2.2 A fidelidade partidária no contexto constitucional e legal brasileiro

AutorVinicius Cordeiro - Anderson Claudino da Silva
Páginas43-68

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O tema idelidade partidária era completamente desregulamentado e ausente do direito positivo brasileiro. As trocas de partido, por deputados ou vereadores, eram raras, mas icaram mais frequentes no início dos anos 1960.26

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Somente após o regime de 64/85 e o "emendão" de 1969 é que se incorporou no direito positivo brasileiro a sanção de perda de mandato por inidelidade partidária. Não somente a troca de partido era punida, mas o descumprimento de diretrizes partidárias, por voto ou atitude.

A Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu artigo 35, V, previa a perda de mandato parlamentar ao que praticasse atos de inidelidade partidária, segundo o previsto no parágrafo único do artigo 152, que estabelecia claramente:

"Art. 152. Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa."

A inidelidade partidária, como hipótese causa-dora da perda automática do mandato, proceder-se-ia

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mediante declaração da respectiva Mesa Diretora, independente de deliberação do plenário.

De igual forma, reiterativamente, o artigo 72, da Lei nº 5.682, de 1971, a chamada Lei Orgânica dos Partidos Políticos, declarava a perda do mandato de senador, deputado federal, deputado estadual ou vereador que, "por atitude ou pelo voto, se opusesse às dire-trizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixasse o partido sob cuja legenda houvera sido eleito". Mandava, ademais, equiparar à renúncia, para efeito de convocação do respectivo suplente, a perda do mandato por inidelidade partidária. Todo o procedimento vinha disciplinado nos artigos 73 a 88 da antiga LOPP.

Justiicou-se então a adoção de tal legislação, com argumentos como o do relator do projeto no Congresso, o Senador Tarso Dutra (ARENA-RS) de que: "a perda do mandato para o deputado, senador ou vereador que renuncia ao partido é um imperativo incontrolável de recuperação da moralidade pública nacional, como sanção válida contra o carreirismo político"27. No comento de PINTO FERREIRA, "procurou-se, assim, evitar a constante mudança de cor política, chamando-se os trânsfugas pitorescamente de camaleões políticos"28.

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Curioso observar que a legislação revogada somente abarcava os detentores de mandato legislativo, inexplicavelmente não incluindo os detentores de cargos do Poder Executivo, como o presidente, governadores e prefeitos. Em várias oportunidades, o TSE e o STF aplicaram a norma, quando algum vereador ou parlamentar ousou trocar de partido.

Com a mitigação do bipartidarismo, sobreveio a Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, durante o início do processo chamado de "abertura democrática", permitindo o abandono do partido pelo mandatário, quando se destinasse à fundação de outro partido político. A ressalva foi recepcionada na legislação ordinária, dando nova redação ao citado artigo 72 da LOPP, através da Lei 6.767, de 20/12/1979. Finalmente, a Emenda nº 25, de 15/5/1985, retirou a inidelidade do rol de hipóteses de perda de mandato, a ser decretada pela Justiça Eleitoral, revogando tais dispositivos.

O sistema instituído durante o regime militar começou a ruir com a eleição presidencial pelo colégio eleitoral que deu a vitória a Tancredo Neves. Uma consulta efetuada ao TSE foi a senha para que uma dissidência do governista PDS denominada "Frente Liberal" (grupo que deu origem ao PFL, atual DEM) pudesse votar no peemedebista Tancredo Neves, sem o temor de perder o mandato - ainal, o TSE respondeu a uma consulta (CTA nº 6.988, posteriormente Resolução nº 12.017, Relator NERI DA SILVEIRA, julg.

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em 27.11.1984, DJ 10/12/1984, p. 21.160) no sentido de que na eleição indireta para presidente da República, os parlamentares não seriam obrigados a seguir a orientação dos partidos, por não se tratar propriamente de diretriz partidária, num casuísmo necessário para permitir a transição democrática, assentando então que:

"(...) não prevalecem, para o colégio eleitoral (...) as disposições relativas a idelidade partidária, previstas no art. 152, parágrafos 5 e 6 da LOPP, e arts. 132 a 134 da res. 10.785, de 15.02.1980 (res. 11.985, de 6.11.84). 2) não pode partido político ixar, com diretriz partidária, a ser observada por parlamentar a ele iliado, membro do colégio eleitoral, a obrigação de voto em favor de determinado candidato."

Veio ainal a nova Constituição, sendo que o seu art. 14, § 3º, V da CF/88 estabeleceu, como condição primeira de elegibilidade do cidadão, a sua iliação partidária. Com o dispositivo, mostra-se impossível que alguém possa concorrer e, eventualmente se eleger, sem que esteja devidamente iliado a uma agremiação partidária. Assim, a Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), estabelece, no seu art. 87, caput, que somente podem concorrer às eleições os candidatos registrados por partidos.

Mais adiante, no art. 17, § 1º, a Constituição assegura aos Partidos Políticos a capacidade de estabele-

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cer regras de iliação e idelidade partidária, criando mecanismos de autocontrole e autodeterminação de projetos e ideias políticas, expressamente prevendo que a idelidade partidária viesse a ser regrada pelos próprios partidos, por imposição do legislador constituinte.

De fato, a nova Lei dos Partidos Políticos, nº 9.096, de 19/09/1995, reservou autonomia às agremiações partidárias, conferindo-lhes, inclusive, como de economia interna, o poder disciplinar - o que inclui o poder de suspender a iliação partidária do mandatário que contrariar os seus princípios, descumprir suas decisões, e até de expulsá-lo, como sanção máxima, não tendo, entretanto, competência para decretar a perda de mandato.

No capítulo V da referida lei, nominado "Fideli-dade e disciplina partidárias", o Parlamentar desiliado a Partido Político sofre outras consequências, como por exemplo, o de não integrar comissões. Os procedimentos para apurar e aplicar sanções serão todos necessariamente de previsão expressa dos estatutos partidários (artigos 23 e 25 da LOPP), assegurando-se sempre a ampla defesa.

Complementando o sistema de sanções, sem chegar à perda do mandato, o artigo 26 da vigente LOPP estabeleceu a perda automática da função ou cargo exercido na Casa Legislativa, em virtude da proporcionalidade partidária em Mesa Diretora ou nas co-

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missões ao "(...) parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito."

No entanto, o novo sistema legal não previa o alcance de se determinar a perda do mandato. Aliás, o tema das sanções dos iliados a partidos, inclusive, fugiam à esfera da justiça eleitoral, que ao enfrentar o tema, decretou:

"Mandado de segurança. Partido político. Expulsão de iliado. Admissível a segurança contra a sanção disciplinar, se suprimida a possibilidade de o iliado disputar o pleito, por não mais haver tempo de iliar-se a outro partido político. Não há vício no ato que culminou com a expulsão quando, intimado de todas as fases do processo disciplinar, o iliado apresentou ampla defesa. As razões que moveram o partido a aplicar a sanção disciplinar constituem matéria interna corporis, que não se expõe a exame pela Justiça Eleitoral"29.

Durante muitos anos, os Tribunais pátrios, dentre eles o Supremo Tribunal Federal, foram questionados acerca da possibilidade de se subtrair o mandato daquele que tenha praticado atos de inidelidade partidária. Foi mantido, até bem pouco tempo, o posicionamento paciicado no sentido de se reconhecer a inexistência de repercussão da inidelidade partidária sobre os mandatos dos agentes políticos. Prevaleceu

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assim, inicialmente, perante o TSE, e posteriormente, perante o STF, o entendimento de que a mesma não se encontra inserida dentre as causas de perda de mandato previstas no texto constitucional, como se pode observar pelo julgado na sequência, in verbis: Possibilidade de perda de mandato parlamentar. Princípio da idelidade partidária. Inaplicabilidade. Hipótese não colocada entre as causas de perda de mandato a que alude o art. 55 da Constituição. (STF, MS 23.405. Relator Ministro Gilmar Mendes. Publicação: Diário de Justiça, 23 abr. 2004).

O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, ressaltou em diversos julgados não mais existir a obrigatoriedade da idelidade...

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