Estados

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas127-148

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1. Nascimento Reconhecimento do Estado e do Governo

Os Estados são sujeitos primários da ordem internacional, sendo seu nascimento um fato histórico.

O reconhecimento do Estado é ato unilateral pelo qual um Estado declara ter tomado conhecimento da existência de outro, como membro da comunidade internacional. Assim, por ser, o nascimento do Estado, um fato, o reconhecimento não passa de um simples ato de constatação — teoria declarativa.

Existem aqueles que emprestam ao reconhecimento de um Estado por outro função mais relevante. Dizem que a personalidade do novo Estado é constituída por esse ato. A personalidade estatal seria criada pelo ato de reconhecimento — teoria constitutiva.

Entendemos que a teoria declarativa encontra melhor amparo na realidade internacional, porque o Estado existirá mesmo sem o reconhecimento formal; no entanto, seu período de vida poderá encurtar-se ou pelo menos ter enormes diiculdades de sobrevivência se não criar relações com outros membros internacionais.

A prática internacional, bem como alguns julgados internacionais, mostram-se favoráveis à teoria declarativa.

Tendo, pois, os elementos necessários, o Estado possui personalidade jurídica, e o reconhecimento apenas consigna um fato preexistente, a não ser que seja o reconhecimento ato de concessão de independência de uma colônia.

Não existe obrigação jurídica de se reconhecer um novo Estado. Porém, há obrigação de não fazê-lo — obrigação moral — quando do nascimento de Estado resulte ato contrário ao Direito Internacional93.

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O reconhecimento de um Estado pode ser expresso, com a declaração objetiva, ou tácito, quando resulta de algum ato que torne claro o tratamento de Estado, como iniciar relações diplomáticas.

Não existem regras quanto à oportunidade desse reconhecimento. Accioly indica três princípios: “1º) se se trata de Estado surgido de um movimento de sublevação, o reconhecimento será prematuro enquanto não cessar a luta entre a coletividade sublevada e a mãe-Pátria, a menos que esta, após luta prolongada, se mostre impotente para dominar a revolta e aquela se apresente perfeitamente organizada em Estado; 2º) desde que a mãe-Pátria tenha reconhecido o novo Estado, este poderá ser logo reconhecido pelos demais membros da comunidade internacional; 3º) se se trata de Estado surgido por outra forma, ele poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de um Estado perfeitamente organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do Direito Internacional”94.

A transformação da organização política de um Estado ou de seu território tem interesse para o Direito Internacional.

Com o reconhecimento do Estado, há o estabelecimento de relações diplomáticas.

Só pelo fato de ser admitido numa Organização Internacional, não signiica o reconhecimento automático do Estado, uma vez que este só existirá, como tal, perante a própria organização, que tem personalidade distinta da dos seus membros.

As modiicações das instituições políticas são de alçada do Direito Interno de cada Estado e não modiicam a personalidade internacional do Estado; mas os governos resultantes têm necessidade de ser reconhecidos para a mantença ou feitura de novas relações internacionais.

Esse reconhecimento pode ser expresso ou tácito, da mesma forma que ocorre com aquele dado ao Estado, devendo levar em conta, para tal im: a) a existência real de um governo aceito e obedecido pelo povo; b) estabilidade administrativa; e c) aceitação pelo novo governo das obrigações internacionais.

Algumas doutrinas se destacam sobre esta matéria, a saber: doutrina Monroe; doutrina Tobar; doutrina Drago; doutrina Estrada e doutrina Brum.
a) Doutrina Monroe

Esta doutrina nasceu de uma mensagem que o Presidente James Monroe dirigiu ao Congresso dos Estados Unidos em dezembro de 1823, enumerando princípios destinados à política externa norte-americana, airmando a proibição de ocupação do continente americano por parte de

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qualquer potência europeia, a inadmissibilidade de intervenção de potência europeia nos negócios internos ou externos de qualquer país americano e observando que os Estados Unidos não intervirão em qualquer país europeu. No século XX, outro Presidente dos Estados Unidos, Theodor Roosevelt, transformou a doutrina original para o que se chamou de Roosevelt corollary to the Monroe doctrine, desenvolvendo uma hegemonia protetora deste país, principalmente em relação aos países que estão neste continente, o que de certo modo perdurou até os dias atuais, na política externa norte-americana, expandindo-se para além da América, na proteção aos países amigos, aliados ou sob o domínio político norte-americano. O princípio da não intervenção é que se infere, basicamente, dessa doutrina95.

  1. Doutrina Tobar

    Pretende que não se deve reconhecer qualquer governo que seja oriundo de golpe de Estado ou de revolução enquanto o povo do respectivo país não o tenha reorganizado constitucionalmente, com representantes livremente eleitos96.

    Estabeleceu tal doutrina o princípio da legitimidade, como condição do reconhecimento do governo, bem como o princípio da efetividade, visando com isso diminuir as revoluções, que eram comuns na América Latina.

  2. Doutrina Drago

    Veio de Luís Maria Drago, que não negava a obrigação da nação devedora de reconhecer as dívidas que possui e procurar responsabilizarse pelas mesmas, mas condenava a cobrança coercitiva das mesmas. A dívida pública não pode motivar a intervenção armada ou a ocupação do território americano por potências europeias. Mais tarde foi transformada na Convenção Porter que condena o emprego da força para a cobrança de dívidas, salvo se o Estado devedor não der resposta positiva para tentativas de solução do problema (p. ex.: arbitragem)97.

    d) Doutrina Estrada

    Proclamou que o reconhecimento de governos fere a soberania da nação interessada e importa atitude de crítica98.

    Tal reconhecimento seria um ato de intervenção no assunto interno de outro Estado. Em outras palavras, não há necessidade de reconhecimento expresso e oicial.

    Na verdade, o reconhecimento do Estado é uma prática internacional que não deve ser abandonada, porque não se trata de interferência de um Estado em outro, mas da consequência natural das relações internacionais.

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  3. Doutrina Brum

    Baltasar Brum é o seu autor. Após a Primeira Guerra Mundial airmou a ideia de que os países americanos deveriam ter estreita unidade de ação. Atenta para a solidariedade entre estes países99.

2. Extinção e sucessão

Assim como o Estado nasce, pode ocorrer de se extinguir. Temos, aí, seu desaparecimento, que acontece quando seus elementos constitutivos desaparecem: o território (um cataclismo físico, p. ex.), o povo (hipótese acadêmica) ou o poder político soberano (hipótese de possibilidades mais reais: incorporação em outros Estados, fusão convencional ou divisão do território em outros Estados). Um exemplo recente de incorporação foi o das Alemanhas, ex-RDA na ex-RFA. Quanto à fusão, tivemos, em 1964, Tanganica e Zanzibar, que cederam lugar à Tanzânia. E de divisão existem vários exemplos ocorrendo no mundo, como a extinção da ex-URSS e o nascimento concomitante de novos Estados, compondo a Comunidade de Estados Independentes
— CEI — ou a extinção da Tcheco-Eslováquia e sua substituição (nascimento) por dois novos Estados: República Tcheca e República Eslovaca; ou, ainda, o exemplo da Iugoslávia se desfazendo em vários outros países.

Já a sucessão de Estados é problema um pouco mais denso, que mereceu na Comissão de Direito Internacional uma codiicação das Convenções de Viena de 1978 e de 1983.

As Convenções mencionadas estabelecem conceito para a sucessão: a substituição de um Estado por outro na responsabilidade pelas relações internacionais.

A extinção de Estados, nos exemplos citados acima, provoca, também, a igura da sucessão.

Há sucessão de Estados não só quando o Estado desaparece totalmente, tomando-lhe o lugar outro Estado, como quando ele não desaparece, mas sofre mudança profunda em qualquer um dos seus elementos constitutivos.

Quando a mudança é de governo, o princípio internacional é que a responsabilidade do Estado continua pelos seus compromissos internacionais. Em outras palavras, os problemas políticos internos do Estado e as consequências que eles provocam não podem mudar a responsabilidade do Estado, como ente de Direito Internacional. Se assim não fosse, a insegurança na vida internacional seria muito grande.

A sucessão, contudo, pode nascer, também, de modiicações territoriais, assim como a transferência de territórios de um Estado para outro, de forma total (sucessão total) ou de forma parcial (sucessão parcial).

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Sucessão, se aplicássemos o instituto nos termos do Direito Civil, só haveria, na verdade, diante do desaparecimento total do Estado, equivalendo à morte deste. O Estado dito predecessor daria lugar no seu território ao herdeiro ou sucessor. O Direito Internacional, no entanto, empresta signiicado mais amplo à palavra “sucessão”, como vimos, abrangendo hipóteses também referentes ao desaparecimento parcial do território.

As alterações que não afetam a personalidade jurídica do Estado suscitam problemas em relação aos bens públicos, nacionalidade dos que nele vivem, dívidas contraídas etc.

São casos em que ocorre a sucessão: a emancipação, a fusão, a anexação total e a anexação parcial. A emancipação ocorre quando uma colônia se desprende da subordinação ao Estado que a mantém e se consagra como novo Estado. A fusão acontece quando dois ou mais Estados, ao se reunirem...

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