Pausas como Instrumento de Saúde e Segurança do Trabalho: as Pausas no Meio Rural, em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados e de Mecanografistas, Digitadores, Telefonistas e Operadores de Telemarketing

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani - Daniel Gemignani
Ocupação do AutorDesembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas - Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas99-118

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8.1. Introdução

Cada vez mais questões relacionadas à saúde e à segurança no trabalho se aproximam, e se imbricam, da temática trabalhista tradicionalmente objeto de discussão e estudo. Diz-se imbricar, pois há algum tempo vem se construindo pontes entre temas outrora tratados de forma apartada, como são exemplos matérias tradicionalmente afetas ao direito do trabalho, como jornada e salário, e questões de saúde e segurança laboral. Tem-se, assim, tendência no sentido de se estudar mais atentamente as relações existentes entre as diversas problemáticas da relação laboral.

Essa tendência interdisciplinar se faz presente nos mais diversos acontecimentos laborais, como é o caso, exempli gratia, dos acidentes do trabalho, em que, para se encontrar as razões determinantes para a sua ocorrência, não raro é necessário se conjugar a análise147 de aspectos técnicos da

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produção - sob a perspectiva de uma produção realizada de maneira segura para o trabalhador -, com matérias tradicionalmente trabalhistas, como são exemplos a realização de jornadas exaustivas, as modalidades remuneratórias, os atrasos ou sonegação de verbas salariais ou fundiárias, as pressões relacionadas à produtividade e à organização do trabalho, assédios moral e sexual, dentre outras matérias relacionadas às mais variadas condições de trabalho. Percebe-se, assim, que uma análise realista do mundo do trabalho perpassa tanto por temas tradicionalmente trabalhistas como por questões relacionadas à saúde e à segurança no trabalho, abrindo espaço, pois, para atuações e análises multidisciplinares148.

Os acidentes do trabalho, contudo, representam apenas uma faceta desse imbricamento, e nos quais se têm por evidente que não se pode estudar as relações laborais sem se considerar, em seu conjunto, questões de saúde e segurança no trabalho.

Nessa toada, tem o presente estudo por objetivo a análise de tema no qual a relação entre questões tradicionais de direito do trabalho e de saúde e segurança laboral se mostram mais pujantes, e o qual, conquanto básico, encerra método simples de se implementar medidas de proteção do trabalhador, qual seja, as pausas na jornada de trabalho.

Tem-se, assim, por tema as pausas previstas na legislação laboral, restringindo-se a análise ao estudo das pausas previstas em atividades específicas, como o trabalho em frigoríficos, o trabalho rural e, por fim, o trabalho dos digitadores, operadores de telemarketing e telefonistas. Por tese de trabalho, pretende-se, sob o pressuposto de que as pausas são meios eficientes de promoção da saúde e segurança no trabalho, lidar com as diversas abordagens verificadas na legislação, na jurisprudência e nas orientações técnicas administrativas expedidas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) sobre o tema, buscando-se propor a aplicação coerente e concertada das pausas pelos órgãos de fiscalização trabalhista, em especial pela Inspeção do Trabalho.

Assim, dividir-se-á o presente trabalho em quatro partes. A primeira tratará de apresentar as pausas sob a perspectiva da saúde e segurança do trabalho, isto é, apresentará a importância das pausas para a promoção de um trabalho seguro. A segunda parte apresentará as pausas existentes na legislação brasileira de forma sistematizada, isto é, apresentará as pausas previstas na legislação e a atual inter-pretação que se tem delas. A terceira parte, a seu turno, tratará de problematizar a sistematização hoje existente sobre o tema das pausas, enfrentando, pois, eventuais incongruências. Por fim, encerrar-se-á o presente estudo com as conclusões alcançadas, isto é, as propostas de sistematização da interpretação e de atuação institucional, com o aperfeiçoamento de rotinas de trabalho e atuação.

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8.1.1. Saúde e segurança do trabalho como imperativo constitucional

A Constituição Federal de 1988 apresenta, em linhas gerais, a importância da saúde e segurança do trabalho, normatizando a exigência de que sejam adotadas medidas para a "redução dos riscos inerentes ao trabalho", nos termos do inciso XXII de seu art. 7º.

Contudo, e em que pese a importância de referida previsão, haja vista as repercussões que a constitucionalização do tema propicia, fato é que pouca densificação há para a sua concretização. Ou seja, assentada a importância do tema, necessária se mostra a sua operacionalização, uma vez que a eficácia social de referida previsão constitucional apenas ocorrerá na medida em que claro estiverem o quanto e a forma como essa redução de riscos deverá se dar, sob pena de, imerso em conjecturas, quedar impraticável a concretização da previsão constitucional.

Nessa toada, portanto, é que se passará à análise das disposições infraconstitucionais a seguir apresentadas, buscando-se, pois, a densificação daquilo preceituado pelo art. 7º, inciso XXII da Constituição Federal, isto é, a efetiva e real redução dos riscos inerentes ao trabalho.

8.1.2. Pausas como instrumento de saúde e segurança do trabalho - pressuposto de trabalho

As questões envolvendo a jornada de trabalho são, indubitavelmente, as que mais evidenciam a inter-relação entre a saúde e a segurança do trabalho, com temas tradicionalmente trabalhistas. Trata-se da jornada de trabalho em sentido amplo, albergando, pois, dentre outras questões, as pausas no trabalho.

Essa inter-relação, contudo, nem sempre foi tão evidente.

Na história recente trabalhista, notória e paradigmática é a conhecida decisão da Suprema Corte norte-americana em que se discutiu a legalidade da limitação da jornada laboral determinada pelo Estado, quando em choque com o interesse obreiro de dispor de sua força laboral, como abaixo exposto:

"Dessa forma, em posicionamento desafiador, mas consentâneo com o espírito liberal reinante à época, posteriormente alterado pela jurisprudência da Corte, fixou-se entendimento no sentido de que o Estado havia interferido indevidamente na esfera de livre negociação entre trabalhador/empregador, na medida em que a fixação legal da máxima jornada de trabalho a que poderia se submeter o empregado - um padeiro - não teria o condão de proteger sua saúde ou algum interesse social, mas, pelo contrário, estava a impedir que o empregado pudesse auferir maiores ganhos com a prestação de seu labor por jornada superior à legal149.

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Assim, por não se mostrar razoável a regulamentação estatal, considerada, assim, invasiva da esfera individual do trabalhador, entendeu a Corte haver excesso por parte do Estado, que estava a restringir a possibilidade de que empregado e empregador acordassem acerca da melhor forma com que os serviços poderiam ser prestados e, por consequência, retribuídos."150

Os argumentos encerrados em mencionada decisão são, ainda hoje, verificados na prática trabalhista, essencialmente em situações nas quais são considerados apenas interesses pessoais dos obreiros, ou de organização do trabalho por parte do empregador, que vislumbram, na prestação elastecida de trabalho, meio imediato de incremento de remuneração e de manutenção do quantitativo de trabalhadores em atividade.

Contudo, não se pode, atualmente, olvidar das externalidades existentes na prestação ininterrupta e alongada de trabalho, a qual certamente acarretará a ocorrência de acidentes e doenças do trabalho (sejam mesopatias, sejam tecnopatias).

Nessa toada é que se construíram as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, mais especificamente se construiu uma sistemática de gestão em saúde e segurança do trabalho.

Disso são exemplos o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, o Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção - PCMAT, o Programa de Gestão de Segurança, Saúde e Meio Ambiente de Trabalho Rural - PGSSMTR e muitos outros programas de gestão de risco laboral, cujo traço principal é a prevenção.

Assim, cada um desses programas de gestão de risco, exemplificativos da sistemática contida nas diversas Normas Regulamentadoras, encerra itens principais, os quais representam um primeiro passo na compreensão adequada das pausas no trabalho.

(i) No que se refere ao PPRA, sublinha-se os seguintes itens:

Itens 9.1.3, 9.3.3, alínea "a", 9.6.2 e 9.3.5.4, todos da Norma Regulamentadora n. 9;

As disposições básicas e essenciais da Norma Regulamentadora n. 9 aplicam-se, em sua completude, ao Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção - PCMAT, conforme disposição expressa, contida no item 18.3.1.1, da Norma Regulamentadora n. 18.

(ii) No que se refere ao PCMSO, sublinha-se os seguintes itens:

Itens 7.2.2, 7.2.3 e 7.2.4, todos da Norma Regulamentadora n. 7.

Neste ponto, interessantes são os apontamentos de Luiz Antonio Rabelo Rocha, que assim aduz151:

Para a elaboração/construção do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional em qualquer empresa, é necessário que tenhamos alguns dados que são essenciais para a concretização do pretendido programa: o conhecimento detalhado da população trabalhadora que será alvo de suas ações, a avaliação mais aprofundada dos riscos ocupacionais envolvi-

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dos nas atividades desenvolvidas por aqueles trabalhadores, tudo isso após visita técnica do médico aos locais de trabalho para verificação in loco das diversas tarefas, do fluxograma de produção ou da organização do trabalho, do clima...

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