Apresentação

AutorJorge Luiz Souto Maior
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, titular da 3ªVara do Trabalho de Jundiaí
Páginas7-21

Page 7

Este livro é fruto das análises e debates realizados durante o desenvolvimento da disciplina, Teoria Geral do Direito do Trabalho, por mim ministrada no 1º semestre de 2012, no curso de mestrado em Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Sem desprezar a análise em torno da origem do Direito do Trabalho dentro do contexto da sociedade capitalista, reconhecendo o seu papel reacionário no sentido da preservação das estruturas desse mesmo modelo de sociedade, as investigações teóricas tiveram por objetivo identificar a alteridade como ponto de partida da racionalidade do Direito do Trabalho, tomando como ponto de partida as abordagens desenvolvidas no livro Curso de Direito do Trabalho — v. I — Parte 1 — Teoria Geral do Direito do Trabalho, notadamente no aspecto pertinente à identificação do método jurídico trabalhista.

Como dito na obra em questão:

A racionalidade que se impõe ao jurista pelo Direito Social é a de ver o outro ou, até, de se perceber no outro, mas não a partir de uma perspectiva do homem isolado, idealizado, glorificado, mas na realidade coletiva, contextualizada a partir das complexidades que envolvem o modelo capitalista de produção.

Na perspectiva do Direito do Trabalho este homem, por certo, é o trabalhador, buscando o propósito da melhoria de sua condição social.

Essa afirmação retoma o debate acerca do poder transformador do direito. O fato concreto é que, por mais razões que tenham os teóricos que acusam a forma burguesa de organização e aplicação do direito, o fato é que o direito, queira-se ou não, se correlaciona com a realidade, e, nesta perspectiva, servirá tanto para conservá-la quanto para transformá-la. Tullio Ascarelli, que pinçara suas ideias sob a égide do Direito Social em formação, deixara claro desde então que “A ideia de que o direito não poderia transformar a economia era, pura e simplesmente, o reflexo de uma ideologia (reacionária), isto é, do desejo de que o direito não interviesse para a transformação vantajosa às classes deserdadas pelo sistema econômico existente. Era o reflexo da concepção que

Page 8

se apresentava como científica, mas que era, na realidade, política, segundo a qual existe uma economia natural, à qual corresponde a ideologia do direito natural”1.

E, não se dedicou o autor citado à formulação da proposição em sentido da força transformadora do direito, dedicando-se a apresentar as modificações econômicas produzidas pelas mudanças legislativas, tendo, inclusive, participado ativamente de movimentos de reforma legislativa2.

Esse reconhecimento é por demais importante para explicitar ao jurista o tamanho de sua responsabilidade quando cria, por meio da interpretação, o direito. Neste sentido, Ascarelli exprimia, com toda razão, que “não há interpretação que não obrigue o intérprete a tomar posição diante desta ou daquela alternativa e, portanto, a expressar uma valoração pessoal”3, a qual não adviria no conjunto normativo, mas da vivência do jurista. Neste sentido, a interpretação não seria declarativa, mas criativa. Assim, “rejeitando as costumeiras metáforas da interpretação como cópia reprográfica ou como reflexo do direito já posto, ele adotou a metáfora da semente e da planta, segundo a qual o ordenamento jurídico cresce sobre si mesmo e desenvolve-se por meio do trabalho do intérprete, do qual a lei é o gérmen fecundador. Sem metáforas, a interpretação, independentemente do que o jurista pense do próprio trabalho, jamais é apenas desenvolvimento lógico de premissas, ou seja, mera explicitação do implícito, mas é sempre, também, acréscimo, adaptação, integração, em suma, trabalho contínuo de reformulação, e, portanto, de renovação do corpus iuris. O jurista não é um lógico que apenas manipula algumas regras, mas um engenheiro que se serve de regras para construir novas casas, novas fábricas, novas máquinas”4.

Em sentido ainda mais revelador, Márcio Túlio Viana explica que por detrás da fantasia de que o direito está, todo ele, inscrito nas leis, esconde-se o próprio juiz que tenta fazer crer à sociedade que nada mais faz do que aplicar a lei ao fato, não assumindo, pois, qualquer responsabilidade sobre o resultado a que chega.

Em suas palavras: “como foi o legislador que fez a lei, o tribunal pode se eximir, aos olhos da sociedade, de qualquer responsabilidade — pois ela não conhece o seu segredo, não o percebe como coautor, não sabe que quem interpreta, recria. Como também não sabe, por isso mesmo, que o que ele fez foi uma escolha; que a sua aparente descoberta foi, na essência, uma invenção”5.

Essa revelação, que demonstra, pois, a um só tempo, a responsabilidade do jurista e a própria função transformadora — ou reacionária — do direito, é por demais importante para a fixação de um método para o Direito Social, até porque, como dizia Ascarelli, na mesma linha das abordagens críticas do Direito, “O chamado direito espontâneo, que se forma, ou se acredita formar-se, diretamente pelo livre jogo das forças em luta, é sempre o direito do mais forte”6.

O método do Direito Social, no sentido de lhe fornecer o potencial transformador da realidade, será, necessariamente, estabelecido a partir da perspectiva das pessoas que nas relações sociais detenham uma posição inferiorizada, buscando soluções emancipatórias e não legitimações para as injustiças.

Assim, a crítica ao direito não deve significar o efeito de destruir o direito, mas de reconstruí-lo. Não se trata, por certo, de uma reconstrução que se baseie nos mesmos postulados dos debates

Page 9

abstratos do conhecimento jurídico. Trata-se de uma reconstrução que, partindo dos argumentos reveladores das análises críticas, afaste, por conseguinte, a ideia do direito como ordenamento ou como sistema, que elimine, pois, o desafio da compreensão do direito como uma ciência autoexplicativa, procurando, isto sim, produzir os saberes necessários para problematizar a realidade social, fixando os parâmetros de análise dos fatos. Em outras palavras, a abordagem crítica do direito deve se voltar a explicitar o método7 de análise que melhor atenda aos objetivos do direito e identificado este, historicamente, como um Direito Social, qual o método necessário para que o intérprete respeite os objetivos traçados pelo pacto humanitário da construção de uma sociedade mais justa e humana dentro do sistema capitalista de produção.

Não há como não extrair da raiz do Direito Social a compreensão de que o seu significado concreto está vinculado ao propósito de construir, continuamente, de forma evolutiva, a justiça social, para que a atração do sentido do justo para o direito não represente, meramente, a legitimação de situações injustas, que se avaliam, ademais, evolutivamente. O trabalho de crianças de 5 anos de idade em fábricas, aos olhos de teóricos do século XIX, já pareceu normal, mas hoje, por certo, ninguém o defenderá, valendo-se a mesma proposição de natureza progressiva em diversos outros assuntos ligados às relações de trabalho no contexto da exploração capitalista.

Desse modo, e por consequência da lógica inserida no Direito Social, o pressuposto teórico fundamental do Direito do Trabalho, é o de que sirva como instrumento da melhoria da condição social e econômica do trabalhador. Toda a racionalidade ligada ao Direito do Trabalho, cientificamente considerada, deve partir desse pressuposto e a ele servir, não para estabelecer verdades incontestáveis e eternas, mas para propor problemas a serem superados. Dito de forma mais clara, o método de análise do Direito do Trabalho é o do jurista posicionado no lugar do trabalhador, para que possa ver a realidade com os olhos deste, possibilitando-lhe, então, compreender suas aflições possíveis frente às formas de opressão impostas pelo poder econômico.

Como explicitado por Márcio Túlio Viana, “não creio em solução para o Direito do Trabalho que não avance para a frente, em direção ao trabalhador”8.

Tomando por base esse direcionamento, os estudantes, autores dessa obra, se predispuseram a examinar a realidade de alguns tipos de trabalhadores que têm sido excluídas da proteção social trabalhista, procurando demonstrar o quanto o Direito do Trabalho, no contexto da proposição de um instrumento em favor da construção da justiça social, ainda precisa percorrer.

As análises, de modo geral, atingiram, ademais, esse caráter instrumental, deixando claro que a exclusão referida é indevida, não se tratando, pois, de uma falha estrutural do Direito do Trabalho.

Os trabalhadores, tratados neste livro como “marginais”, por terem sido colocados à margem da proteção jurídica, como se verá nas abordagens que se seguem, não foram excluídos da proteção jurídica trabalhista pelo próprio Direito. Na verdade, por deficiência acadêmica, por ajustes político-ideológicos não revelados ou por interesses econômicos obscuros, lhes foram negados direitos trabalhistas legítimos, decorrentes da sua inegável inserção na lógica capitalista da venda da força de trabalho para satisfação alheia.

Neste aspecto, aliás, convém reproduzir a abordagem feita acerca da amplitude do conceito de relação de emprego:

Page 10

A dificuldade concreta que existe, portanto, não é da inserção do direito do trabalho em outras relações de trabalho e sim a da identificação da relação de emprego onde está mascarada por intenção fraudulenta ou pelas características especiais da prestação do serviço. Esse problema, como se está demonstrando, foi eterno na vida do direito do trabalho e a sua solução não foi, nem deve ser agora, pelos motivos já manifestados, a mera ampliação do campo de aplicação do direito do trabalho, para fugir do desafio de se indagar, no caso concreto, acerca das características do trabalho prestado.

Na luta constante do Direito do Trabalho para alcançar todas as formas de exploração do capital sobre o trabalho, o primeiro e decisivo passo é o de identificar a relação de emprego sempre que uma pessoa venda a sua força de trabalho para a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT