12. O dano moral coletivo e suas diferenciações em relação ao dano moral individual

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas213-221

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Podemos conceituar dano material como toda lesão ou prejuízo, que pode ser objeto de valoração econômica, o que já não ocorre com o dano moral ou extrapatrimonial, cuja verificação, muitas vezes, tem de ser aferida in re ipsa (pela análise das circunstâncias fáticas).

Com efeito, dano é o prejuízo material ou moral causado a outrem, no que concerne ao seu patrimônio. O patrimônio deve ser aqui entendido como o somatório dos bens patrimoniais e morais de uma pessoa, ou seja, o "ter" conjuntamente com o "ser".

Para a efetiva caracterização do dano moral individual no Direito do Trabalho, é necessário que estejam presentes todos os elementos exigidos no ordenamento jurídico, para que se realizem, concretamente, os efeitos desejados contra o lesante.

Assim, a caracterização do direito à reparação do dano moral individual trabalhista depende, no plano fático, da concordância dos seguintes elementos: a) o impulso do agente (ação ou omissão), b) o resultado lesivo, i. e., o dano, ou o ato abusivo (arts. 186 e 187 do novo Código Civil) e c) o nexo etiológico, ou de causalidade entre o dano e a ação alheia.

Ilustrativamente, podemos mencionar a existência de danos no local de trabalho, seja por assédio moral ou sexual de prepostos, constrangimentos diversos, atraso contumaz (por prazo superior a três meses) no pagamento dos salários, uso de uniformes pelos empregados com logotipos de fornecedores, sem autorização expressa do empregado, limitação da liberdade dos empregados para o uso de sanitários, meio ambiente laboral inadequado e incompatível com as normas regulamentadoras.

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Raimundo Simão de Melo505, nesse particular, informa que, quanto aos prejuízos ex tunc, especialmente em relação à saúde dos trabalhadores, não há possibili-dade de reconstituição, uma vez que já ocorreu o acidente ou a doença ocupacional, ou então encontra-se incubada no organismo da pessoa, somente aguardando o momento da eclosão.

Na hipótese vertente, busca-se a reparação por meio de uma indenização de cunho individual por danos emergentes (material, moral e estético) e lucros cessantes (aquilo que deixou ou deixará o trabalhador de auferir em razão da lesão à saúde e à integridade física ou psíquica). Mas cabe, ainda, indenização por dano coletivo nas situações de ofensas que atinjam a coletividade laboral nos seus valores essenciais e fundamentais, como a dignidade coletiva dos trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988, que recebeu a denominação de "Constituição Cidadã", veio acabar com a polêmica verificada na doutrina e na jurisprudência, consagrando de modo definitivo e peremptório o direito à reparação decorrente de atos ilícitos, àqueles que sempre se constituíram, ao longo dos tempos, nos mais nobres dos direitos individuais do homem, i. e., sua honra e dignidade.

A reparação do dano moral, como mecanismo de defesa dos direitos de personalidade, passou a ter força e assento constitucional, com fulcro no art. 5º, incisos V e X, in verbis:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A legislação infraconstitucional, fortalecida pelos ditames da norma constitucional, acolheu com entusiasmo a tese da reparação por dano moral, estético, material, coletivo, como se atesta pela farta legislação correlata, inclusive pela Lei n. 7.347/1985 (LACP), que em seu art. 1º e incisos dispõe:

"regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados".

12.1. Um conceito de dano moral coletivo

O dano moral coletivo, diferentemente do dano moral individual, envolve as lesões que atingem um agrupamento de pessoas ou mesmo toda a coletividade, em decorrência de ato ilícito do empregador ou ainda o descumprimento de normas de ordem pública, que ultrapassam a pessoa do trabalhador para atingir a consciência de toda a coletividade.

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Para André Ramos Tavares506, não somente a dor psíquica pode gerar danos morais; devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância desses interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade. (...)

Aduz ainda aquele doutrinador que, assim, é preciso sempre enfatizar que o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais afeta a boa imagem da proteção legal a esses direitos e afeta a tranquilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. Tal intranquili-dade e sentimento de desapreço gerados pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia507 ressalta que o dano moral pode ser individual ou coletivo, conforme a violação de direitos da personalidade, ou de direitos humanos fundamentais, em preservação da dignidade da pessoa humana, seja de ordem individual ou se trate de lesão de natureza metaindividual (difusos e cole-tivos em sentido estrito).

Nesse sentido, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985), no art. 1º, caput, expressamente prevê a possibilidade de responsabilização de danos morais e patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos, em consonância com o art. 129, inciso III, da CF/1988.

Como as ações civis públicas e coletivas têm por escopo a defesa dos direitos transindividuais, neles incluídos os direitos difusos e coletivos em sentido estrito (Lei n. 8.078/1990, art. 81, parágrafo único), resta evidente a plena possibilidade de responsabilização por danos morais coletivos, sofridos pela sociedade, pela categoria, pelo grupo ou pela...

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