A sustentabilidade ambiental na produção econômica de bens e serviços como requisito progressivo à concessão de incentivos e benefícios fiscais no Brasil

AutorLeonardo de Andrade Costa
CargoProfessor de Direito Tributário e Finanças Públicas da Graduação e da Pós-Graduação da FGV Direito Rio
Introdução

1A existência e as condições de vida no futuro dependem da combinação de múltiplos fatores, os quais podem ser compreendidos de forma mais adequada se forem segmentados em dois grupos distintos. O primeiro conjunto compreende as variáveis sobre as quais o homem não tem ingerência no que tange à constituição e condições de possibilidades2, eventos que devem ser examinados no campo da geologia3, da astrofísica4 e da teologia. Por sua vez, no segundo grupo destacam-se os elementos que sofrem influência direta ou indireta da ação humana, também denominada de ação antrópica5, o que pode ocorrer em diversos graus – causando, por exemplo, maior ou menor interferência no meio ambiente -, de forma racional6 - ou não - e de modo intencional ou involuntário. Nesse último grupo merecem destaque os prováveis impactos causados pelo homem sobre as mudanças climáticas e bem assim as inquestionáveis perdas impostas à biodiversidade, haja vista a rápida deterioração das propriedades produtivas e utilidades dos recursos naturais7 (água, solo, vegetais, minerais e etc.) necessários à sua sobrevivência e à qualidade de vida na Terra, o que tem consequências no curto, médio e longo prazo. Esses efeitos têm sido potencializados, em especial, pelo crescimento vertiginoso da população8, o modelo de produção econômico adotado e o consumismo exacerbado aliado ao processo de migração e de concentração nas áreas urbanas, o que incrementa o grau de vulnerabilidade coletiva às catástrofes. Deve-se destacar, ainda, conforme será examinado abaixo, que a segmentação proposta, entre a ação antrópica e as variáveis sobre as quais o homem não influencia, apenas facilita a compreensão inicial da complexidade do problema, tendo em vista que no atual momento da história e o correspondente estágio de desenvolvimento científico - e de (in)compreensão das questões metafísicas – nem sempre possível simular com 100% (cem por cento) de certeza, quanto aos resultados obtidos, a exclusão da presença e da influência humana sobre os eventos que ocorrem na Terra, ainda que o fenômeno específico objeto do estudo seja designado como essencialmente natural. Em suma, eleva o grau de complexidade da matéria na atualidade a dificuldade de se estimar com precisão a correlação entre a ação humana e os denominados eventos naturais, tais como as mudanças climáticas, haja vista a mútua interferência que produz efeitos recíprocos de difícil ou impossível dissociação.

Os tributos, resultados da ação humana intencional, têm sido historicamente utilizados para alcançar múltiplos objetivos, além de sua função primordial de abastecer os cofres públicos. Nessa linha, importante realçar que a política tributária, tanto a de cunho meramente fiscal arrecadatória, como aquela de caráter extrafiscal, que visa, precipuamente, a induzir o comportamento das pessoas, incentivar ou desestimular determinada atividade (econômica ou não) - inclusive por meio da adoção de incentivos e benefícios fiscais - tem reflexos tanto na ordem econômica quanto na esfera social, e se realiza sob a constante imbricação com os direitos humanos fundamentais e permanente conexão com os demais valores e princípios constitucionais. Assim sendo, a disciplina jurídico-tributária, impositiva ou desonerativa, além de se coadunar com os objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil, também deve ser conformada pelos princípios constitucionais gerais e específicos, sejam eles expressos ou implícitos. Nesse sentido, o presente artigo objetiva demonstrar que a sustentabilidade ambiental na produção econômica de bens e serviços, apesar de não constar expressamente da Constituição Tributária e Orçamentária (artigos 145 a 169), consubstancia atual parâmetro necessário à concessão de benefícios fiscais, de acordo com uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a despeito de os formuladores da política tributária nacional não observarem esse vetor axiológico implícito, verdadeiro imperativo constitucional sistêmico. De fato, por ser requisito de eficácia progressiva no tempo, com o avanço da denominada “tecnologia verde”, a sustentabilidade ambiental deve passar da atual condição de parâmetro à concessão de favores fiscais para o status de requisito indispensável no futuro próximo.

Considerando o exposto, na segunda parte desse trabalho introduzir-se-á os dispositivos constitucionais que disciplinam a concessão de incentivos e benefícios fiscais, momento em que se constatará que não existe correlação expressa no texto constitucional entre as normas voltadas à proteção do meio ambiente e as regras que regem a matéria orçamentária e tributária, especificamente aquelas localizadas no Título VI da Constituição, que disciplinam a Tributação e o Orçamento.

Em seguida, no segundo tópico do artigo, apresentar-se-á a sustentabilidade ambiental como princípio das ordens social e econômica. A adoção de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, diretriz constitucional a nortear a ordem econômica, conforme indicado no inciso VI do artigo 170 da CR-88, reflete o reconhecimento do constituinte acerca da inevitabilidade de sopesamento entre a sustentabilidade ambiental da produção econômica como imperativo constitucional de um lado com os demais objetivos fundamentais da República de outro, especialmente aqueles que pressupõem uma economia forte e pujante, tais como o desenvolvimento nacional voltado à erradicação da pobreza e da marginalização e bem assim da redução das desigualdades sociais e regionais para a promoção do bem de todos. Nesses termos, a questão posta neste trabalho vai além da simples dicotomia entre ambientalismo de um lado e desenvolvimentismo de outro, pois demanda um repensar interdisciplinar integrado, que engloba a necessidade de novas direções e ritmos para a ação humana que deve ser sustentável sob o ponto de vista social, econômico, político e ambiental. De fato, o conteúdo material da Constituição é constituído por uma pluralidade de valores muitas vezes antagônicos e que apontam múltiplos objetivos de difícil coordenação, a exigir um difícil exercício de ponderação do legislador e bem assim do intérprete/aplicador dos princípios e regras constitucionais, a fim de buscar a harmonia entre os diversos interesses envolvidos. Nesse momento sustentar-se-á que a realização, no futuro, do direito fundamental à vida e bem assim da dignidade da pessoa humana dependem da efetividade, no presente, do princípio da sustentabilidade ambiental na produção econômica de bens e serviços, motivo pelo qual o objetivo fundamental do desenvolvimento nacional deve ser necessariamente sustentável. Nessa linha, por ser vetor axiológico implícito que transcende a ordem social e econômica, sendo, portanto, aplicável a todos os dispositivos constitucionais e, por conseguinte, imanente a todo ordenamento jurídico, constatar-se-á que a sustentabilidade ambiental consubstancia, também, conforme já salientado, parâmetro necessário à concessão de incentivos fiscais e tratamentos tributários privilegiados. Assim sendo, caracterizar-se-á a eficácia progressiva da sustentabilidade ambiental como limitação constitucional implícita ao poder de (não)tributar, vetor axiológico constitucional primário e princípio sistêmico.

A tríplice face do poder de tributar e os critérios constitucionais clássicos para legitimar a concessão de benefícios e incentivos tributários

O Poder de Tributar, fundamentado na abertura permitida pelos direitos humanos fundamentais9 ou justificado simplesmente pela soberania do Estado,10 diretriz que depende da doutrina adotada, se projeta em três dimensões, que se imbricam permanentemente.

Sob o prisma da prerrogativa estatal impositiva que restringe direitos do sujeito passivo da obrigação tributária, o poder se realiza sob a constante tensão que decorre da indissociável correlação entre os direitos fundamentais que protegem o patrimônio e a liberdade do contribuinte de um lado e o poder-dever estatal de cobrar tributos para atender as necessidades públicas de outro. Nesse contexto, importante destacar que o mesmo poder estatal pode se manifestar, também, tanto por meio das denominadas desonerações – sendo dispensada a exigência do tributo, de forma parcial11 ou total - como pela concessão de tratamento tributário diferenciado12, o qual, apesar de sempre excepcionar a regra geral de incidência, pode redundar13 - ou não14 - em redução do montante devido. Assim, a tributação se projeta em três dimensões com características próprias, que se imbricam permanentemente, tendo em vista a estreita conexão entre a fiscalidade e a extrafiscalidade15.

Em alusão à possibilidade de o Estado conceder benefícios e incentivos fiscais, leciona José Souto Maior Borges16 que “no poder de tributar se contém o poder de eximir, como o verso e reverso de uma medalha”. Essa face do poder estatal, que possibilita a desoneração de tributos ordinariamente exigíveis, foi designada por Aliomar Baleeiro como o Poder de Não Tributar17, o qual se submete, também, nos mesmos termos da prerrogativa estatal impositiva, aos limites formais e materiais fixados pelo constituinte, conforme será examinado adiante. Por sua vez, a possibilidade de concessão de tratamento tributário diferenciado, o qual pode ocasionar ou não a redução da carga tributária exigível ante a inexistência da regra de exceção, dependendo da hipótese, também reflete a possibilidade de o legislador estabelecer distinções...

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