3.4 Justa causa

AutorVinicius Cordeiro - Anderson Claudino da Silva
Páginas121-157

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Na Resolução 22.610, em seu primeiro artigo, foram consignadas circunstâncias que importariam em

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"justa causa" para o pedido de desiliação partidária, resguardando, assim, ao detentor de mandato eletivo que trocou de partido após a sua eleição, o direito de permanecer no exercício do mandato para o qual o mesmo foi eleito, tais como:

Art. 1º omissis

[...]

§ 1º Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

Conforme se observa, o referido dispositivo legal arrola as variadas circunstâncias excepcionais que justiicariam a troca de partido, resguardando, assim, àquele que trocou de agremiação após a eleição, a sua manutenção no exercício do Mandato Eletivo. O poder normativo da Justiça Eleitoral levou em conta a realidade brasileira: a falta de previsão legal, e o fato social.

Dentre as circunstâncias consideradas justas para desiliar-se do partido detentor do mandato eletivo, veriica-se que as mesmas podem ter caráter objetivo, como é o caso das causas consignadas nos itens I e II, ou caráter subjetivo, conforme consignado nos demais

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itens do referido dispositivo, distinção que se examinará mais detalhadamente a seguir.

3.4. 1 Incorporação ou fusão partidária

Dentre as hipóteses legais passíveis de motivar a mudança de legenda partidária, a Resolução do TSE contemplou os casos de incorporação ou fusão do partido; nessas hipóteses, cabe ao mandatário comprovar que o Partido ao qual o mesmo era iliado foi incorporado ou fundiu-se com outra agremiação.

Sem dúvida, a incorporação ou fusão de agremiações altera a estrutura partidária pela qual o mandatário fora eleito, não podendo ser exigido que o mesmo venha a aderir àquela nova formação, sob pena de lhe ser extraído o mandato eletivo. A Lei nº 9.096/95 - Lei Orgânica dos Partidos Políticos estabelece em seu art. 27 que será cancelado, junto ao Ofício Civil e ao Tribunal Superior Eleitoral, o registro do partido que, na forma de seu estatuto, se incorpore ou venha a se fundir a outro. Procedida a análise do referido dispositivo legal, ica evidente que diante do cancelamento do registro do partido junto ao Ofício Civil e ao Tribunal Superior Eleitoral, aquela estrutura a qual o indivíduo se iliou inicialmente deixa de existir, surgindo posteriormente uma nova agremiação, que além de novo estatuto e programa terá, ademais, que se submeter a novo registro perante o Cartório e o TSE.

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Além disso, levando-se em consideração o entendimento do TSE de que o mandato pertence ao Partido e não ao candidato, pode-se concluir que a agremiação, ao alterar a sua estrutura por meio de uma incorporação ou fusão, ao perder a sua identidade inicial, autoriza assim uma ruptura na relação entre o candidato e o partido pelo qual o mesmo foi eleito.

Em tais situações, resta evidente a legalidade da desiliação do mandatário eleito por Partido que, após o pleito, deixa de existir ou altera a sua estrutura de forma signiicativa, através de uma incorporação ou fusão. No entanto, na posterior edição da referida resolução, sobretudo no enfrentamento do caso concreto, como na incorporação do PAN pelo PTB, o TSE entendeu que somente teriam justa causa os membros do partido incorporado (PAN), pois o ideário deste deixava de ser ressaltado, em detrimento do partido incorporador (PTB); este entendimento foi ratiicado, através da Res. TSE nº 22.885/2008, pela qual a justa causa prevista neste dispositivo incide apenas no que se refere ao parlamentar ailiado ao partido político incorporado, e não ao remanescente, dito incorporador.

Ainal, também exige-se que do ato de desiliação não tenha decorrido extenso lapso temporal entre o ato de incorporação e o pedido de desiliação partidária, restando impossibilitado o reconhecimento da justa causa (TSE, de 7.8.2008, na AC nº 2.380).

Já a fusão partidária é o fenômeno pelo qual dois ou mais partidos fundem-se num só partido, por deci-

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são de seus órgãos nacionais de deliberação; de acordo com o § 1º do art. 29 da Lei 9.096/95 (LOPP), nos casos de fusão, deve-se observar determinadas normas, quais sejam:

"Os órgãos de direção dos partidos elaborarão projetos comuns de estatuto e programa; Os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido."

No caso das fusões, mesmo que a sigla permanecesse idêntica à alguma das anteriores, a evidente nova roupagem interna (estrutura orgânica) como externa (programa e doutrina), autorizam membro de quaisquer das legendas originárias a sair da sigla. Foi o que ocorreu no caso da fusão que originou o Partido da República (PR), após integração envolvendo o PL (Partido Liberal) e o PRONA (Partido da Reestruturação da Ordem Nacional). Ainal, como já decidiu cristalinamente o TSE, considera-se justa causa para a desiliação partidária a fusão de partido político, ainda que recém-criado (CTA nº 76.919, de 13/10/2011, Rel. Min. Gilson Dipp).

Quanto à outro aspecto advindo das fusões partidárias, estas não autorizam parlamentares de outras legendas que não as originárias da fusão a ter o abrigo da justa causa, como entendeu o TSE, ao assentar, na

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Consulta nº 18.226, de 28/06/2014, que "o fenômeno da fusão não abre a parlamentares de partidos que não a integraram a oportunidade de migrarem."

Ainal, saliente-se que, de acordo com a Consulta no 755-35, do TSE, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, para o reconhecimento da justa causa para desiliação partidária, deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento, evitando-se a insegurança jurídica, e a indesejável troca de partidos sem motivação justiicável; dessa forma, aplica-se, analogicamente, o prazo de 30 dias previsto no art. 9º, § 4º da Lei 9.096/95 nas fusões ou incorporações partidárias, ou na criação de novo partido. Este prazo é contado a partir da publicação da homologação, ou deferimento do registro dos atos de fusão ou incorporação partidária, pelo Pleno do TSE.

3.4. 2 Criação de novo partido

Inicialmente deve-se compreender que os cidadãos se iliam a um partido político (ou assim deveria ser) porque identiicam na nova agremiação um determinado e singular conjunto de pensamentos e de ideias que possam, uma vez aplicados, produzir as almejadas mudanças sociais. O surgimento de novo partido, com novos ideais, pensamentos e programa, vale dizer, uma nova ideologia ou proposta programática capaz de provocar, inclusive naqueles que já pertencem a um partido, o desejo de aderir a essa nova

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agremiação, cujo programa é mais consentâneo com os seus princípios. Nesse caso, é justo e legítimo que o detentor do mandato deixe o antigo partido e se transira para o novo, recentemente criado.

Assim, com o intuito de viabilizar a criação de novas agremiações partidárias, o TSE incluiu dentre as causas autorizadoras de mudança de partido a desiliação do mandatário para integrar novo partido. Destaque-se que até no antigo regime legal de idelidade partidária, estabelecido nos anos 1970, a única ressalva permissiva para deixar a legenda era justamente a criação de um novo partido.

Veriica-se, pois, que caso não fosse incluída tal possibilidade dentre as justas causas para a desiliação, estaria praticamente inviabilizada a criação de uma nova legenda, uma vez que seria pouco provável que algum partido viesse a ser criado sem que dentre os seus iliados estivessem políticos experientes e detentores de mandato eletivo.

Entretanto, apesar de a Resolução ter previsto que a criação de um novo partido conigura justa causa para desiliação partidária, não se explicitou qual o momento a ser considerado para o reconhecimento da justa causa: o da criação efetiva do partido em nível nacional ou a sua estruturação em nível local, e de estabelecer aspectos temporais para que se pudesse considerar determinada agremiação nova para ins de justiicar a desiliação partidária.

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Inicialmente, crê-se que a qualidade de "partido novo" deva ser vista em momento posterior da eleição de quem se desilia, ainda que a desiliação tenha ocorrido alguns meses depois da sua instituição, como do lançamento, ou da publicação de seus atos constitutivos. De lavra recente, o TSE explicitou em quais momentos o parlamentar é considerado fundador de uma nova legenda. Inicialmente, considerava-se criado o novo partido, para ins do disposto no art. 1º, § 1º, II, da Res.-TSE nº 22.610/2007, a partir do deferimento do registro do estatuto partidário no Tribunal Superior Eleitoral, momento a partir do qual é possível a iliação ao novo partido. O registro do Cartório de Registro Civil não impede que o parlamentar continue iliado ao partido de origem, pois se trata de etapa intermediária para a constituição deinitiva da nova agremiação (TSE, pet. 3.019, de 2010).

Pelo novo entendimento, só se terá autorizado o desligamento de parlamentares que se desligarem no prazo de até trinta dias após a publicação do regis-tro pelo TSE, conforme foi respondido à Consulta nº 755-35, em junho de 2011, transformada em Resolução nº 9.105, de acordo com o voto condutor da ministra NANCY ANDRIGHI, que classiicou o prazo de "razoável". Segundo o próprio TSE assentou, não há exigência "de envolvimento pessoal do trânsfuga no processo de criação do partido", apenas a comprovação do seu vinculo à novel agremiação.

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Extraído da jurisprudência:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007. CRIAÇÃO DE...

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