Conceito de Direito do Trabalho

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas46-52

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1. Conceito de direito - A norma jurídica, de natureza pragmática e objetiva, nada mais é do que um comando destinado à composição dos conflitos de interesses que ocorrem no meio social. Mister se faz, no entanto, para legitimidade desse comando, que ele venha revestido de alguns requisitos indispensáveis, quanto à capacidade, à forma e à causa. É preciso que o comando emane de determinadas pessoas, revista-se de certa forma e tenha em vista particulares conflitos de interesses.1

Comando geral, abstrato, não se dirige a esta ou àquela pessoa singular, abrange todas as pessoas ou situações que se apresentem sob a mesma hipótese configurada na norma. A regra jurídica é, ou deve ser, sempre universal, para que não seja arbitrária, ante a infinita variedade de casos concretos que possam surgir na sociedade por ela regulada.

Informada ao mesmo tempo por dois valores que se completam, busca a segurança das relações jurídicas, mas não sufoca as reivindicações de uma nova ordem de equilíbrio social, segundo um sentido crítico de justiça. Em todas as épocas, inclusive nas ditatoriais de sufocação das liberdades, há sempre alguns valores éticos que o ordenamento pretende ou procura realizar. Já dizia Cícero no De Legibus: "Não é nem no edito do pretor, como muitos o fazem hoje, nem nas Doze Tábuas, como o faziam os nossos anti-gos, mas nas fontes mais profundas da filosofia que é preciso fundar a verdadeira ciência do direito".2

Não bastam, porém, essa universalidade e essa informação valorativa, se não vem a norma jurídica distinguida das outras normas gerais de conduta social. Necessário se faz que o direito seja positivo, munido de sanção institucionalizada, e tenha como objeto de sua aplicação somente as ações exteriores dos homens. Em suma, o direito é uma norma de conduta social, de indispensável coexistência humana (viver é conviver), universal, positiva, exterior, emanada de autoridade legítima, tendo em vista a composição dos conflitos de interesses segundo certos ideais ou valores de segurança e de justiça, munida de sanção institucionalizada. O mandamento jurídico, já o notou Kelsen, exprime um juízo hipotético, que constitui a condição em que se praticará o ato coativo. Toda proposição jurídica positiva compõe-se de duas partes inseparáveis, determinando a primeira os dados condicionais e a segunda munindo-se de sanção, para o seu fiel cumprimento e a obediência dos indivíduos.3

2. E o direito do trabalho - Tudo isso que ficou dito sobre direito em geral aplica-se, sem deixar res-

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to, ao direito do trabalho. Apresentam-se nele todas aquelas características da noção de norma jurídica. Em qualquer de suas manifestações, é sempre um comando universal de conduta, positivo, exterior, dotado de sanção necessária para os que se insurgem contra os seus preceitos. Como direito especial, tem em vista objetivo especial: a composição dos conflitos de interesses do trabalho. E talvez em nenhum outro ramo do direito se manifeste tão ao vivo, cruentemente ao vivo, a luta entre os dois ideais valorativos do ordenamento jurídico: a segurança e a justiça. Se o primeiro se inclina pela manutenção do status quo, o segundo força a mudança estrutural e qualitativa da sociedade, empurrando-a para novas formas de organização. Por isso mesmo, em nenhum outro campo jurídico se encontra tão dramática e intensa essa sede de justiça distributiva como no direito do trabalho.

Inúmeras são as possíveis definições deste ramo da ciência jurídica. Variam elas com a concepção filosófica ou a orientação político-social de cada autor, além da própria oscilação doutrinária do seu verdadeiro conteúdo. Quem conceitua, delimita, marca contornos, lança fronteiras, preenchendo os dois requisitos essenciais de uma boa definição, segundo os cânones clássicos da lógica formal: caracterizando bem o gênero próximo e a diferença específica do que se quer definir.

3. Critérios de classificação das definições - Critério adotado - Na 1ª edição, de 1956, alinhávamos vários critérios de classificação para as diversas maneiras de se conceituar o direito do trabalho, o que nos dispensamos de fazer agora, dada a índole elementar desta obra. Observávamos, citando Ernst Mayer, que é fundamentalmente falsa a opinião de que para cada conceito somente possa haver uma definição justa. Pelo contrário, um conceito integrado em várias investigações tem de ser definido de maneira vária, de acordo com as tarefas para cuja solução deva contribuir. O conceito de Estado, por exemplo, não pertence unicamente ao direito constitucional, já que pode ser integrado em uma série de investigações econômicas, sociológicas ou filosófico-culturais, e em cada caso poderá ser construída uma definição válida, diferente.4

À maneira dos comercialistas - que tiveram de tratar de matéria em tudo análoga à nossa, partindo de um direito profissional, estatutário, subjetivo, do comerciante, para uma conceituação mais ampla, objetiva, dos atos de comércio -, assim também procederemos nós. Só que o faremos às avessas, segundo a ordem histórica de reivindicação social. Seja qual for a conceituação que se ofereça do direito do trabalho, poderá ela ser incluída em uma dessas três categorias de definições: a) objetivista, que leva em conta a relação jurídica que se forma, como matéria abstrata e objetiva típica, independente das pessoas que a realizam momentaneamente; b) subjetivista, que tem em consideração a qualidade dos sujeitos que tomam parte na operação, emprestando-lhes um status iuris permanente; c) mista, que combina os dois pontos de vista anteriores.

4. Critérios objetivistas - Dentro desta corrente de opinião poderiam ser rapidamente lembradas certas definições, nas quais o direito do trabalho vem conceituado como o conjunto das condições necessárias à existência e à organização do trabalho; como o direito da produção e do capital, disciplinador das atividades que se referem ao incremento dos meios morais e materiais da nação. São definições gerais, sem maiores aprofundamentos nem da compreensão nem da extensão do termo que se quer analisar. Fixam-se em problemas indeterminados, apontam finalidades extrajurídicas para o direito do trabalho: econômicas, éticas, políticas, e assim por diante. Devem, pois, ser desde logo abandonadas como imprestáveis, embora denunciem alguma coisa válida como nota característica do direito do trabalho.5

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Muito mais precisas são as definições objetivistas que colocam o contrato ou a relação de emprego no centro mesmo do seu enunciado. Nelas vem a relação jurídica disposta como objeto do direito do trabalho. Seguida pelos autores de fala italiana, quer durante, quer depois do regime fascista. Seguem alguns exemplos, tomados ao acaso. Em ensaio publicado em 1927, escrevia Asquini que o direito do trabalho é "o complexo de normas que regulam o trabalho prestado, em virtude de um contrato, na dependência de uma empresa privada". Outro não é o pensamento de La Loggia: "O direito do trabalho é aquela parte do direito que tem por objeto as relações de trabalho subordinado". Riva Sanseverino é da mesma opinião. E Pergolesi, de maneira elegante e breve, declara que "o direito do trabalho é o ramo do ordenamento jurídico que regula as relações oriundas da prestação contratual retribuída em uma empresa privada".

Vamos encontrar esse mesmo pensamento objetivista na península italiana, em Pierro e Ardau, entre outros. Fora dela, em épocas diversas, em Abraham e Noé Rothwein, Sophy Sanger, Capitant e Cuche, Galli Pujato, J. Pozzo, Unsain, Rodrigues Ventura; e mais recentemente Garcia, Caldera, Deveali, ainda com o esquema clássico da Itália, esse último. Entre nós, indicam-se Cesarino Júnior, Paulino Jaques, Orlando Gomes, Elson Gottschalk, Délio Maranhão e Regis Teixeira. O saudoso catedrático paulista voltará a ser incluído em outra chave, quando se refere ao direito social; mas cabe perfeitamente nesta ao definir o direito do trabalho, para ele, parte integrante daquele, como o conjunto de leis que consideram individual-mente o empregado e o empregador, unidos numa relação contratual.6

Possuem parte da verdade essas definições objetivistas, já que tomam como ponto de referência, como objeto da disciplina, a relação jurídica que se forma entre as pessoas que exercem certa atividade em proveito de outrem e sob suas ordens (dependência ou subordinação). Com isso se particulariza a natureza da relação jurídica, tornando explícita a diferença específica em presença das outras relações jurídicas. Nós, que admitimos uma definição mista, só as criticamos como insuficientes ou incompletas, mas nunca como errôneas ou falsas. No estado atual da sociedade, nada mais representa essa relação...

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