Prefácio/Introdução da 7ª edição

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas29-34

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1. Todos os neos são sempre suspeitos em matéria social ou histórica à maneira de café requentado ou salvos de incêndios. Os fatos históricos ou os tipos historicamente situados não se repetem jamais, esgotam-se com o tempo, após desempenharem o seu papel ao longo da sucessão humana. Aplicam-se a eles os versos de Virgny: "Ama-me, porque tu não me verás duas vezes". Assim, o novo regime que surge não é mais o mesmo que passou e se tornou irrecuperável em suas características essenciais. Suas notas se alteraram, mantiveram-se algumas e surgiram outras ditadas pelas próprias necessidades sociais, para a própria continuidade histórica.

O liberalismo clássico, surgido ao longo do século XVIII, alimentado filosoficamente pelo Iluminismo e finalmente vitorioso na Revolução Francesa de 1789, limitava sobremaneira os poderes do Estado e pregava a plena autonomia do indivíduo, reduzindo a sociedade à mera onda de poeira, proibindo organismos coletivos organizados, sociedades parciais, entre os indivíduos e o Estado. Na economia, com Adam Smith, os fisiocratas em geral e Bastiat, admitia-se a lei da oferta e da procura, a livre concorrência no mercado, como os padrões únicos - ou normais - dos preços e salários. Invocava-se a doutrina de Leibniz da "harmonia preestabelecida" pelos próprios fatores de produção e consumo sem necessidade de qualquer regulamentação externa. O liberalismo econômico refletia-se com perfeição no liberalismo político, com a vitória, pouco mais tarde, do sufrágio universal. Era o triunfo da democracia liberal, que, como é notório, fazia predominar a ideia de liberdade sobre a de igualdade, considerando somente a vontade geral dos indivíduos abstratamente considerados. Não os considerava in concreto, nas suas vidas reais, situados em suas condições sociais e econômicas.

Foi exatamente por admiti-los concretamente, em suas desigualdades econômicas, em suas posições no mercado, que surgiu o direito do trabalho, matizando aquela liberdade individual abstrata com algumas medidas que possibilitassem um relativo equilíbrio de forças. Como havia exagero na primitiva regulamentação do mundo do trabalho unicamente por ato e decisão do detentor do capital, houve igualmente certo exagero no regulamentarismo estatal, anulando a vontade das duas partes em confronto, capital e trabalho. Prega-se agora, com muito entusiasmo, de boa ou má-fé, a volta ao antigo regime liberal, apelidado de neoliberal. Como ficou escrito inicialmente, a história não se repete e não podem ser apagadas as conquistas sociais dos últimos 200 anos. O próprio capitalismo mata a concorrência, criando fortes e unitárias organizações econômico-financeiras, sob a forma de cartéis, de oligopólios, de monopólios. Na conhecida fórmula de Joan Robinson, torna-se imperfeita a concorrência, quando não totalmente morta. Desapareceu a elegante luta de boxe entre pequenas empresas do começo do século XIX, nas palavras de Truchy. Ao contrário da pregação de Marx (1848), não foram os trabalhadores de todo o mundo que se uniram; foram as multinacionais que deixaram de ter pátria para serem universais. Assim, ainda que sem mudança do regime capitalista vigente, sem desaparecimento da propriedade privada, sem socialização dos meios de produção, o novo liberalismo será social ou não será.

2. O que se diz e o que se prega hoje - como alguém que chegou a apregoar o fim da história... - não constitui novidade nenhuma. Representa a marcha natural da própria história. No Brasil, particularmente, chegou-se a um exagero de estatização, de intervenção estatal, de paternalismo, de substituição

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da vontade dos particulares pela vontade única, todo-poderosa, do Estado. No campo do direito do trabalho, até há bem pouco tempo (1978), não se permitia que empregadores e empregados pudessem dizer, como nos casamentos: "enfim, sós!". Mas, com isso, não se anula nem se apaga todo o mundo circundante, todas as condições que permitiram chegar a esse momento de independência e autonomia. O "enfim, sós!" não surgiu ab ovo, sem todo um passado histórico preparatório e coadjuvante, cuja sombra se projeta no presente, como conquista indispensável. A criança que aprendeu a andar e a falar incorporou em si cada marco no caminho da sua vida própria, mas o desenvolvimento de todas as crianças não é idêntico, umas tornam-se fortes, outras permanecem ou ainda são fracas. Daí a necessidade de um mínimo universal de garantias sociais, válidas para todos, sob a forma de um contrato mínimo de trabalho.

Vamos nos limitar, agora, a transcrever trechos de escritos nossos desses últimos 20 anos, no sentido do que acima deixamos dito, a favor da autorregulação, da autonegociação entre empregados e empregadores, do "enfim, sós!", afinal de contas.

Em Evolução do Direito das Convenções Coletivas no Brasil (in: Temas Atuais de Trabalho e Previdência. São Paulo: LTr, 1976. p. 115 e ss.):

Pois bem, como aconteceu na história social dos povos mais industrializados, surgiram as convenções coletivas no Direito brasileiro de acordos espontâneos celebrados entre empregados e empregadores, entre coletividades operárias e patronais, para pôr...

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