11. Prescrição do dano moral trabalhista

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas199-213

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Prescrição é um instituto de direito material que significa a perda da pretensão492 e não a perda do direito de ação, como anteriormente já se entendeu, no sentido de extinção de uma ação ajuizável em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso. Isso porque o direito material, mesmo após a prescrição, não se esvai, não se perde totalmente, continua latente, com vida, porém, perde sua força coercitiva, transmudada em obrigação natural e o direito de ação, como direito constitucional e direito humano fundamental que é, não pode ser obstado, de acordo com o art. 5º, XXXV493, da Constituição da República.

O Código Civil de 1916 continha um equívoco ao enunciar no art. 75 que "a todo direito corresponde uma ação (anspruch)", quando o correto seria "a todo direito corresponde uma pretensão", uma vez que o termo anspruch foi traduzido erroneamente como ação, quando na verdade significa "pretensão", no sentido de poder exigir, querer, pretender.

Essa situação foi devidamente corrigida no Código Civil de 2002, na medida em que o art. 189 estatui:

"violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".

Na verdade, em relação à pretensão podemos dizer que, quando o sujeito passivo (devedor) não cumpre sua obrigação ou dever jurídico, de forma voluntária, poderemos ter uma ação para satisfação do direito.

Logo, a prescrição atinge a pretensão (e não a ação), uma vez que a ação é um direito constitucional (art. 5º, XXXV, da CF/88), assegurados a todos, que permanece incólume no plano processual.

Como atualmente não mais vige a Teoria Imanentista ou Concretista, para a qual para ter o direito de ação era necessário ter o direito material ou substancial, vige no nosso ordenamento jurídico a ação como um direito autônomo, abstrato, desvinculado do direito em si.

Nem é preciso provar a titularidade do direito material para ter o direito de ação. Basta o preenchimento das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse de agir), de acordo com o art. 267 do Código de Processo Civil e art. 485 do novo CPC (Lei n. 13.105/2015), e dos pressupostos processuais (objetivos e subjetivos) para se ter o direito de postular em juízo a solução da lide. O nosso ordenamento adjetivo ou instrumento é regido pela Teoria Abstrata do direito de ação.

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Logo, o direito de ação visto por esse ângulo não pode ser atingido ou extinto. Porém, se o titular de um direito material, embora possa exigi-lo, deixa de fazê-lo em relação ao cumprimento da obrigação pelo devedor, pelo decurso do tempo e por sua inércia, estará dando ensejo à prescrição dessa faculdade de exigir o pagamento ou o cumprimento da obrigação. Haverá, a partir de então, ou seja, a partir do prazo da prescrição, apenas um direito subjetivo, mas, não mais a pretensão em si, e consequentemente não mais o direito de ação.

Em outras palavras, o direito de ação passa a ser inócuo, na medida em que, se utilizado, dará ensejo à extinção do processo pelo magistrado, com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, IV, do Código de Processo Civil e art. 487, II, do novo CPC. Daí, a prescrição, como a decadência constituírem-se prejudiciais de mérito, e matéria de ordem pública, podendo ser conhecidas pelo juízo, em grau ordinário de jurisdição, até mesmo sem provocação do titular do direito.

Aquela obrigação antes exigível na sua plenitude transmuda-se apenas em uma obrigação natural, como, por exemplo, o pagamento da dívida prescrita (cheque vencido há mais de seis meses ou dívida de jogo).

O novo Código Civil utilizou-se do critério científico de Agnello Amorim Filho para estabelecer a diferença entre prescrição e decadência. Assim, podemos dizer que a decadência é a perda do direito material pelo seu não exercício, seja pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício. (Exemplo: prazo decadencial de dois anos da ação rescisória e os prazos fixados pelo empregador para o empregado aderir ao Plano de Demissão Voluntária).

De acordo com o critério científico citado, a prescrição atinge os direitos subjetivos a uma pretensão (positiva ou negativa), isto é, atinge direitos reais e pessoais, onde existe sujeito passivo obrigado a uma prestação positiva (dar ou fazer) ou negativa (não fazer). Esses direitos subjetivos são exercidos sobre os bens da vida e estão reforçados de "pretensão" (do poder de exigir, querer) contra o obrigado.

De outra banda, a decadência envolve os direitos subjetivos de sujeição (direitos potestativos ou formativos), poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade em situações jurídicas de outras pessoas, sem o concurso de vontade destas. (Ex.: o poder do mandante na revogação do mandato, do cônjuge na promoção do divórcio; o poder do herdeiro em aceitar ou renunciar a herança, o poder do contratante de rescindir o contrato por inadimplemento e por vícios redibitórios, a ocupação de res nulius, o poder do empregador em rescindir o contrato de trabalho).

Portanto, podemos conceituar o direito potestativo que ampara o instituto da decadência como a faculdade que tem o sujeito de produzir efeitos jurídicos mediante declaração de vontade sua, em certos casos integrada por decisão judicial. A essa faculdade corresponde da parte daquele contra quem ela se exerce, um estado de sujeição, consistente em ficar submetido aos efeitos jurídicos produzidos, sem

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concorrer para eles e sem a eles poder opor-se (SILVA, De Plácido. Dicionário Jurídico, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense).

Em face da classificação científica, com fulcro na teoria de Agnello Amorim Filho, para se identificar a natureza jurídica da ação que se qualifica como prescrição ou decadência, podemos enunciar que hoje já se encontra superada a classificação ternária das ações pelo advento da classificação moderna denominada de "classificação quinária" que assim se desdobra:

  1. ações condenatórias: pretende obter do réu uma determinada prestação (positiva ou negativa) pela violação de uma obrigação. O título condenatório servirá como título executivo.

  2. ação constitutiva: visa não a uma prestação, mas à criação, modificação ou extinção de relações jurídicas;

  3. ações declaratórias: têm o objetivo de obter certeza jurídica, ou existência ou inexistência de relações jurídicas.

  4. ações mandamentais: têm por objetivo a obtenção de uma sentença em que o juiz emite uma ordem, cujo descumprimento por quem a receba caracteriza desobediência à autoridade estatal passível de sanções494, inclusive de caráter penal (art. 330 do Código Penal - crime de desobediência). (Ex.: sentenças proferidas em mandado de segurança, na ação de nunciação de obra nova - art. 958 do CPC ou art. 581 do novo CPC). O não cumprimento com exatidão do provimento mandamental sujeita o destinatário da ordem do juiz à multa de até 20% do valor da causa, que reverterá aos cofres públicos, sem prejuízo de imposição das demais sanções criminais, civis e processuais (art. 14 do CPC) e art. 77, parágrafo único do novo CPC.

  5. ações executivas lato sensu (ou ações sincréticas, misto de ação de conhecimento e de execução): por meio delas o autor não necessitará do processo de execução para obter a pretendida alteração no mundo dos fatos. Sua sentença de procedência é exequível no mesmo processo em que foi proferida (Ex.: ações de despejo e tutela de antecipação para reintegração do dirigente sindical - arts. 273 e 461-A do CPC), respectivamente arts. 300 e 498 do novo CPC.

    Se as ações executivas objetivam a perseguição do cumprimento forçado de uma obrigação, pela qual responde o patrimônio do devedor, as executivas lato sensu correspondem a uma eficácia executiva que se efetiva no mesmo processo em que foi proferida a decisão, e que atua independentemente da conduta do réu. Dessa forma, por força de sua natureza condenatória, essas ações executivas lato sensu também se submetem aos prazos prescricionais.

    Após essa digressão, com apoio no critério científico de Agnello Amorim Filho, podemos classificar as ações sujeitas a prescrição ou a decadência da seguinte forma:

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    Todas as ações condenatórias (e somente elas) estão sujeitas a prescrição, conforme o art. 206 do novo Código Civil. Essas ações condenatórias estão embuídas ou armadas de pretensão, do direito de se exigir ou querer o cumprimento da obrigação. Quando a lei não fixar prazo, a prescrição ocorrerá em 10 anos (art. 205 do novo Código Civil), enquanto no art. 177 do Código Civil de 1916 o prazo era de 20 anos. E quando a prescrição deve ser alegada? Na oportunidade e no prazo em que a parte é chamada a se defender em juízo (art. 297 do CPC e art. 335 do novo CPC), pois toda a matéria de defesa deve ser alegada quando da defesa (art. 300 do CPC e art. 336 do novo CPC), inclusive a prescrição trabalhista.

    O Código de Processo Civil, de 1973, erigiu a prescrição ao status de mérito. Extingue-se o processo com julgamento do mérito, com base no inciso IV do art. 295 do CPC e art. 330 do novo CPC. (A petição inicial será indeferida: quando o juiz, verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição). Em sendo mérito, por dever de obediência ao princípio da oralidade (concentração dos atos judiciais e imediatidade), respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, deverá a parte invocar a prescrição em primeiro grau, sob pena de permitir-se a supressão de instância. A Súmula n. 153 do TST dispõe que não se conhece de prescrição não arguida na instância ordinária. Dessa forma, é cabível a arguição da prescrição durante todo o processo de conhecimento ou mesmo em sede recursal, ou ainda até o momento da formulação das contrarrazões do recurso ou recurso adesivo. Não é cabível a arguição da prescrição no processo...

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