8. A determinação do 'quantum satis' da indenização trabalhista

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas244-255

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Como o Direito do Trabalho recorre-se subsidiariamente ao Direito Civil, o problema da determinação do quantum satis da indenização resolve-se pela aplicação do art. 944 do Novo Código Civil, in verbis:

"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização".

Os artigos abaixo do Novo Código Civil também poderão ser aplicados subsidiariamente na reparação por danos materiais e morais:

"Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além

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das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal560 consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.".

A indenização ao trabalhador tem de ser plena, abarcando inclusive o dano material, se para isso tiver dado ensejo o ato ilícito perpetrado. O dano material, que implica uma diminuição do patrimônio do lesado, é subdividido em danos emergentes e lucros cessantes.

Dano emergente (damnum emergens) consiste na efetiva diminuição do patrimônio do lesado, i. e., um prejuízo que se reflete na esfera patrimonial, enquanto o lucro cessante (lucrum cessans) consiste na frustração de um pagamento esperado, de um acréscimo patrimonial que o lesado teria se não houvesse ocorrido a ação do lesante.

Nesse sentido, o valor das verbas rescisórias não recebidas em virtude de alegação de justa causa é dano emergente; o que o trabalhador deixou de ganhar em futuro emprego, por informações injuriosas, é lucro cessante561.

Entretanto, o desafio lançado aos tribunais, na estipulação do valor da reparação do dano moral, é a busca da equivalência entre duas variáveis para as quais não existem parâmetros de comparação562.

Aguiar Dias, sobre a indenização do dano moral, preleciona que "não é razão para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não ser possível es-

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tabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbitrário é até da essência das coisas. O arbitramento, de sua parte, é, por excelência, o critério de indenizar o dano moral, aliás, o único possível, em face da impossibilidade de avaliar matematicamente o pretium doloris’’563.

Na esteira desse entendimento, Washington de Barros Monteiro nos esclarece que "inexiste, de fato, qualquer elemento que permita equacionar com rigorosa exatidão o dano moral, fixando-o numa soma em dinheiro. Mas será sempre possível arbitrar um quantum, maior ou menor, tendo em vista o grau de culpa e a condição social do ofendido’’564.

Maria Helena Diniz, citada por Clayton Reis565, afirma que "A esse respeito é preciso esclarecer que o dinheiro não repara a dor, a mágoa, o sofrimento ou a angústia, mas apenas aqueles danos que resultarem da privação de um bem sobre o qual o lesado teria interesse reconhecido juridicamente. O lesado pode pleitear uma indenização pecuniária em razão de dano moral, sem pedir um preço para sua dor, mas um lenitivo que atenue, em parte, as consequências do prejuízo sofrido, melhorando seu futuro, superando o déficit acarretado pelo dano’’.

Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira, "o dinheiro serve para oferecer (ao ofendido) a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança"566.

Cunha Gonçalves, a propósito do tema, afirma que a indenização em dinheiro é "um lenitivo ao desgosto, que amorteça a dor’’567.

Wilson Melo da Silva, citado por Valdir Florindo568, nos ensina:

"Tristezas se compensam com alegrias. Sofrimentos e angústias se neutralizam com sensações, contrárias, de euforia e de contentamento. E se tais fatores de neutralização não se obtêm pela via direta do dinheiro (não se pagam tristezas e angústias), pela via indireta, contudo, ensejariam, os valores econômicos, que se propiciassem às vítimas dos danos morais, parcelas de contentamento ou euforia neutralizadoras de suas angústias e de suas dores.’’

Sérgio Severo569, citando P. Le Tourneau, assevera que "no campo da responsabilidade civil o princípio mais importante é aquele que condiciona a reparação ao

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montante do dano", ou seja, "a reparação deve ser igual ao prejuízo", como forma de restabelecer o equilíbrio alterado pelo dano. Assim, a reparação deve ser integral".

Segundo Le Tourneau, esse princípio impõe duas regras: a) a indenização não deve depender da gravidade da culpa: b) a indenização deve reparar o dano da forma mais completa possível570.

Para a apuração do quantum indenizatório, os magistrados devem levar em consideração:

  1. as condições econômicas, sociais e culturais de quem cometeu o dano e principalmente de quem o sofreu;

  2. a intensidade do sofrimento do ofendido;

  3. a gravidade da repercussão da ofensa;

  4. a posição do ofendido;

  5. a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável;

  6. um possível arrependimento evidenciado por fatos concretos;

  7. a retratação espontânea e cabal;

  8. a equidade;

  9. as máximas da experiência e do bom-senso;

  10. a situação econômica do país e dos litigantes;

  11. o discernimento de quem sofreu e de quem provocou o dano.

Deve-se acrescentar ao elenco acima, em se tratando de Dano Moral Trabalhista, a personalidade do empregado lesado, em especial a sua notoriedade, como fator de relevo na determinação da reparação competente, diante da repercussão que produz o Dano Moral experimentado. Com efeito, a popularidade amplia a esfera da exposição da pessoa, tornando mais acentuada a repercussão, e, como consequência, o vulto da reparação571.

Nesse sentido, a análise da reparação por Dano Moral Trabalhista também deve se pautar pelo status social do empregado e sua imagem perante a sociedade e mercado (clientes e empresas concorrentes). Portanto, um diretor de uma empresa multinacional que tenha um relacionamento amplo e, por conseguinte, uma grande exposição na sociedade tem de ser analisado à luz desses aspectos, diferentemente do que ocorre com um operário desconhecido que milita no interior de uma empresa.

Assim, na aferição do valor da indenização, o magistrado leva sempre em consideração o grau de culpa do agente, a extensão do dano causado à vitima e à sua família e a eventual participação da vítima para o resultado danoso.

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Na verdade, não existe atualmente um critério único utilizado pelos nossos Tribunais, sendo que as sentenças e acórdãos recentemente prolatados possuem um caráter eminentemente híbrido, dependendo do caso concreto sub judice.

Alguns expressivos juristas estrangeiros do escólio de Geneviève Viney572 defendem a tarifação dos danos extrapatrimoniais, como "alerta para a segurança jurídica e para o direito de igualdade dos jurisdicionados, que poderia ser afetado por uma subjetividade valorativa’’.

De acordo com Orlando Teixeira da Costa, "pelo sistema tarifário há uma predeterminação do valor da indenização. O juiz apenas aplica a cada caso concreto, observando o limite do valor estabelecido para cada situação. É como se procede nos Estados Unidos da América’’573.

Não compactuamos integralmente com a opinião da autora francesa, pois somos da opinião que se a tarifação, por um lado, elimina o risco da subjetividade valorativa por parte do magistrado, por outro lado, retira-lhe parte do poder discricionário de atribuir à causa em exame o seu real e merecido valor, considerando todas as situações e peculiaridades do caso concreto.

O sistema adotado em nosso País é conhecido como "sistema aberto", por meio do qual atribui-se ao juiz a competência para fixar o quantum subjetivamente correspondente à satisfação da lesão.

De acordo com Sergio Pinto Martins, "uma forma de pagamento (do Dano Moral Trabalhista) seria a aplicação analógica da indenização dos arts. 477 e 478 da CLT, do pagamento de um salário por cada ano de serviço trabalhado pelo empregado, considerando-se ano o período igual ou superior a seis meses. Entretanto, essa última forma, dependendo do caso, pode não ser suficiente para compensar o dano moral, principalmente se o salário do empregado for baixo"574.

Sergio Pinto Martins assevera ainda que "outra forma de pagamento de indenização por dano moral foi utilizada pelo TRT, da 9ª Região, que determinou o pagamento arbitrado do valor correspondente aos salários, férias, gratificação de férias, 13os salários vencidos e que se venceriam, se vigente o contrato de trabalho, da ruptura...

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