Danos Morais por Ofensas a Atributos Psíquicos ou Intelectuais

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas106-212

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9.1. Danos morais por ofensas ao direito à intimidade

Intimidade corresponde à esfera mais íntima, particular, reservada do ser humano; ao "próprio eu" ou vida interior ou psicológica de cada indivíduo. A proteção da intimidade visa a assegurar ao indivíduo o isolamento de uma parcela da personalidade reservada contra a indiscrição alheia. Diz respeito ao modo de ser da pessoa, à sua identidade, convicções, crenças, sexualidade e segredos; ao mundo intrapsíquico de formação espiritual do indivíduo. Compreende as esferas confidencial e do segredo, referentes à intimidade. Aos pensamentos, sensações, frustrações e expectativas que o indivíduo não necessariamente exporia ou dividiria nem mesmo para com as pessoas com quem convive em seu núcleo familiar. É o espaço considerado pela pessoa como impenetrável, intransponível, indevassável, que diz respeito única e exclusivamente à pessoa.

Intimidade é, portanto, a esfera secreta da vida do sujeito do direito. É a zona espiritual que deve ficar livre de intromissão estranha, tanto assim que são proibidos os controles visuais e auditivos não autorizados, a revista íntima e a obtenção de informações que o trabalhador não está obrigado a prestar.

Quem o indivíduo é, como pensa e os seus gostos, aflições, expectativas e crenças correspondem à sua intimidade. Faz parte da sua liberdade de ser e de evitar intromissões em suas características pessoais, constitutivas de sua personalidade. Como vive a própria vida, com quem se relaciona e os lugares que frequenta correspondem à sua vida privada.

A invasão, pelo empregador, da intimidade do empregado e a invasão, pelo empregado, da intimidade do empregador ensejam a reparação, por danos morais.

São formas de ofensa à intimidade a revista íntima e o controle visual (vídeo) e auditivo (escuta) não autorizados ou invasivos. Sobre a revista íntima, a CLT, no art. 373-A, VI, a proíbe em relação às mulheres, o que não significa que possa ocorrer em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

Assim, se o empregador resolve revistar os trabalhadores do sexo feminino ou masculino, quer juntando-os num mesmo ambiente, quer servindo-se de cabines,

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ainda que com utilização de pessoas do mesmo sexo, ou de aparatos eletrônicos (câmeras em vestiários) responde pela humilhação causada ao trabalhador pela invasão à intimidade, podendo apenas variar o grau da agressão, conforme as condições da revista. Deve o empregador procurar outros meios, não invasivos ou humilhantes, de revista, nem que seja adotando a revista aleatória (não generalizada) e responsável (feita por pessoa do mesmo sexo, de forma menos invasiva possível), que por muitos tem sido defendida como meio imprescindível de coibir os furtos.

Em nossa experiência na magistratura, encontramos de tudo: empregador que determina a empregadas que abaixem as calças e levantem a blusa ou que se dispam em ambientes coletivos ou em cabines. Em todas as hipóteses há invasão e humilhação, podendo variar apenas o grau da ofensa. Há casos em que, como decorrência da revista, a pessoa passa a ficar conhecida como "cicatriz", "bunda branca", "bunda suja". Não acreditamos que no atual estágio da tecnologia e em pleno regime de concretização das liberdades públicas e dos direitos de solidariedade, um pai de família ou uma senhora precisem ser submetidos a essa humilhação. Também não acreditamos que eles recebam com tranquilidade a notícia de que a sua filha é obrigada, na saída do serviço, a ficar nua ou abaixar a calcinha perante fiscais.

Em aeroportos, por questão de segurança, admite-se revistas em bolsas, malas, apalpando a pessoa e até mais invasiva em certos casos, mas com todos os cuidados admissíveis.

Em processo em que a discussão ocorreu em torno da questão da revista íntima (RO-1350-2005-063-01-00-3, 6a Turma do TRT da 1a Região), restou apurado que a empresa comercializava produtos controlados e assim entendia ser sua obrigação manter rigorosa vigilância sobre os estoques e que a revista era uma imposição da atividade.

Restou apurado que a revista era efetuada por um segurança todas as vezes que o empregado se ausentava do local de trabalho, na hora do lanche, almoço ou saída.

A prova oral demonstrou:

"que durante a revista o(s) empregado(s) te(ê)m que levantar a blusa, abaixar as calças e a cueca até a altura dos joelhos e tirar os sapatos e as meias; (...); que em razão das revistas conjuntas surgiram alguns apelidos entre os empregado(s), o que também era constrangedor; que os apelidos eram "bunda branca e outros mais constrangedores".

Para efeito de segurança, bancos, lojas e outros ambientes públicos podem contar com detectores de metais, aparelhos de raios "X" e câmeras. O que não se justifica é o emprego de equipamento tecnológico com a finalidade de vigiar os empregados e a revista invasiva ou vexatória, incluindo o esvaziamento de bolsas e sacolas na entrada e na saída, muitas vezes na frente de clientes, ou que trabalhadores de indústrias e lojas precisem ficar nus, revelar partes do corpo ou peças íntimas ou se submeter a outros abusos suscetíveis de ofender a intimidade.

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Excepcionalmente, a revista do trabalhador vem sendo tolerada, desde que realizada sem constrangimentos e de forma aleatória (por exemplo, mediante sorteio), em atividades que demandam proteção diferenciada, como as que lidam com dinheiro, joias, pedras preciosas, drogas medicinais e armas.

Relativamente aos meios de vigilância, estabelece o Código do Trabalho português:

Art. 20º

1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.

3 - Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.

4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n. 1 e constitui contraordenação leve a violação do disposto no n. 3.

Art. 21º

1 - A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a auto-rização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

2 - A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.

3 - Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de...

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