65a Vara do Trabalho de São Paulo ? SP

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65ª Vara do Trabalho de São Paulo - SP

Processo: 0002673-32.2013.5.02.0065 Rito Ordinário

Autora: Suelen Policena Hungareti Réu: Banco Bradesco S/A.

Aos 12 de janeiro de 2015, na sala de audiência desta Vara, sob a presidência do Juiz do Trabalho Substituto, Marcelo Azevedo Chamone, submetido o processo a julgamento, foi proferida a seguinte sentença.

RELATÓRIO

A autora postula os títulos elencados na inicial de fls. 03-12, instruídos com os documentos de fls. 15-126, e atribuindo à causa o valor de R$ 30.000,00. Rejeitada a conciliação inicial, a reclamada apresentou contestação com documentos (l s. 186-246), arguindo preliminares de inépcia da inicial, e no mérito, a improcedência da ação. Colhidos depoimentos das partes (l s. 152-153). Razões finais apresentadas. Conciliação final rejeitada. Relatados, decido.

FUNDAMENTAÇÃO

  1. Inépcia da inicial

Deixo de pronunciar a inépcia da petição inicial por considerar sui ciente a narração dos fatos de que resulta o litígio, na forma do art. 840, da CLT, que difere do art. 282, do CPC quanto aos rigores de pedidos e causas de pedir, não se detectando, outrossim, prejuízo à parte contrária (cf. arts. 24, § 1º, do CPC, e 794, da CLT).

2. Valor probatório do depoimento da parte

Muito embora seja lugar-comum ai rmações no sentido de que "a parte poderá ser interrogada e o que disser em seu benefício é de nenhum valor; o que disser em prol da parte adversa terá valor de coni ssão real" (Francisco Antonio de Oliveira, Tratado de direito processual do trabalho, v. 2, 2008, p. 1.1051), tal assertiva é falsa, "porque nem sempre isso acontece" (Pontes de Miranda, Comentários ao código de processo civil, t. IV, 1974, p. 267).

Primeiramente, porque tal restrição em relação à fala de quem teve o direito subjetivo material violado - "o que disser em seu benefício é de nenhum valor" - prevista no art. 206, do vetusto Decreto imperial n. 737, de 25.11.18502, não foi repetida na legislação posterior (cf. arts. 229-234, do CPC/1939; art. 201, do CPP/1941; art. 820, da CLT/1943; arts. 13, "b", 300, e 311-313, do CPPM/1969; 342-347, do CPC/1973; arts. 382-385, do Projeto de Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal em dez. 2014), sobretudo ao se constatar

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que o depoimento de uma das partes não é apenas direito de seu adversário (aí sempre sob a perspectiva de se obter a coni ssão), mas também prerrogativa do juiz (art. 342, do CPC). Daí os autores distinguirem entre o depoimento ‘pessoal’ (da parte) e o interrogatório, negando, quanto a este, a possibilidade de se obter a coni ssão da parte (ressalvada a coni ssão expressa, cf. Tostes Malta, Prática do processo trabalhista, 1995. p. 370).

Nesse sentido, ressalta Pontes de Miranda (Comentários ao código de processo civil, t. IV, 1974. p. 267) que "É erro dei rnir-se o depoimento pelo resultado eventual de conter coni ssão. Nem sempre isso ocorrre, nem sempre, ao requerê-lo, é intuito da parte adversa, ou do juiz, ou dos interessados na demanda, mesmo curadores, provocar a coni ssão. Não raro só se pretende captar, com precisão, o conteúdo de alguma ai rmação, inserta no pedido, ou posteriormente, de relevância para a decisão, sem o caráter de concorância com as ai rmações da parte adversa. A pena de confesso, com que se determina o depoimento da parte, funciona como sanção pelo não comparecimento, e não como finalidade do depoimento". Desse modo, "O depoimento tem, não raro, força convincente que, no processo com o príncipio do livre convencimento do juiz [rectius, ‘convencimento motivado’, cf. art. 368, do projeto de Código de Processo Civil aprovado pelo Senado em dez. 2014], pode fazê-lo um dos fundamentos da convicção" (No mesmo sentido: Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. III, p. 6173; Fredie Didier Jr. et alii, Curso de direito processual civil, v. 2, 2007, p. 72; Mauro Schiavi, Manual de direito processual do trabalho, 2012, p. 632), pois, "A parte pode ser qualii cada como a melhor fonte de prova, quando não a única, em razão das informações que possui, não obstante, em razão dos seus interesses pessoais, possa ser considerada a fonte de prova menos coni ável" (Mauro Cappelletti, El testimonio de la parte en el sistema de la oralidad, v. 1, 2002, p. 4 apud Fredie Didier Jr. et alii, Curso de direito processual civil, v. 2, 2007, p. 71).

Se é verdade que no processo cível (em sentido lato, englobando o trabalhista) o depoimento da vítima não é desinteressado, na medida em que é potencialmente benei ciária econômica de uma sentença favorável (ocupando posição equivalente à da testemunha com interesse no litígio - art. 405, § 3º, IV, do CPC, e art. 228, IV, do CC), nos casos em que o ilícito em questão também se caracterize como injusto penal, a sentença criminal - onde, em razão das consequências (aplicação de pena restritiva de liberdade), o nível de certeza exigido para a condenação é muito mais elevado do que nos processos onde são tutelados direitos privados - poderá ser fundamentada no depoimento do ofendido, sobretudo nos casos cometidos "às ocultas", e desde que "as declarações sejam seguras, estáveis, coerentes, plausíveis, uniformes, perdendo sua credibili-dade quando o depoimento se revela reticente e contraditório e contrário a outros elementos probatórios" - "Tudo está subordinado, para se obter um veredicto justo, à formação cultural, moral, psicológica e humana do juiz que, atendendo à serenidade e à imparcialidade em seu espírito, pode encontrar o caminho certo a seguir a fim de alcançar a realização da justiça ao valorar as declarações da vítima, para concluir, sem prevenções, se merecem fé ou não" (Julio Fabbrini Mirabete, Processo penal, 1998. p. 291-292, citando reiterada jurisprudência. Nesse sentido: TJSP, 3ª Câmara Criminal, Apelação Criminal n. 172.868-3, rel. des. Gonçalves Nogueira, v. u., j. 5.12.19944;

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STJ, 5ª Turma, HC n. 47212, rel. min. Gilson Dipp, j. 16.2.20065; STJ, 5ª Turma, HC n. 135972, rel. min. Felix Fischer, j. 3.11.20096;

STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp n. 1.182.716, rel. min. Jorge Mussi, j. 13.3.20127; STJ, 6ª Turma, RHC n. 34035, rel. min. Sebastião Reis Júnior, j. 5.11.20138) -, e ser objeto de execução ex delicto (art. 475-N, II, do CPC), sem que nenhuma consideração possa ser tecida, na esfera cível, sobre o valor probante das declarações do exequente ao juízo onde se formou o título executivo.

De forma semelhante, na valoração dos depoimentos colhidos em instrução processual, poderá o julgador, com base em suas impressões obtidas no contato direto com as testemunhas, atribuir maior peso àquela ouvida sem compromisso (‘informante’, arts. 405, § 4º, do CPC, e 829, da CLT) do que àquela formalmente compromissada (cf. Sergio Pinto Martins, Direito processual do trabalho, 2012, p. 345; Valentin Carrion, Comentários à consolidação das leis do trabalho, 2008, p. 637; Mauro Schiavi, Manual de direito processual do trabalho, p. 664; TJSP, 34ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 0101493-84.2009, rel. des. Márcia Cardoso, j. 19.8.20139).

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No processo civil alemão - cf. §§ 445, I, 448, e 450, II,10 do Zivilprozessordnung11 -, os depoimentos pessoais apenas são tomados como "meio subsidiário de prova, que somente pode empregar-se se não foram propostos outros ou os propostos não deram resultado satisfatório" (James Goldschmidt, Direito processual civil, t. I, 2003, p. 334), hipótese em que os depoimentos colhidos serão valorados pelo julgador como elementos de prova, inclusive com tomada de juramento (cf. § 45212), etapa desnecessária em nosso ordenamento, onde o compromisso das partes com a verdade é obrigação legal (cf. art. 14, I, do CPC; redação repetida no art. 77, I, do projeto de Código de Processo Civil aprovado pelo Senado Federal em dez. 2014).

Nessa trilha, Arruda Alvim, sempre alertando contra a parcialidade do magistrado, ai rma que "Se (...) o pressuposto fundamental de aplicabilidade do art. 342 é a dúvida do juiz, não esclarecida pelas provas aportadas ao processo, segue-se disto que tal atividade será normalmente complementar de outras atividades probatórias, que a tenham procedido. Ademais, por estas razões, via de regra, o uso do

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mesmo art. 342 deverá, normalmente, ser feito depois de realizadas as provas, justamente porque aí é que o juiz, examinando-as, constatará a sua dúvida. Em nome desta e tendo em vista que o respectivo esclarecimento respeita não ao direito de qualquer dos litigantes, senão ao estabelecimento dos pressupostos de fato sobre os quais há de incidir a atividade jurisdicional, em nome do desempenho de sua função, terá de usar dos poderes do art. 342. Daí por que aludimos a poder-dever" (Manual de direito processual civil, 1982, p. 299).

É inegável, portanto, que as declarações das partes são meio de prova, mas seu acatamento, contudo, não pode ser feito de forma indiscriminada, sob pena de implicar em derrogação das regras legais atinentes a meios e ônus da prova.

Assim, tratando-se de prova de fato ocorrido de forma clandestina, envolvendo apenas vítima(s) e agressor(es), em locais isolados (i.e., inacessíveis a terceiros, com consequente falta de documentação e testemunhas diretas) - hipótese a se verii car sobretudo, mas não exclusivamente, em casos de assédio moral e sexual - a valoração do depoimento da vítima deverá ser feita de acordo com a verossimilhança dos fatos narrados, a credibilidade e coerência do depoimento perante o juiz da instrução, e sua harmonia com o conjunto probatório levado aos autos, de modo a incutir no julgador a convicção quanto à veracidade dos fatos alegados.

Estabelecidas estas premissas teóricas, passo à análise do caso concreto.

3. Prescrição

Considerando...

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