Tribunal certa vez decidiu que, se o locador propõe ação de despejo

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por falta de pagamento e não manda notificar o fiador, não terá direito de cobrar deste as custas e os honorários da ação de despejo, isto porque, se tivesse participado da ação, poderia o fiador ter evitado a condenação, pagamento a dívida ou apresentando defesa (in RT 434/2452). Veja, ainda, a seguinte ementa de acórdão: "Se os fiadores não forem cientificados, na ação de despejo por falta de pagamento, movida contra o afiançado, não respondem pela multa contratual" (in RT 460/165).

De outra feita, considerando que a fiança é acessório da obrigação principal, o fiador não poderá dever mais do que o afiançado nem ter a sua situação mais onerosa do que a daquele. O art. 823 do CC dispõe a respeito, dizendo textualmente o seguinte: "A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada". Exemplificando: Se foi dada uma fiança no valor de R$ 10.000,00 e o afiançado pratica um desfalque no valor de R$ 5.000,00, o fiador será responsável por esta quantia. Se foi dada uma fiança no valor de R$ 10.000,00 e o afiançado pratica um...

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