3. A caracterização do dano moral trabalhista

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas118-135

Page 118

Para a efetiva caracterização do Dano Moral no Direito do Trabalho, é necessário que estejam presentes todos os elementos exigidos no ordenamento jurídico, para que se realizem, concretamente, os efeitos desejados contra o lesante.

A caracterização do direito à reparação do Dano Moral Trabalhista depende, no plano fático, da concordância dos seguintes elementos:294

  1. ato ilícito ou abusivo, por impulso do agente (ação ou omissão), componente de antijuridicade;

  2. o resultado lesivo, i. e., o dano;

  3. o nexo etiológico ou de causalidade entre o dano e a ação alheia.

De acordo com Bittar,295 "em termos simples, o agente faz algo que não lhe era permitido, ou deixa de realizar aquilo a que se comprometera juridicamente,

Page 119

atingindo a esfera alheia e causando-lhe prejuízo, seja por ações, gestos, palavras, escritos ou por meios outros de comunicação possíveis. Registre-se, também, que por força de abuso de direitos ou seja, imoderação no exercício de direitos, pode também incidir o agente na prática de ilícito civil, como o entendem a doutrina e jurisprudência, com reflexos na esfera da moralidade alheia. O dano deve ser atual, certo ou definido, pessoal e direto, admitidos, no entanto, certos temperamentos. Nesse sentido, quanto à atualidade, embora seja a regra, aceitam-se também o dano futuro e a perda de oportunidade, como suscetíveis de reparação, desde que reflexos do fato lesivo’’.

A rigor, o dano moral trata-se de damnum in re ipsa, ou seja, a simples aná-lise das circunstâncias fáticas é suficiente para a sua percepção pelo magistrado, no caso concreto. Dispensa-se, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente296.

De acordo com José Luis Goñi Sein,297 "o pressuposto da indenização por dano moral é a existência do prejuízo, o qual se presume, sempre que se acredita na existência da intromissão ilegítima’’.

Embora de forma rápida, o professor da Universidade de Salamanca298 deixa-nos claro que "o prejuízo compreenderá o dano moral, que se presume sempre, e o dano material, que terá de ser provado".

O Direito do Trabalho constitui um campo fértil para a ocorrência de danos morais, com muito mais intensidade contra o empregado.

Horácio de Fuente, citado por Pinho Pedreira,299 sublinha que: "como é sabido, o trabalhador deve cumprir pessoalmente a principal prestação a seu cargo e, em geral, não de forma ocasional, como ocorre nos outros contratos, mas permanentemente, incorporando-se a uma organização alheia, com a obrigação de realizar suas tarefas em lugar e condições determinadas, submetido a todo momento às faculdades de direção e disciplinares que a lei reconhece ao empregador. Isto quer dizer que: enquanto nas contratações privadas se achem normalmente em jogo valores econômicos e como exceção podem ser afetados bens pessoais dos contratantes, geralmente de forma indireta, no contrato de trabalho o trabalhador, pela situação de dependência pessoal em que se encontra, arrisca permanentemente seus bens

Page 120

pessoais mais valiosos (a vida, integridade física, honra, dignidade etc.). Consta das mesmas conclusões que no ordenamento jurídico argentino, a personalidade e a dignidade do trabalhador foram objetos de uma especial proteção, garantindo-se assim seus interesses ideais e morais. Conforme os princípios morais, o empregador há de responder pelos danos morais que cause, se por dolo ou culpa lesam-se esses interesses ou bens não patrimoniais. Para que proceda a reparação, o dano deve ter entidade suficiente para afetar a personalidade do trabalhador em qualquer de suas manifestações’’300.

Em artigo doutrinário, o mesmo jurista se manifesta no sentido de que "o Direito do Trabalho aparece, assim, como o ramo jurídico em cujo seio o estudo do dano moral deveria alcançar seu máximo desenvolvimento, já que, como se disse, nesse direito a proteção da personalidade adquire especial dimensão, tanto por sua primordial importância - dado o caráter pessoal e duradouro da relação - como por ter sido objeto de uma garantia jurídica especial’’301.

De forma coincidente é o pensamento do professor Vasques Villard, que afirma que "se em algum âmbito do Direito o conceito de Dano Moral pode ter alguma aplicação é precisamente no do Trabalho. A razão da subordinação a que está sujeito o trabalhador na satisfação de seu débito leva a que a atuação da outra parte, que dirige essa atividade humana, possa menoscabar a faculdade de atuar, que diminui ou até frusta totalmente a satisfação de um interesse não patrimonial’’302.

Se bem seja certo que esse tipo de ato ou fato lesivo, ou menoscabo nas palavras de Villard, pode se dar com maior frequência em relação à pessoa do trabalhador, também pode acontecer pela ação deste sobre a do empregador, ou dos que atuam em seu nome, os prepostos, o que também merece a devida consideração, com o propósito de estabelecer um equilíbrio na relação direta entre duas pessoas, que se expressa por meio dos débitos recíprocos que as vinculam.

Assim, no núcleo dos atos ou fatos geradores do Dano Moral trabalhista estão as ações ou omissões humanas, qualificadas pelo Direito e que, com relação aos diversos estados da pessoa, podem acarretar a outrem danos de cunho moral, nos estados individual, familiar e profissional. Assim, por exemplo, atentados contra a honra, a boa fama, o nome, a liberdade, o conceito social e inúmeros outros compõem a textura dos fatos produtores de danos morais na órbita do Direito do Trabalho303.

A caracterização do Dano Moral Trabalhista também pode ser registrada por força de abuso de direito, ou seja, imoderação no exercício de direitos, incidindo

Page 121

o agente na prática de ato ilícito, com reflexos na esfera da moralidade de outra pessoa, no caso em estudo, o trabalhador.

Finalmente, o Dano Moral Trabalhista pode advir de acidentes de trabalho, em que o trabalhador venha a ser lesado em sua integridade física e, na maioria dos casos, também em sua moralidade, mormente nas situações em que for acometido por deformações físicas irreversíveis. Nesses casos, bastará ao trabalhador acidentado a demonstração do nexo causal, evidenciando tão somente a vinculação do resultado lesivo à atividade levada a efeito pelo empregador-lesante.

Com efeito, a modalidade acima estriba-se na responsabilidade embasada no risco, ou seja, na Teoria do Risco, a qual libera a vítima do ônus da prova. Nos casos de responsabilidade agravada ou exacerbada, com consequências por demais danosas para o trabalhador, a lei prescinde até da demonstração do nexo etiológico, aceitando a simples prova da ocorrência do acidente.

O Novo Código Civil, em seu art. 927, parágrafo único304, veio contemplar a tese da responsabilidade objetiva305, ou seja, aquela responsabilidade em que não se precisa perquirir sobre a culpabilidade do ofensor, pois decorre da lei ou da própria atividade desenvolvida306 pelo lesante.

Page 122

Além de a Constituição da República contemplar a responsabilidade objetiva do Estado, em seu art. 37, § 6º307, o Novo Código Civil, no art. 43308, também a ela se refere.

Feitas essas considerações, vamos aprofundar-nos um pouco em dois elementos configuradores do dano moral, quais sejam, a culpa e o nexo etiológico ou causal.

3.1. A culpa

A culpa possui os seguintes elementos: negligência, imprudência e imperícia.

Apresentamos um breve resumo desse importante instituto, com base na obra de Fernando Capez309, que assinala que a culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Daí sua definição, como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. O Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, segundo a qual são seus requisitos: a) imputabilidade, b) potencial consciência da ilicitude e c) exigibilidade de conduta diversa.

Page 123

A imputabilidade estaria relacionada com a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, sendo quatro as causas excludentes da imputabilidade: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

A exigibilidade de conduta diversa consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haveria exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra maneira. Trata-se de causa de exclusão de culpabilidade, fundada no princípio de que só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas, e em nosso ordenamento jurídico as causas que levam à exclusão da exigibilidade de conduta diversa são a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.

A aferição da culpa ocorreu pelo critério abstrato do homem médio, fixado como padrão. Desta forma, quem viola o dever do cuidado ou assume o risco por determinada ação incorre em culpa, em uma daquelas vertentes enunciadas.

Um dos conceitos mais utilizados de culpa é o desenvolvido por Chironi e Abello310: "a culpa é o erro de conduta, moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias de fato".

Podemos dizer que a culpa consiste na ação ou omissão, antijurídica, que se encarta em um descumprimento intencional, seja de uma obrigação contratual, de prescrição legal, ou ainda do dever de conduta que a todos se impõem, de agir com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT