Relações do Direito do Trabalho com o Direito Constitucional

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas113-126

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1. Justificação do capítulo - A relação do Direito do Trabalho com o Direito Constitucional vem de longa data, especialmente quando entra em vigor na Alemanha a Constituição de Weimar, em 1919, com um capítulo próprio de direito social. Essa Constituição democrática foi assinada em 11.8.1919 e governou a Alemanha até 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder. Após a Segunda Guerra Mundial, com as promulgações das Constituições italiana e alemã, em 1948 e 1949, respectivamente, ganham força na doutrina as teorias dos direitos fundamentais e da força normativa da constituição. Com o fim do fascismo em Portugal e na Espanha, esses países adotaram o mesmo caminho, com as promulgações das respectivas constituições em 1974 e 1978.

O mesmo ocorre com o nosso país; com o fim da longa noite do obscurantismo ditatorial, foi promulgada a Constituição de 1988, um texto principiológico, tendo sido o direito ao trabalho incluído como um direito fundamental no art. 6º. Assim, para um estudo mais detalhado do tema, é necessário que seja criado um capítulo especial neste livro, destacando-o daquele elaborado nas edições anteriores denominado "Relações do Direito do Trabalho com os outros Ramos da Ciência Jurídica".1

2. O neoconstitucionalismo - Luís Roberto Barroso intitulou um artigo seu de "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito" (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil)2, demonstrando como chegamos atrasados à nova Teoria do Direito, que reconhecia a força normativa à constituição. Barroso comenta que "o marco histórico do novo Direito Constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar".3

A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição brasileira passou a desfrutar não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do País e no discurso dos operadores jurídicos.4

Nos dias atuais, comenta Francisco J. Laporta,5

"casi todas las constituciones actuales suelen tener al menos dos rasgos característicos: son en premer

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lugar vehículo de normas que acuerdan ciertas limitaciones a la agenda de los poderes legislativos,6 y son en segundo lugar documentos dotados de un grado mayor o menor de rigidez. En virtud de estos rasgos necesariamente se superponen a los órganos legislativos sin que estos puedan incluir sin dificultad en sus deliberaciones y decisiones los temas acotados por dichas normas. En esto consiste la llamada ‘primacía’ de la Constitución".

Sob esse aspecto, Böckenförde chama a atenção de que "há apenas duas possibilidades: decidir-se por direitos fundamentais como princípios e, com isso, por um Estado judiciário, ou decidir-se pela limitação dos direitos fundamentais à sua clássica função como direitos de defesa e, com isso, por um Estado legislativo parlamentar".7 Aprofundando o estudo, Alexy comenta que "aquilo que as normas de uma constituição nem obrigam nem proíbem é abarcado pela discricionariedade estrutural do legislador. A discricionariedade estrutural é muito menos problemática que a epistêmica. Não é necessário fundamentar que o legislador é livre se a constituição não o obriga a nada. Já não tão óbvio é fundamentar que ele é livre porque há dificuldades em se identificar se ele é livre".8

A discricionariedade epistêmica surge, de acordo com Alexy, "quando é incerta a cognição daquilo que não é obrigatório, proibido ou facultado em virtude dos direitos fundamentais. A insegurança pode ter suas causas na insegurança das premissas empíricas ou normativas".9 Constata-se, assim, que o tribunal constitucional, cumprindo a sua função de julgar, "é obrigado a decidir, isto é, a traçar a linha entre o ‘direito’ e o ‘não direito’, isto é, entre o ‘direito’ e a ‘justiça’. Essa forma de ‘determinação do poder pelo juiz’ ocorre nos casos constitucionais difíceis (hard cases) ou nos casos em que o legislador político democrático não interveio, designadamente por não lhe ter sido possível prever essa necessidade ou contingência de regulamentação jurídica".10

Queiroz prossegue comentando que "é, pois, destas considerações que se deverá colocar a questão não apenas dos ‘efeitos recíprocos’ entre os poderes legislativo e judicial, mas também o problema do ‘activismo’ ou ‘não activismo’ judicial. No limite, uma questão valorativa e de interpretação dos respectivos estatutos político-constitucionais. A este propósito, é usual afirmar-se não competir ao juiz, e particularmente ao juiz constitucional, substituir-se ao legislador como gestor de uma política econômica e social diferentemente acordada no quadro dos órgãos politicamente conformadores".11

Mas, como o próprio Alexy recorda, das "consideraciones de Aristóteles sobre la exactitud en política. Así leemos en la Ética de Nicómaco que no podemos ‘buscar el rigor del mismo modo en todas las cuestiones, sino en cada una según la materia’. Esta consideración de más de 2.300 años puede completarse por medio de una observación del Tribunal Constitucional Federal del año de 1991. Dice así:

La interpretación, singularmente la del Derecho constitucional, presenta el carácter de un discurso en el que no se ofrece, ni siquiera con una labor metodológicamente impecable, nada absolutamente correcto bajo declaraciones técnicas incuestionables, sino razones hechas valer a las que le son opuestas otras razones para que finalmente las mejores hayan de inclinar la balanza [BverfGE 82,30 (38 s.)]."12

No entanto, a fim de evitar confusão com vista à aplicação clássica e automática do princípio de legalidade, conforme escrita no art. 5º, inciso II, da Constituição brasileira de 1988 (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), aponta Carlos Roberto Siqueira Castro que "algumas Cartas Políticas da atualidade adotam regras limitadoras do poder de regulamentação (seja por via legislativa ou executiva) dos direitos humanos

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sublimados na Constituição".13 Prosseguindo, o professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Curso de Pós-Graduação em Direito da PUC-RJ apresenta os seguintes exemplos:

  1. Constituição da Alemanha de 1949, art. 19: Na medida em que, segundo esta Lei Fundamental, um direito fundamental pode ser restringido por lei ou com base numa lei, essa lei tem de ser genérica e não limitada a um caso particular. Além disso, a lei terá de citar o direito fundamental em questão, indicando o artigo correspondente.

  2. Constituição portuguesa de 1976, com redação atualizada pela Lei Constitucional n. 1, de 1982, art. 18: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições se limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

  3. Constituição da Espanha de 1978, art. 53, item 1: Los derechos y libertades reconocidos en el Capítulo segundo del presente Título vinculan a todos los poderes públicos. Solo por ley, que en todo caso deberá respetar su contenido esencial, podrá regularse el ejercicio de tales derechos y libertades, que se tutelarán de acuerdo con lo previsto en el artículo 161, 1, "a".

    No direito positivo brasileiro, a Emenda Constitucional n. 3, de 1993, criou o § 1º, do art. 102 da Constituição Federal, estabelecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar a arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente do texto constitucional. Mais de seis anos após, foi sancionada a Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da constituição federal.

    O objeto dessa ação, que poderá ser proposta pelos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade,14 será evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. O parágrafo único do art. 1º, da citada lei, estabelece que também cabe arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

    O inciso II do parágrafo único do art. , da citada lei, foi vetado, e tinha a seguinte redação: "II - em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art. 59 da Constituição Federal".15

    Esse diploma legal é elogiado por Celso Ribeiro Bastos e por Alexis Galiás de Souza Vargas, por

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    ter criado "uma forma inovadora na fiscalização da constitucionalidade. Entre as novidades, destaca-se a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal, que antes só era possível pela via difusa. Além disso, fica criado, também, o controle de constitucionalidade de atos não normativos, bem como de atos anteriores à Constituição. Em que pese o alargamento do espectro dos atos atingidos pelo controle, as hipóteses de sua utilização restringem-se drasticamente, em relação aos demais instrumentos. Isso porque, ao contrário do que ocorreu nas outras formas de...

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