Sujeitos do Contrato de Trabalho - O Empregador

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas208-220

Page 208

1. Empregador e empregado, sujeitos do contrato - Terminologia - No atual direito do trabalho desapareceu aquela primitiva imprecisão terminológica a respeito dos sujeitos do contrato de trabalho. São eles: empregador e empregado. Sendo esse contrato sinalagmático perfeito, ao direito de um corresponde a obrigação do outro. São credores e devedores entre si, ao mesmo tempo. Se o empregador é credor de prestação de serviços por parte do empregado, este o é, por sua vez, da contraprestação salarial. Devedor é o empregador de salário, e devedor também é o empregado de trabalho.

São essas as duas denominações mais gerais e mais perfeitas, seja qual for a espécie ou a modalidade de contrato. A relação que se estabelece, de trabalho subordinado, é relação de emprego. Há ainda certas sobrevivências populares, sem a segurança e a certeza da terminologia técnica. Patrão, oriunda do século XIX, é de uso corrente como sinônimo de empregador; como o é igualmente principal, muito comum na doutrina e na legislação italianas. A doutrina e a legislação alemãs preferem Arbeitgeber (dador de trabalho), adotada também, como barbarismo, por alguns autores italianos.1

2. Conceito de empregador - No art. 3º do nosso Projeto do Código de Trabalho, assim definimos o que seja empregador: "Empregador é a pessoa natural ou jurídica que utiliza serviços de outrem em virtude de um contrato de trabalho". Para a análise desse conceito, remetemos o leitor ao estudo que fizemos no § 3º do Capítulo XIV, sobre o contrato de trabalho.

De qualquer modo, sumariamente, vemos que, dentro da melhor técnica jurídica, somente uma pessoa natural ou jurídica pode revestir-se da qualidade de empregador, sujeito de direitos e obrigações. Pode ser um simples indivíduo, uma firma individual, uma firma societária ou coletiva, uma instituição ou fundação de qualquer espécie, com ou sem finali-dade econômica. Quisemos com isso acabar com a ambiguidade e as confusões do art. 2º da CLT, que coloca a empresa como empregador, atribuindo-lhe qualidades subjetivas de titularidade de direitos e obrigações, quando empresa é objeto de direito, e não sujeito de direito. Ela é da propriedade ou da titularidade de uma pessoa natural ou jurídica, nada mais. Esta é que é, a rigor, sujeito de direito.

Ao nos referirmos à utilização dos serviços de outrem em virtude de um contrato de trabalho, tornando

Page 209

explícita e precisa a relação jurídica que se estabelece entre o empregador e aquele que lhe vai prestar serviços (outrem, pessoa natural ou física, sem que proceda a censura de algum autor nacional). Contrato de trabalho, como o fizemos neste livro (item 3, Cap. XIV), vem definido no art. 521 do Projeto: "Contrato Individual de trabalho é o acordo, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa natural se compromete a prestar serviços não eventuais a outra pessoa natural ou jurídica, sob a sua subordinação jurídica e mediante salário". Quem recebe e se beneficia com essa prestação de serviços não eventuais, dirigindo e fiscalizando a pessoa natural que os presta, pagando-lhe o salário, é o empregador, para todos os efeitos da legislação do trabalho.

Alguns autores alemães preferem o caminho da descrição e da tautologia. Zöllner, por exemplo, escreveu recentemente: "Dador de trabalho é aquele que, pelo menos, ocupa um tomador de trabalho (Arbeitnehmer). O dador de trabalho dá ao tomador de trabalho oportunidade de trabalho; dele recebe o tomador de trabalho as tarefas a realizar. O dador de trabalho pode também ser uma pessoa jurídi- ca".2 (Traduzimos as expressões ao pé da letra, de propósito, apesar dos barbarismos em vernáculo.)

No direito positivo brasileiro, existem outras definições para empregador, como, p. ex., nas legislações que regulam o trabalho rural e o FGTS, in verbis:

Lei n. 5.889/1973 - art. 3º:

Considera-se empregador rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.

Lei n. 8.036/1990 - art. 15, § 1º:

Entende-se por empregador a pessoa física ou jurídica de direito privado ou direito público, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão de obra, independente da responsabilidade solidária a que eventualmente venha obrigar-se.

3. Empresa - Modernamente, realiza-se o trabalho na quase totalidade dos casos no seio da empresa, daí a importância primordial que assumiu essa figura econômica e social no mundo do direito do trabalho. Já vimos a chamada à autoria que lhe faz o art. 2º da CLT, que a coloca como o verdadeiro empregador, autêntico sujeito de direito. Organismo central de produção econômica nas sociedades industriais, a empresa assume papel de relevância na sociologia, na economia, no direito comercial, no financeiro (fiscal) e igualmente no direito do trabalho. A bibliografia sobre a matéria é praticamente infinita, e a ela já dedicamos dois grossos volumes, nossa dissertação para o provimento de cátedra em Faculdade de Direito.3

Conceito oriundo da sociologia e da economia, ainda hoje é difícil dar-se uma noção jurídica unitária do que seja empresa. É o pensamento de Garrigues, coincidente, em parte, com o de Barassi, que prefere deixar mais tal noção para a economia do que propriamente para o direito.4 A verdade é que, depois de ingressar no campo do direito comercial, sob a forma de patrimônio comercial, como uma universalidade de bens, alcançou tal conceito o campo jurídico do trabalho, dando maior ênfase à universalidade de pessoas, sem esquecer, é claro, a de coisas e de bens. Mas é o aspecto propriamente organizacional pelo empresário dos serviços alheios que vem mais destacado no direito do trabalho.

Tornou-se clássica a conceituação de Jacobi, no direito alemão, como "a reunião de meios pessoais, materiais e imateriais para um escopo, visado por um sujeito (ou por vários sujeitos em conjunto), a fim de satisfazer determinadas necessidades". Mais modernamente, Hueck e Nipperdey definem a empresa como "um conjunto organizado de atividades, dirigido para um fim econômico ou ideal, ao qual servem um ou vários estabelecimentos organizadamente vinculados entre si". O Código Civil italiano de 1942 não proporciona propriamente um conceito de empresa, como o vai fazer quanto a estabelecimento, prefere dispor no art. 2.082: "É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com finalidade de produção ou troca de bens ou de serviços".5

Page 210

Para o direito positivo do trabalho brasileiro é imprestável a definição de Hueck-Nipperdey, por isso que, no art. 2º da CLT, alude-se à assunção dos riscos da atividade econômica; logo aí está presente o espírito ou a finalidade de lucro, excluindo assim aquele escopo ideal dos tratadistas alemães. Veremos adiante que, por isso mesmo, vai a lei brasileira incluir o § 1º ao art. 2º, abrangendo as instituições sem fins lucrativos.

Do conceito doutrinário de empresa, ressaltam os seguintes elementos: a) trata-se de atividade de uma pessoa natural ou jurídica, que é o empresário;

  1. essa pessoa reúne pessoas e os bens materiais e imateriais para a consecução do seu objetivo; c) nada impede que a empresa e o empresário se confundam, sem trabalho alheio (o que não interessa ao direito do trabalho); d) o escopo desejado é a satisfação de necessidades econômicas, isto é, a finalidade é econômica; e) uma empresa pode dispor de um só estabelecimento, com o qual se confunde material-mente, ou de mais de um.

    Enquanto empresário é definido no art. 966 do Código Civil como sendo "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços". Para deixar ainda mais claro, o parágrafo único do citado artigo excetua da condição de empresário "quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

    Por sua vez, o art. 2º da CLT estabelece que: "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços". Logo, em direito positivo brasileiro (esquecendo momentaneamente a sua subjetivação), empresa é a organização do trabalho alheio; sob o regime de subordinação hierárquica, tendo em vista a produção de determinado bem econômico ou de prestação de serviço. Daí o espírito de lucro e a menção do risco. A maior ou menor complexidade da organização não a desnatura, sejam quais forem o volume e a importância do conjunto de coisas e pessoas, de bens materiais ou imateriais, necessários à sua consecução, ao pleno êxito dos seus propósitos. O que importa sempre é essa diferenciação social mínima, entre direção e execução, com o objetivo de produzir para o mercado, por isso vem ela distinguida, na própria sistemática da Consolidação, das instituições não lucrativas, dos profissionais liberais e do trabalho doméstico (art. 2º, §§ 1º e 7º, letra a).

    Com Paul Durand, nunca é demais lembrar que "o estabelecimento e a empresa formam, no direito moderno, os quadros elementares da vida do trabalho, e a organização social da profissão nada mais faz do que aí se superpor".6

    4. Estabelecimento - Se o contrato de trabalho, jurídica e abstratamente, se prende à empresa como atividade global, não há como negar que, no campo especial da organização, do seu desempenho, da reunião concreta de bens e pessoas, é o estabelecimento que sobreleva. Quadro de horário, distribuição de tarefas, ambiente de higiene e segurança, conselho do pessoal, regulamento interno, tudo isso se prende...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT