Sujeitos do Contrato de Trabalho - O Empregado

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas221-233

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1. Terminologia - Como dissemos no início do capítulo anterior, empregador e empregado são os sujeitos do contrato de trabalho, pondo fim à indecisão terminológica. É errôneo, pois, chamar-se trabalhador ao empregado como se fossem juridicamente sinônimos absolutos. Trabalhador é toda pessoa que produz ou presta serviços sob qualquer regime jurídico, subordinado, autônomo ou liberal.

Segundo certas denominações tradicionais ou vulgares, sem tecnicismo algum, chama-se criado ao doméstico; caixeiro ao empregado do pequeno comércio ou entregador em domicílio de armazém; operário, ao empregado de indústria, de fábrica. No trabalho rural, a riqueza é grande: trabalhador rural, colono, camponês, lavrador, vaqueiro. Modernamente, em consequência de regulamentações profissionais ou de previdência, surgiram entre nós: industriário, comerciário, bancário, securitário, economiário, mas sem maiores significações jurídicas, quanto a sujeito do contrato de trabalho, cuja denominação certa é somente de empregado.1

2. Conceito de empregado e equidade - Tal conceito está implicitamente contido no de contrato de trabalho, pois nele entram todos os elementos e as notas características daquele, por isso mesmo remetemos o leitor à analise do item 3 do Cap. XV. Ao contrário da definição de empregador, é precisa e correta a lei nacional ao conceituar o que seja empregado, art. 3º da CLT: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

Aí estão todos os elementos para caracterização justa e exata do que seja empregado: a) pessoa física ou natural, nunca jurídica; b) prestação de serviços não eventuais; c) a outra pessoa física ou jurídica (empregador); d) sob dependência ou subordinação deste; e) mediante salário. Quem, numa prestação de serviços profissionais ou de atividades, se revestir dessas qualificações é inequivocadamente empregado daquele a quem os serviços são prestados. Tudo fica para a apreciação minuciosa de cada caso concreto em espécie.

Uma vez caracterizados os requisitos de empregado, a Constituição Federal garante a igualdade de tratamento entre todos, conforme se acha estabelecido nos incisos XXX, XXXI e XXXII do art. 7º. O primeiro proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. O segundo proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. O inciso XXXII será objeto de estudo no item seguinte.

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Quanto a proibições, mais recentemente, a Lei n. 11.644, de 11.3.2008, acrescentou à CLT o art. 442-A, estabelecendo que, "para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade".

Com relação a proteções, os incisos XX e XXVII do art. 7º da CF/88 estabelecem novas normas, prevendo o primeiro "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos na forma da lei", enquanto o segundo, "proteção em face da automação, na forma da lei".

3. Trabalho manual, técnico e intelectual - Operário e empregado - O parágrafo único deste mesmo art. 3º tem o seguinte enunciado: "Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual".

A origem legislativa desse mandamento prende-se ao art. 11 do Decreto n. 19.770, de 19.3.1931, de autoria de Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta, regulando a sindicalização: "na tecnologia jurídica do presente decreto, não há distinção entre empregados e operários, nem entre operários manuais e operários intelectuais, incluindo-se, entre estes, artistas, escritores e jornalistas que não forem comercialmente interessados em empresas teatrais e de publicidade". Daí, mais sinteticamente, passou para o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 62, de 5.6.1935: "Para os efeitos da presente lei, não se admitem distinções relativamente à espécie de emprego e à condição do trabalhador, nem entre o trabalho manual, intelectual ou técnico, e os profissionais respectivos".

Em textos constitucionais, coube à Carta de 1934 inscrever o princípio no § 2º do art. 121: "Para efeito deste artigo, não há distinção entre trabalho manual e o trabalho intelectual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos". Silenciou a de 1937, voltando o enunciado, mais amplo, no parágrafo único do art. 157 da Carta de 1946: "Não se admitirá distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual, nem entre os profissionais respectivos, no que concerne a direitos, garantias e benefícios". A Emenda n. 1, de 1969, é mais breve (art. 165, XVII): "proibição de distinção entre o trabalho manual ou intelectual ou entre os profissionais respectivos". Repetido na atual Constituição de 1988 (art. 7º, XXXII).

Entre nós, no que se refere à qualidade ou natureza do trabalho, o assunto não é relevante. Fruto da tradição continental europeia, lá se distingue entre ouvrier e employé (França, Bélgica), Arbeiter e Angestellte (Alemanha, Áustria), contratto di lavoro e contratto d’impiego privato (Itália). Tais categorias são reguladas por leis próprias, diferentes, com tratamentos, vantagens e regalias também diversos. Basta dizer que o seguro social na Alemanha, como já acontecia quando da primeira lei de 1911, se constrói na base de uma das duas categorias. Os primeiros são os chamados "colarinhos azuis", enquanto os segundos são os "colarinhos brancos" (white collars). O Chile seguiu a tradição germânica, distinguindo entre obrero e empleado particular, também com nítidas distinções de tratamento, inclusive de participação nos lucros e de seguro social.2 Quando da V Conferência Regional da OIT para os Estados Americanos (Quitandinha, abril de 1952), tivemos a honra de relatar um dos pontos da ordem do dia sobre esse tema. Nosso parecer foi aprovado, concluindo-se pelo afastamento e não extensão aos demais países americanos de tal distinção, anti-igualitária, antidemocrática, discriminatória, absolutamente contrária aos princípios do direito do trabalho. Tal proibição não impede, é óbvio, regulamentações profissionais especiais, nem distinções contratuais também próprias à condição do profissional. O que não pode é a lei geral cavar distinções meramente pelas condições e pela espécie de execução do trabalho. Demonstrado está hoje que todo trabalho é manual, técnico e intelectual ao mesmo tempo, havendo - nada mais do que isso - simples prevalência de um ou de outro elemento; mas não há tarefas feitas só com as mãos ou com o cérebro. Trata-se de velho e irracional preconceito social, oriundo da escravidão e da servidão da gleba.

4. O lugar da prestação do trabalho - Trabalho em domicílio - O art. 6º da Consolidação também afasta

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qualquer distinção, para os efeitos da proteção da legislação, entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador ou na casa do empregado, nestes termos: "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego".

Já antes da Consolidação, mandava o Decreto--Lei n. 399, de 1938, que fosse estendido o salário mínimo aos trabalhadores em domicílio, regulando demorada e exemplarmente a espécie em todo o Capítulo II (arts. 8º/11). Disso resultou o art. 83 da CLT: "É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este, como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere". Os dois dispositivos completam-se, o 6º e o 83. Cabe ao aplicador da lei verificar então, em cada caso concreto, se estão presentes as notas características da condição de empregado: pessoa natural, serviços não eventuais, subordinação jurídica e salário.

Enquanto outros povos regularam essa espécie de contrato de trabalho com rigor e pormenor (Argentina, Alemanha, Itália, etc.), entre nós a exploração campeia livre, sem que a autoridade saiba onde e em que locais se realizam os trabalhos em domicílio, em que condições de higiene e segurança, quais os salários pagos, se as leis previdenciárias são obedecidas, e assim por diante. Em nosso projeto do Código do Trabalho, regulávamos a matéria (arts. 20/29), conceituando assim no primeiro dispositivo: "Considera-se empregado em domicílio aquele que presta serviços em seu domicílio, só ou em oficina de família, de maneira contínua, sob subordinação jurídica e mediante salário. Parágrafo único. Não altera a natureza do contrato o fato de o empregado em domicílio prestar serviços a mais de um empregador, desde que o faça sob suas ordens e não para o público em geral".

A indústria em domicílio surgiu no mundo econômico por volta dos séculos XV e XVI. Hoje a sua mão de obra é constituída, na maioria das vezes, de marginais e defectivos de toda ordem (velhos, doentes, viúvas, aposentados, inválidos, etc.), sem sindicalização nem qualquer solidariedade de classe, pois se desconhecem entre si. Por isso mesmo, Charles Gide denominou essa modalidade de produção fábrica dispersa. Também nela, pela amplitude do conceito de subordinação jurídica, esta se faz sentir, sem necessidade de invocar-se, perplexamente, a dependência econômica para caracterizar o trabalho em domicílio. O empregador o controla pelas ordens técnicas que dá, pela direção e fiscalização de qualidade e quantidade de produção realizada numa certa unidade de tempo. Aceita-a ou a rejeita, sendo sempre o empregado em domicílio pessoalmente responsável pela tarefa efetuada, pouco importando como a realizou. Deve obediência e submissão às ordens do empregador como qualquer outro empregado de serviços externos. A subordinação é jurídica e psicológica, e não mais física ou corpórea como a princípio se admitia; indireta e difusa, e não mais direta e permanente, de todos os...

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