Prescrição

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas238-254

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12.1. Prescrição e decadência: distinção e noções gerais

Ao contrário do Código Civil de 16, o novo distingue prescrição e decadência. Embora tenha, na Parte Geral, optado pela regulação pormenorizada dos casos de prescrição (art. 206), ali disciplinou de forma apenas genérica a decadência (art. 207 a 211), deixando para a Parte Especial e para as convenções o aponte dos casos de decadência.

A respeito, observa MIGUEL REALE:

"Preferimos, por tais motivos, reunir as normas prescricionais, todas elas, enumerando-as na Parte Geral do Código. Não haverá dúvida nenhuma: ou figura no artigo que rege as prescrições, ou então se trata de decadência." 194

Nem todos os prazos extintivos para o exercício de pretensões são de igual natureza. No plano do direito material, uns são prescricionais e outros são decadenciais (incluindo o direito de exercício da preferência).

Prescrição é a perda do poder de exigir, no plano jurídico, o cumprimento de um dever jurídico, pelo não exercício dessa pretensão, num determinado prazo, estabelecido pelo legislador.

São atingidas pela prescrição pretensões patrimoniais e extrapatrimoniais: à satisfação da gratificação natalina, à percepção do salário, à concessão e remuneração de férias anuais, à fixação da data das férias vencidas e não concedidas, apesar de já remuneradas.

Enfim, em se tratando de direitos cujo cumprimento por parte de outrem admite violação, recebem a denominação de direitos subjetivos (de prestação de dever jurídico), com início do prazo de exercício a partir da violação.195

O prazo prescricional admite interrupção (nova contagem) e suspensão (sustação da contagem).

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O revogado Código Bevilaqua, de 1916, fazia a distinção entre direitos patrimoniais e extrapatrimoniais para efeitos prescricionais, vedando o conhecimento, de ofício, da prescrição de direitos patrimoniais.

O Código Reale, de 2002, deixou de lado a distinção entre direitos patrimoniais e não patrimoniais para efeito de conhecimento independentemente de requerimento, passando a permitir o conhecimento judicial, de ofício, apenas quando a prescrição beneficiasse incapazes.

No entanto, a Lei n. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que entrou em vigor em 17 de junho de 2006, revogou, expressamente, o art. 194 do Código Reale e, alterando o § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil, enuncia que agora cabe ao juiz pronunciar, de ofício, a prescrição.196

Assim, o conhecimento da questão não mais depende de requerimento da parte interessada, porque deixou de importar, para esse fim, se o direito envolvido beneficia pessoa capaz ou incapaz, ou se ele é patrimonial ou extrapatrimonial.

Por outro lado, a prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita perante qualquer instância ou tribunal, o que, desde logo, faz surgir a indagação se a prescrição não pronunciada em primeiro grau pode ser arguida, de ofício, em segundo grau, tema que será adiante enfrentado.

Em algumas hipóteses não corre prazo prescricional contra determinadas pessoas (por exemplo, menores de 16 anos, no Direito Civil, e de 18 anos, no Direito do Trabalho), ou diante de determinadas circunstâncias (por exemplo, enquanto não verificada a condição suspensiva).

Decadência é a perda de um direito potestativo de sujeitar outrem à constituição, desconstituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, pela inércia do titular em exercitá-lo, num determinado prazo, legal ou convencional.

O exercício de um direito potestativo não decorre da pré-existência de um dever jurídico, pelo que não envolve violação de dever jurídico por parte de outrem. A potestatividade reside no fato de que o exercício do direito depende, única e exclusivamente, da vontade do seu titular em constituir, desconstituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Uma vez exercido o direito consistente na criação, alteração ou extinção de vínculo jurídico, ele sujeitando a outra parte à sua vontade, de forma irrecusável.197

São atingidos pela decadência direitos como a rescisão de uma sentença de mérito, caso não exercitada a pretensão no prazo de 02 anos após a sua publicação (visando assim à desconstituição da relação jurídica imposta pela sentença rescindenda); de pretender a despedida de empregado estável, caso não ajuizado o

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inquérito para a apuração de falta grave até 30 dias após a sua suspensão (visando assim à extinção da relação de emprego); de pretender a renovação do contrato de locação mercantil de 5 anos, caso não exercitada a pretensão no prazo de 01 ano a 06 meses antes do término do contrato (visando assim à criação de novo contrato); da gestante mudar de função, se prejudicial à gravidez a exercida (§ 4º do art. 392, da CLT, caso portanto, de modificação, de alteração da relação jurídica contratual de emprego); da gestante romper o compromisso resultante de qualquer contrato de trabalho, se prejudicial à gestação (art. 394, CLT); do empregado retornar ao emprego, uma vez terminado o serviço militar obrigatório (visando assim à manutenção ou não extinção da relação jurídica de emprego: cuida-se do exercício de um direito potestativo de manter o contrato ou não permitir que ele seja extinto).

Os atos nulos não são atingidos por prazo decadencial. Se, geralmente, não produzem efeitos (ou os efeitos esperados), não se os desconstitui, mas sim declara-se a nulidade daquilo que, no campo do Direito Civil não pode, de ordinário, convalidar-se com o decurso do tempo. Mas sobre os atos anuláveis, porque producentes de efeitos até a data da desconstituição, incide prazo decadencial, a exemplo a hipótese contida no parágrafo único do art. 119.

Em sede trabalhista, ressalvados os atos subjetivamente nulos (art. 440, da CLT) os demais (objetivamente nulos) prescrevem (vide redação do art. 7º, XXIX, da Constituição da República), com exceção das ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social (art. 11, § 1º, CLT). Por exemplo, embora o ordenamento negue validade ao pedido de demissão, não homologado, de empregado com mais de um ano de tempo de serviço, decorridos dois anos da terminação do contrato, a pretensão de invalidação do ato prescreve.

Vale notar que a pretensão que daí pode decorrer é à cobrança de valores (direito subjetivo) com fundamento na nulidade do pedido de demissão, assim não se cuidando de direito potestativo, posto que ela não tem por fim constituir, modificar ou extinguir a relação jurídica, aliás, já extinta.

Pelo Código Civil de 2002, salvo nos casos especificados em lei, o prazo decadencial, uma vez iniciado, não se interrompe e não se suspende, devendo ser conhecido pelo juiz, de ofício.

Alguns direitos potestativos podem ser exercitados perpetuamente, não tendo assim prazo de exercício, caso do aviso prévio, do direito de despedir sem justa causa empregado não estável e do pedido de demissão.

Também pelo novo Código Civil, somente pode haver renúncia a prazo decadencial convencional, o que é, portanto, inadmissível quanto a prazo decadencial fixado por lei, sendo que a parte a quem a decadência convencional aproveita, pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição lei (art. 209).

Tem-se, pois, que o prazo prescricional difere do prazo decadencial: a) pela natureza dos direitos alcançados (no primeiro, direitos subjetivos de prestação de um

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dever jurídico, e no outro, direitos subjetivos potestativos de criação, manutenção, modificação ou extinção de relação jurídica); b) porque o prazo decadencial, ao contrário do prescricional, de regra não se suspende e nem se interrompe (art. 207, CC); c) porque a prescrição deve ser conhecida, de ofício, pelo juiz, não obstante esteja impedido de apreciar, de ofício, a decadência convencional, que depende de alegação pela parte a quem aproveita (art. 211, do CC e 219, § 5º, do CPC); d) pela admissão da renúncia expressa ou tácita, uma vez consumada, do prazo prescricional, ao contrário do prazo decadencial fixado em lei, que não admite renúncia (art. 209, CC).

O antigo critério de vedação, na prescrição, ao conhecimento, de ofício, do prazo prescricional, exceto para beneficiar incapazes, que se contrapunha à obrigatoriedade da apreciação, pelo juiz, da decadência estabelecida por lei (art. 210), encontra-se hoje superado pela revogação do art. 194, do Código Civil de 2002. A nova redação do § 5º do art. 219, do CPC, é no sentido de que o juiz também pronunciará, de ofício, a prescrição (vide item 12.10, infra).198

12.2. A natureza do prazo bienal pós-extinção do contrato de emprego

É de prescrição o prazo de 02 (dois) anos após a terminação do contrato de emprego. Isto porque as pretensões que daí podem advir pertinem a direitos subjetivos de prestação, eis que referentes a cobrança de créditos decorrentes de relação já extinta, não tendo por fim a criação, modificação ou extinção da relação jurídica.

Até pode acontecer da pretensão dizer respeito à invalidação de despedida de empregado estável, mas mesmo assim o prazo será prescricional, posto que se cuida do ato objetivamente nulo e a pretensão não é constitutiva-negativa, mas sim declaratória da nulidade, com os respectivos efeitos.

Já em meio ao desenvolvimento da relação jurídica de emprego, os prazos podem ser prescricionais de cinco anos, até o limite de dois, se vier a ocorrer a terminação do contrato, como também decadenciais.

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