4. A evolução do conceito de dano moral no direito do trabalho no brasil

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas135-141

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Por muito tempo negou-se ou restringiu-se, por motivos vários, a incidência da responsabilidade civil no Direito do Trabalho. Esse fato pode ser explicado parcialmente pela própria evolução do Direito do Trabalho no Brasil, após a abolição da escravatura em 1888, até o advento da Constituição Federal de 1988, bem como pela alienação a que o povo brasileiro foi submetido no período da ditadura militar, época em que a dignidade humana pouco era levada em consideração.

De acordo com Evaristo de Moraes Filho,337 "desde a descoberta até a abolição da escravatura, a economia brasileira repousou sempre no trabalho servil. (...) 1888 é o marco divisório entre duas épocas - o instante talvez mais decisivo em toda a nossa evolução de povo. A partir deste momento, a vida brasileira desloca-se nitidamente de um polo a outro, com a transição para a ‘urbanocracia’, que só de então em diante se impõe completamente. (...) É bem compreensível, assim, a ausência quase total de normas e de instituições de índole do Direito do Trabalho em todo o passado brasileiro anterior ao século XX. Mesmo durante o Império, depois da Independência, constituíamos uma sociedade escravocrata, toda ela baseada no trabalho servil; com a indústria ainda em seus primeiros ensaios, espalhada por um longo território, com escassa densidade populacional, não era possível encontrar clima próprio à tutela do trabalhador livre’’.

Analisando a história do Brasil pós-abolição da escravatura, a partir da origem da massa de trabalhadores das fazendas de café até o período inicial de nossa indústria, ainda incipiente, com predominância de espanhóis e portugueses até o advento do Estado Novo em 1930, constatamos a supervalorização da figura do patrão, do empresário, do capitalista, que às vezes portavam-se como se estivessem acima da lei, numa típica mentalidade escravocrata.

Isso era possível graças à benevolência do Governo Liberal que, mesmo diante de acontecimentos políticos e sociais da época, nada fazia para propiciar a evolução jurídica da ordem trabalhista. Qualquer medida legislativa de regulamentação do trabalho humano podia ser interpretada como séria restrição da autonomia de vontade e incompatível com os princípios liberais, considerados válidos para a plena emancipação nacional.

Assim, para não contrariar seus princípios, o Estado não se dispunha a intervir nas relações entre patrões e empregados, dada a urgente necessidade do país

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produzir riqueza e fomentar o crescimento econômico. Esse fato histórico talvez possa explicar, em parte, a razão pela qual os trabalhadores brasileiros sempre tiveram de lutar muito para terem seus direitos reconhecidos. Não obstante, não podemos olvidar que o Direito do Trabalho, a rigor, constituiu-se numa conquista histórica da sociedade, incluindo em seu bojo os contratos coletivos, bem como o fato de sua gênese ter ocorrido anteriormente ao Direito estatal.

Foi somente a partir de 1930, com o advento do Governo de Getúlio Vargas, que houve uma expansão do Direito do Trabalho em nosso país, com o início do processo de valorização do trabalhador. Passaram a ter, com a política trabalhista de Getúlio Vargas, maior aceitação as ideias de intervenção nas relações de trabalho, com o Estado desempenhando papel central, grandemente influenciado pelo modelo corporativista italiano338.

Na evolução histórica das relações entre patrões e empregados, desde aquela época até pouco tempo atrás, portanto, a caracterização do Dano Moral no Direito do Trabalho não era admitida e o dano patrimonial ficava delimitado aos poucos casos reconhecidos em lei.

O Dano Moral no Direito do Trabalho era terminantemente negado por não ser "matéria trabalhista". O Supremo Tribunal Federal preconizava a tese da irressarcibilidade do dano moral. Determinava sua reparação somente nos casos excepcionais em que estava prevista em lei e nenhum deles contemplava o Dano Moral Trabalhista.

O Pretório Excelso mandava, todavia, indenizar o dano moral que acarretasse consequências de ordem patrimonial, o que significava reparar o prejuízo dessa última espécie e não propriamente o dano moral.

O que se observa, na verdade, é que na vigência do contrato de trabalho, determinada conduta do empregado ou do empregador pode configurar concorrentemente o ilícito civil, o ilícito penal (sob as formas de delito ou contravenção) e o ilícito trabalhista, conquanto não haja uma distinção ontológica entre essas espécies de ilícito e sejam independentes entre si (art. 935339 do Código Civil).

A Constituição de 1988 encerrou a polêmica na esfera do Direito Civil, ao agasalhar no seu art. 5º, incisos V e X, a reparação dos danos morais, por sinal já autorizada pelos arts. 186340 e 953341 do Novo Código Civil e, por conseguinte, pacificou a tese da admissibilidade do dano moral trabalhista.

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A Constituição Federal de 1988 expressa, dessa forma, a tutela aos direitos da personalidade e como consequência da ofensa a esses direitos, a reparação dos danos morais perpetrados.

De acordo com Glaci de Oliveira Vargas, "o inciso "V" permite o direito de resposta proporcional ao agravo recebido. Além disso, faculta ao ofendido definir os pressupostos para que a resposta seja quantum satis. Observa-se que o teor do dispositivo, diante da ofensa consumada, não elege uma ou outra reparação, mas todas as que forem necessárias de acordo com a esfera atingida, seja ela material ou moral, ou ambas. Dessa forma, o cidadão tem garantido o amplo direito de defesa na área civil contra quem lhe imputar qualquer dano, sem dispensar, ainda, do ofensor as consequências penais de sua conduta’’342.

João de Lima Teixeira Filho nos ensina que "a Constituição de 1988 corrigiu rumos e propendeu para o lado da reparabilidade do dano moral. Todo indivíduo constrói um patrimônio moral, ao lado de seu patrimônio material. Este é aferível objetivamente; aquele, subjetivamente. E a distinção estanca por aí. O agravo a qualquer desses bens tutelados gera, de igual modo, uma lesão sofrida ou sentida pela pessoa cujos direitos sobre eles detém. Logo, não há porque diferençar as espécies de dano quanto à consequência jurídica da transgressão’’343.

Continua ainda344 citando Orozimbo Nonato, afirmando que "tarefa implexa e per difícil é definir os tipos elencados no art. 5º, X, da Constituição Federal. Mais difícil ainda temperá-los com as peculiaridades da relação de trabalho e com a possibilidade de o Dano Moral se verificar com anterioridade, no curso ou na cessação do contrato de...

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