Acórdão nº 2004.32.00.000853-0 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quinta Turma, 11 de Julio de 2012

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal Souza Prudente
Data da Resolução11 de Julio de 2012
EmissorQuinta Turma
Tipo de RecursoApelacao Civel

APELAÇÃO CÍVEL 2004.32.00.000853-0/AM Processo na Origem: 200432000008530

RELATOR(A): DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: GUSTAVO DE CARVALHO GUADANHIN

APELADO: UNIAO FEDERAL

PROCURADOR: MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

ACÓRDÃO

Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento à apelação.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 23/05/2012

Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo douto Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do estado do Amazonas julgando improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União Federal, em que se busca o cancelamento da execução do projeto para a construção de uma estrada vicinal, com previsão de 63,123 Km ligando o Km 112 da BR 307 ao Quinto Pelotão Especial de Fronteira do Exército Brasileiro, instalado em área adjacente à Aldeia indígena Ariabu, pertencente à nação ianomâmi, localizada na região Matucará, que integra o município de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, inserida nos limites territoriais do Parque Nacional do Pico da Neblina, sendo constituída pelas Aldeias Matucará, Ariabu, pertencente à nação ianomâmi.

Postulou-se ainda a imposição de elaboração pelo Exército Brasileiro de um regime disciplinar rígido para o convívio com os indígenas, o pagamento pela União de uma indenização ao Parque Nacional do Pico da Neblina para fins de fiscalização e aos indígenas da terra indígena ianomâmi por danos morais. Então, a questão tem essa complexidade. Esse é o pleito ministerial.

A DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE DE ALMEIDA: Um momentinho, a pretensão ministerial é...

O DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE: A obrigação de não fazer a execução desse projeto e de uma estrada vicinal que seria realizada em área indígena e numa unidade de conservação da natureza de proteção integral, o Parque Nacional do Pico da Neblina.

A DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE DE ALMEIDA: Sim, obrigação de não construir?

O DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE: É; e também o pleito no sentido de se condenar a União a pagar uma indenização por danos materiais a fim de viabilizar eventuais danos causados neste cenário de conservação da natureza e das terras indígenas atingidas pela estrada e também por danos morais diante dos fatos que são narrados aqui pela Comissão de Direitos Humanos.

A DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE DE ALMEIDA: É ianomâmi lá?

O DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE: Sim, ianomâmi.

A DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE DE ALMEIDA: Pensei que fosse só em Roraima.

O DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE: Exato, mas isso atinge não só Roraima, mas os estados amazônicos.

Em suas razões iniciais, noticia o douto Ministério Público Federal, em resumo – e aqui já destaco, Excelência: esta ação, pode ver aqui, foi ajuizada em 2000... não é nova a ação. Isso é um acervo que recebi, mas a questão ainda é atual, até porque o juiz não decidiu nada, indeferiu tudo.

A DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE DE ALMEIDA: A estrada foi construída, Excelência?

O DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE: Não foi, e vou dizer as razões aqui por que não fora, mas o fato em si iniciou-se nos idos de 2001, portanto, todo esse cenário começou há onze anos, e agora é que o Poder Judiciário deve tomar providências, deve não, já era para ter tomado providências há muito tempo.

Em suas razões iniciais, noticia o douto Ministério Público Federal, em resumo: que nos idos de 1990 o Exército Brasileiro iniciou a construção de uma estrada vicinal partindo do quilômetro 112 da BR 307 com a finalidade de facilitar o suporte ao 5º Pelotão Especial de Fronteira, localizado na região de Matucará, mais precisamente ao lado da aldeia indígena Ariabu, pertencente à nação ianomâmi. Acrescenta que a construção em referência, embora encravada em área inserida nos limites territoriais do Parque Nacional do Pico da Neblina, em terras indígenas, foi implementada sem as indispensáveis autorizações da Fundação Nacional do Índio – Funai - e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, inclusive no tocante à elaboração e execução de estudo prévio de impacto ambiental e do seu relatório conclusivo EIA/Rima, nos termos da legislação ambiental de regência.

Ressalta ainda, a peça vestibular que, em decorrência da referida construção, aliada à presença de organizações religiosas e não governamentais, houve elevado deslocamento de terceiros para aquela localidade, do que resultou sensível acréscimo da densidade populacional.

Sim, porque essas estradas abrem o caminho para os madeireiros, para os garimpeiros e todos aqueles aventureiros, que, encontrando um caminho na Amazônia, buscam realizar os seus propósitos, os mais diversificados. Houve um elevado deslocamento de terceiros para aquela localidade, do que resultou sensível acréscimo da densidade populacional, com os consequentes reflexos socioeconômicos no seio das comunidades indígenas ali existentes, inclusive com a perda da sua autossustentabilidade, tais como – e aqui é sério, mas o processo não está em segredo de justiça – assédio sexual às índias ianomâmis por parte dos militares deslocados para o referido pelotão, alcoolismo, interferência no modo de subsistência dos indígenas em consequência da exploração econômica e da ameaça à caça, atração de garimpeiros para a área e a prática de ilícitos ambientais atrelados a tais atividades, conforme documentação carreada para os autos.

O juízo monocrático rejeitou os pedidos sob o fundamento de que “o completo encerramento do projeto de construção da vicinal não se coaduna com as disposições constitucionais que regulam a matéria, haja vista que a tutela constitucional dos direitos indígenas e do meio ambiental não exclui a possibilidade de intervenção do poder público nas áreas reservadas aos indígenas ou de conservação ambiental, desde que observado o regramento legal para atuação da administração, como soi acontecer na hipótese em exame. Quer dizer, o juiz delimita a lide e tira dessa delimitação uma conclusão sem a premissa sustentatória. Ele acha o seguinte: Olha, na verdade, não há qualquer norma que proíba a intervenção, a interferência do poder público em área indígena ou em área de preservação ambiental, desde que observadas as posturas legais necessárias. É exatamente isso, desde que observadas. Mas o problema é saber se foram observadas no caso concreto.

Consignou, ainda, aquele juízo que, na espécie, seria possível a retomada do empreendimento – e aqui está exatamente a fênix viva, desculpe, aqui, a metáfora, a fênix viva, quer dizer, porque há toda uma argumentação de que o projeto... Realmente, o projeto paralisou porque, o Exército, chegou um momento, disse: Não tenho mais interesse, porque não há verba, não temos como realizar essa obra. Mas o projeto está de pé. Então o juiz observa: Na espécie, seria possível a retomada do empreendimento, desde que estabelecidos os parâmetros para o mínimo impacto ao meio ambiente e às comunidades indígenas existentes na área, destacando também que, no caso concreto, não teriam sido comprovados os danos à comunidade ianomâmi e ao Parque Nacional do Pico da Neblina, passível de indenização na forma pleiteada na inicial.

No que se refere aos pedidos de indenização, rejeitou os pleitos, ao argumento de inexistência de comprovação acerca da existência dos supostos danos morais, asseverando que, no que tange ao Parque Nacional do Pico da Neblina, consta dos autos mensagem do chefe do parque no sentido de que a BR 307, que liga a sede do município de São Gabriel da Cachoeira ao distrito de Cucuípe, com 206 quilômetros, possui 146 quilômetros dentro do parque, já contando com mais de 60% do seu traçado por ocasião da criação do Parque Nacional, em 1979, diante do que não se pode atribuir a eventual permanência de pessoas não autorizadas no parque à vicinal, cujo início da construção ocorreu em 1991. Quer dizer, é muito tempo. Em 1991, iniciou esta obra.

Em suas razões recursais, insiste o douto Ministério Público Federal na concessão da tutela jurisdicional postulada, reiterando os fundamentos deduzidos perante o juízo monocrático, destacando que, na espécie, afigura- se manifesta ilegitimidade da construção em referência em virtude da intervenção em terras indígenas, ante a inexistência de competente lei complementar que a regulamente, violando, assim, o disposto no art. 231, § 6º, da Constituição Federal, e asseverando ainda que “a despeito dos elementos probatórios coligidos aos autos através de prova testemunhal, a qual majoritariamente declara as diretrizes estabelecidas no termo de referência elaborado pelo Ibama, o que culminou com o indeferimento do pedido de licença prévia até que fossem sanados os aspectos legais, ou seja, o Ibama recusou o EIA realizado pelo Exército. Disse, ainda, que foi encaminhado ao chefe da Divisão de Ensino e Pesquisa do Instituto Militar de Engenharia (IME), em 6 de fevereiro de 2002, o Ofício 071/2002, comunicando acerca do indeferimento e ressaltando que, em havendo interesse em apresentar nova solicitação de licença, deveriam ser apresentados ao Ibama novos estudos ambientais para análise, porque o projeto estava vivo.

O Ibama disse: “Se vocês tiverem interesse, terão que realizar corretamente o EIA/Rima.”. Ainda conforme o expediente, relata um coordenador de avaliação de impactos e riscos do Ibama que o Instituto Militar de Engenharia formulou, em 15 de abril de 2002, pedido de reavaliação do Parecer Técnico 250/2001, cuja consequência foi a emissão do Parecer Técnico 134-COJUC em 10 de novembro de 2002, pelo qual a Coordenação de Unidades de Conservação do Ibama mostrou-se favorável à construção do ramal da BR 307, a Maturacá, desde que o projeto de engenharia incorporasse os cuidados ambientais necessários em uma obra dessa natureza dentro de uma unidade de conservação de proteção integral e que todas as áreas degradadas pela construção...

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