Direito Coletivo - Conceito e Conflito de Interesses

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas459-464

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1. Conceito - O direito do trabalho tem a nature-za jurídica de direito unitário, homogêneo, coerente, oriundo de ramos de direito público e de direito privado. Ao defender essa tese no Capítulo VII deste livro, Evaristo de Moraes Filho tomou como suporte doutrinário, entre outros, o seguinte trecho de A. Hueck e H. C. Nipperdey:

A relação singular entre cada trabalhador e seu patrão tem seu fundamento no contrato de trabalho, que é relação de direito privado; e o Estado intervém nessa relação para proteger o trabalhador, mediante um estatuto de direito público. As duas normas, regulamentação do contrato individual do trabalho (Arbeitsvertragsrecht) e direito protetor dos trabalhadores (Arbeitschutzrecht), têm como fundamento imediato cada trabalhador e unidas formam o direito individual do trabalho (Individualarbeits-recht). Por outro lado, os trabalhadores se agruparam como meio de defesa e com o propósito de obter a melhoria de suas condições de vida; a reação a este movimento são agrupações de patrões. A associação profissional dos trabalhadores (Gewerkschaft) e as uniões de patrões (Arbeitsgeberverbande) encontraram-se em oposição. Quando se tornou possível, celebraram pactos para regulamentar suas relações e as condições de trabalho, mas também entraram em lutas (greves e lock-outs). Pois bem, o direito coletivo do trabalho não contempla a relação individual, nem se fixa imediata e diretamente em cada trabalhador: seus problemas são esses grupos ou associações de trabalhadores e patrões, seus contratos e suas lutas. Mas o direito individual e o direito coletivo do trabalho, apesar dessas diferenças, não são estatutos distintos entre si, porque seu fundamento último e seu propósito final são os mesmos, isto é, o homem que vive de seu trabalho.

Pois bem, ao mesmo tempo em que se forma assim a unidade intrínseca do direito do trabalho, impõe-se o direito coletivo do trabalho - os sindicatos, as suas lutas, os seus pactos, as suas negociações, as suas convenções coletivas - como um elo entre o direito público e o direito privado do trabalho, que, ao mesmo tempo que lhe imprime a homogeneidade de tratamento doutrinário, serve-lhe também de nota característica, peculiar, capaz de justificar, por si só, um novo ramo do direito. Assim, escreveu Evaristo de Moraes Filho, em seu trabalho intitulado A Sentença Normativa, integrante do livro Processo do Trabalho, Estudos em Memória de Coqueijo Costa,1 entendendo ainda mais que o direito coletivo é exatamente a novidade desse ramo jurídico, que o desloca do tratamento meramente privatístico, individualista, para o campo do indivíduo, não mais isolado como ilha, e sim como parte de um todo grupal, mais amplo, que o antecede, supera

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e envolve. Daí a noção de categoria, ou de classe, se preferirem.

O direito coletivo tem as suas origens na reali-dade social, quando os trabalhadores paralisavam o trabalho, fazendo o movimento grevista. Em seguida, passaram a ser firmados pactos pelas partes em conflito, ou os laudos arbitrais de autoridade pública, revestindo-se ambos de mesma marca de indeterminação e generalidade da lei, aplicando-se a todos os exercentes da mesma profissão em determinado território nacional. Mais tarde, com os órgãos típicos da Justiça do Trabalho, foram regulados os dissídios coletivos de trabalho, cuja dirimência se dá por meio de sentenças normativas ou coletivas, com efeitos em relação a todos os integrantes das respectivas atividades ou profissões, presentes ou futuros.

Com o trabalho organizado, de um lado, e o patronato também organizado, de outro, explana Evaristo de Moraes Filho, em sua participação no livro em homenagem a Coqueijo Costa, desapareceu o indivíduo isolado, perdido no meio do grupo ou da associação. O puro indivíduo passou a ser uma abstração, para o bem ou para o mal, só considerado como fazendo parte de uma coletividade maior que o englobasse e protegesse. Vivia-se - como já dito - o advento do direito coletivo no qual o sujeito se desloca da pessoa natural para a pessoa jurídica, para as coletividades de fato ou de direito. Mas tal manifestação não se dava somente no campo da chamada questão social, fazia-se presente em todos os recantos da vida humana em sociedade: na propriedade, na política, na indústria, no comércio, e assim por diante. O direito teve de tomar como base de suas regulações não mais a vontade autônoma de um indivíduo, e sim a maioria dos pronunciamentos em relação a uma minoria vencida. Passava a prevalecer o princípio da interdependência ou da solidariedade forçada dos indivíduos por viverem a mesma situação, por estarem incluídos no mesmo problema econômico e social.

Acresce a isso o fato de que "para necessidades coletivas é preciso uma solução coletiva... Dora-vante, nos casos mais numerosos, o indivíduo não pode subtrair-se ao vínculo coletivo; o único meio para escapar seria colocar-se fora da comunidade de interesses em que se funda o vínculo coletivo".2

Essa é a tese defendida por Alex Weil sobre a nova concepção social, em oposição à individualista do começo do século XX, baseando-se no fato de que "as soluções puramente individualistas se evidenciarão insuficientes a partir do momento em que a sociedade se complica e os interesses que ligam os homens se tornam mais numerosos".

O direito coletivo tem como verdadeiro ator e propulsor o sindicato, porque dele partem as reivindicações, aparecem os conflitos e surgem os acordos. Pouco importa, comenta Evaristo de Moraes Filho, que os conflitos sejam solucionados mediante a mediação, arbitragem ou sentença normativa, o que importa é o elemento coletivamente indeterminado, abstrato, abrangendo parte de uma empresa, toda ela, algumas empresas ou todas elas.3

O Estado deixa de ser o propulsor e controlador, transformando-se em um assistente discreto e orientador, e não mais no ator único. Mas essa retirada do Estado não significa a volta ao absenteísmo do século XIX, deve ser ele, nas palavras de Jacque Le Goff, o indicador, o animador e não o piloto da mudança. "Se ele se retira, o faz de modo ativo".4

Assim, com a volta à sociedade, a negociação direta entre os interessados apresenta quatro tendências do direito coletivo.

A primeira significa o aprimoramento da vida democrática, plural, pois convivem no mesmo local de trabalho e na mesma atividade econômica diversas formas de pensamento e ideologias.

A segunda tendência...

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