Avaliar o dano

AutorRubens Cenci Motta
Ocupação do AutorMédico - Especialista pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego
Páginas139-151

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A avaliação de Danos Patrimoniais (físicos e mentais) faz parte da atividade do Perito Médico e, para tal, deve seguir bases científicas, e não empíricas.

Avaliar dano pelos Baremas Internacionais55, segundo Borobia56 (2006), é o procedimento adequado. Este advogado conceitualmente define o baremo, no âmbito da medicina-legal e da valoração do dano corporal, como uma relação de enfermidades ou de sequelas, à qual se assinala um valor - expressado em porcentagem ou em pontos - que representa uma perda funcional ou um valor econômico.

Embora útil e necessária, a consulta aos baremas não substitui, jamais, o método descritivo nem a função do Perito Médico, que fará a descrição da lesão e sua incidência sobre a funcionalidade da pessoa e sobre os atos da vida cotidiana, como apuração indispensável. O Baremo nada mais é que um instrumento que serve de ajuda ao Perito Médico, puramente indicativo, face ao qual deve adotar uma atitude crítica!

O Perito Médico deve, também, ao avaliar o dano, quando o prejuízo causado é suscetível de apreciação pecuniária, no caso à pessoa, limitar-se aos aspectos físicos e mentais, considerando sobre Capacidade Laborativa e Reabilitação Profissional. É certo que além do patrimônio, seu corpo (avaliação do Perito Médico), o indivíduo tem como seu patrimônio a sua moral - podendo advir dano moral57, contudo, esta valoração é de avaliação exclusiva do Magistrado.

Em nosso meio é muito utilizada a Tabela da SUSEP - Baremo SUSEP, porém, como não é tabela médica e não tem valor científico, não é recomendável sua utilização pelos experts médicos, pois avalia apenas a porcentagem da importância segurada - porcentagem indenizatória pecuniária de um sinistro, todavia é fático e devemos reconhecer que sua utilização é feita em "larga escala". Cabe-nos alterar usos e costumes indevidos para valorizar a perícia médica como ciência. Como não é tabela técnica, se presta para uso de leigos, e, assim, o juiz pode utilizá-la a seu próprio critério de convencimento e convicção, todavia o médico dispõe de outras tabelas cientificamente elaboradas.

A valoração do dano corporal é, habitualmente, uma tarefa complexa, consequência da multiplicidade de elementos que integram o ser humano e dano físico ou mental propriamente ditos, como também do potencial laboral, que são susceptíveis de apreciação médica. Acrescenta-se o fato de que a Medicina não é uma ciência exata e que uma mesma situação pode ter significados e repercussões diferentes em dois indivíduos distintos.

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A finalidade desta estimativa numérica é a reparação dos prejuízos não econômicos (dano físico ou mental ou laboral), considerando ainda a cultura e os costumes regionais distintos para que ocorra uma adequada harmonização, fazendo com que as noções sejam aceitas por todos, envolvendo parecer técnico e persuasão racional do juiz ou do designador da perícia.

Consequentemente, é conveniente que se apliquem critérios uniformes a todos os casos; sem raciocínio, exame clínico apurado ou estudo documental, nada se obterá.

Ainda que restem críticas, os baremas, associados à aplicação da Clínica Médica - junto aos conceitos da especialidade Medicina Legal e Perícias Médicas, Medicina do Trabalho e do Direito Médico -, são adequados e válidos como instrumento essencial para auxiliar na valoração dos danos pessoais.

Relembrando: - No estabelecimento da ligação do dano ao fato-nexo, devemos sempre ponderar pela miscelânea abaixo apresentada, obtida, com mais ênfase, pelos critérios epidemiológicos de Hill58:

  1. Se a natureza da exposição foi clara e identificável;

  2. Quanto à especificidade da relação causal e força da associação causal como fator desencadeante e de agravo;

  3. Informação e consentimento;

  4. Procedimentos de segurança;

  5. Omissão;

  6. Coerência entre a idade da lesão e a ocorrência dos fatos;

  7. Grau e intensidade compatível com a produção ou agravo;

  8. Dados do Prontuário Médico verossimilhantes ao que se alega;

  9. Preexistência e danos anteriores;

  10. Foi causa necessária, contributiva, ou necessária de agravo;

  11. Se havia possibilidade de fazer de outra forma;

  12. Se há aspectos epidemiológicos positivos;

  13. Sinais de tolerância a procedimentos reconhecidamente de exposição a risco;

  14. Ocorrência de ação concorrente.

Ainda:

· Sempre considerar se houve Fator Humano - Fato da Vítima;

· Sempre considerar sobre Condição e/ou Situação Insegura.

11.1. Aplicação de variadas doutrinas e sua utilização pelo perito médico

A interação metodológica de avaliação entre as doenças ou limitações, objetivadas a partir de uma lesão anatômica evidente ou de um transtorno funcional medido e/ou uma alteração psíquica constatada, é a base da avaliação pericial médica, porém, deve ser ponderada no contexto social do indivíduo, quer seja exclusivamente no âmbito laboral ou genericamente em todos os campos de relação da sua existência.

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A partir dessa base, podemos entender que é necessário o direcionamento do exame clínico para a obtenção de dados anamnésticos, que embora sigam o padrão consagrado da semiologia médica, por meio da obtenção dos dados pessoais, queixa, história etc., devem, no exame físico, se associar a parâmetros de capacidades máximas e mínimas do padrão fisiológico - tabelas da normalidade, visando a ponderação das atividades que realizava, ou realiza etc.

Para análise dos valores obtidos, se justificam algumas considerações:

  1. Os sintomas alegados, sem que se evidenciem em sinais físicos e/ou psíquicos que possam ser verificados durante o exame clínico, mesmo que obtidos através da história clínica ou nos resultados de exames complementares, devem ser consignados, porém, não devem ser considerados como quantificáveis na avaliação final. Portanto, o real impedimento somente existirá se puder ser demonstrado de forma anatômica, fisiológica ou psicológica. Anormalidades somente poderão ser "valoradas" se acompanhadas de sinais, pois, se não repercutem minimamente no aspecto clínico, é porque não há, de fato, lesão (física ou mental) significativa, e objetivamente, não repercutirá, nem minimamente, como dano ou déficit, inclusive social, mensurável. O mesmo raciocínio deverá ser aplicado e considerado quanto aos resultados de exames, apesar dos sintomas que o indivíduo avaliado referir. Assim, por definição, as patologias que somente se manifestam com sintomas e alterações de exames, sem sinais clínicos, não serão tecnicamente determinantes de incapacidades que justifiquem impedimentos, especialmente os laborais, por não haver lesão significativa, visto que não repercute com dano ou déficit objetivos, exceto se for para ação preventiva - prevenção de agravos.

  2. A história clínica deverá conter a maior quantidade de detalhes úteis possíveis, em especial aqueles relacionados aos órgãos e sistemas diretamente relacionados com as queixas apresentadas.

  3. Deverá ser dada ênfase especial aos dados anotados nas fichas médicas apresentadas, onde constam os primeiros procedimentos realizados, ou seja, avaliar de forma detalhada os dados contidos nos prontuários médicos, dos diversos médicos assistentes deste indivíduo, se possível incluindo as avaliações realizadas nos consultórios e clínicas privadas, nos dados dos cadastros do sistema público de saúde, nos dados dos prontuários hospitalares, nos dados dos prontuários médicos ocupacionais etc., sempre verificando os tratamentos médico-cirúrgicos realizados, a evolução com os sinais físicos e psíquicos anotados, e as respostas às terapêuticas instituídas, às diversas terapias realizadas, tais como fisioterapia, terapia ocupacional etc. Deve-se também verificar as adaptações propostas, participação em programas de readaptação e/ou reabilitação etc. Contudo, o perito não deve ficar adstrito ao que se observou nestes dados.

Nota: é muito importante considerar que durante a vigência de processos clínicos agudos não se deve avaliar as capacidades ou incapacidades como definitivas. Devemos considerá-las como condição de pré-estabilização, conferindo parecer provisório, já com determinação do período necessário para a realização da nova avaliação. Esses prazos são variáveis, e mesmo diante de lesões maiores, não devem ser superiores a 60 (sessenta) dias, e mesmo que na evolução se evidenciem descobertas clínicas com repercussão funcional, ainda que não correspondam diretamente ao órgão ou sistema motivador da avaliação, estas devem ser consideradas, entretanto, não valoradas.

As patologias detectadas, que não tenham caráter constante, serão consignadas nos relatórios, porém não devem ser motivo de avaliações de quantificação no aspecto da capacidade e/ou incapacidade, salvo se desta indicação restarem apenas considerações a respeito da indicação, para programas específicos de reabilitação laboral, ou para designação de ações de prevenção - adaptação, trabalho restrito etc.

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Os exames complementares, de laboratório, diagnósticos por imagens, eletrofisiológicos, testes psicológicos e outros serão considerados em seus resultados se estiverem diretamente relacionados com o momento de evolução das doenças. Serão aceitos com prévia comprovação de que realmente pertencem ao avaliado, que constam dos prontuários, que demonstram boa qualidade global na técnica de realização, se foram efetuados em serviços idôneos e se estão devidamente assinados pelos especialistas indicados, contudo deve-se ponderar sobre a repercussão física ou mental para efeitos de valoração.

Ressalta-se que dados clínicos (relatórios...

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