A

AutorRaphael Miziara
Páginas19-35
– A –
ABSENTISMO OU ABSENTEÍSMO E AUSENTISMO
(1)  HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 17.
(2)  Ocina Internacional del Trabajo. Enciclopedia de salud y seguridad en el trabajo. Centro de publicaciones del
Ministerio de Trabajo y Seguridad Social.
(3)  LIMA, Francisco Gérson Marques de. Dos deveres constitucionais: o cidadão responsável. Disponível em:
servicos.prt7.mpt.gov.br/artigos/2011/Deveres% 20Constitucionais.pdf>. Acesso em: 22.07.2018.
(4)  LIMA, Francisco Gérson Marques de. Dos deveres constitucionais: o cidadão responsável. Disponível em:
servicos.prt7.mpt.gov.br/artigos/2011/Deveres% 20Constitucionais.pdf>. Acesso em 22.07.2018.
O léxico informa que ‘absentista’ é aquele que está
ou costuma estar ausente, ou seja, aquele que pratica o
absentismo ou o absenteísmo, entendidos como a prá-
tica habitual de abandonar o cumprimento de deveres
e funções de determinado cargo ou posto.(1)
No direito do trabalho, o absentismo ou absente-
ísmo consiste na falta ou ausência injusticada do
empregado ao trabalho, ou seja, sem previsão legal.
Mas, se a falta ou ausência for justicada legalmen-
te, fala-se então em ausentismo, como se dá, por
exemplo, nas hipóteses do art. 473 da CLT.
A Organização Internacional do Trabajo – OIT
dene o absentismo laboral como “la no asistencia
al trabajo por parte de un empleado que se pensaba
que iba a asistir, quedando excluidos los perodos
vacacionales y las huelgas; y el ausentismo laboral
de causa médica, como el perodo de baja laboral
atribuible a una incapacidad del individuo, excep-
cin hecha para la derivada del embarazo normal o
prisin”.(2)
Portanto, a OIT faz distinção entre os termos
‘absentismo’ e ‘ausentismo’. O primeiro, para se
referir a ausências injusticadas e, o segundo, para
designar ausências por enfermidade e, portanto,
legalmente aceitas.
Ver também *presentesmo.
ACORDO JAPONÊS
O acordo japonês é aquele por meio do qual se
admite redução salarial em troca da permanência
do emprego, evitando, assim, dispensas. Trata-se de
medida de proteção ao emprego. Mas, é preciso com-
preender o contexto histórico, a origem de tal expres-
são e a razão pela qual ela é utilizada para designar
esse tipo de avença.
Os direitos de quarta dimensão estão ligados à
democracia e ao pluralismo, principalmente no que
tange aos direitos das minorias. Fala-se, então, em
pluralismo, democracia e o direito de ser diferente.
Contudo, essa percepção apresenta um cidadão pas-
sivo, carente de proteção estatal, que a tudo espera
como direito de contribuir; logo, o sujeito é membro
da sociedade, podendo, quando quiser, participar das
coisas do Estado.(3)
Contudo, é preciso que também se vislumbrem os
direitos de quarta dimensão sob perspectiva de dever,
que enxerga e imprime ao cidadão a necessidade de
um ser ativo e com responsabilidade pelos rumos da
nação. Esta visão é a essência do bom cidadão.
A partir dessa perspectiva ativa é que surge o cha-
mado acordo japonês. A doutrina leciona que foi o
alto senso de cooperação que levou o Japão, após a
2ª Guerra Mundial, a superar a grave crise nanceira
e social, inclusive adotando, no âmbito trabalhista, o
chamado acordo japonês, que permite a redução sala-
rial em troca da permanência do emprego de contin-
gente maior, evitando, assim, a despedida em massa.
Houve um sentimento patriótico, no qual ocorreu divi-
são de responsabilidades, não só imposta pelo Estado,
mas procurada e aceita pelos próprios cidadãos.(4)
20 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
Portanto, o acordo japonês é aquele por meio do
qual se admite redução salarial em troca da perma-
nência do emprego, evitando, assim, dispensas. Tra-
ta-se de medida de proteção ao emprego mas que,
para ser legítima e observadora da boa-fé, deve ser
de caráter temporário, apenas e enquanto for neces-
sária para recuperação da economia.
No Brasil é garantida a irredutibilidade do salário,
salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo
(art. 7º, VI, CRFB/88) e desde que seja respeitada
a contrapartida adequada, qual seja, a garantia do
emprego.
Vale lembrar que nos termos do art. 611-A, § 3º, da
CLT, incluído pela Lei n. 13.467, de 2017 – Reforma
Trabalhista: “se for pactuada cláusula que reduza o
salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acor-
do coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos
empregados contra dispensa imotivada durante o pra-
zo de vigência do instrumento coletivo”.
A citada norma celetista deve ser lida em conjunto
com as disposições da Lei n. 4.923/65, editada logo
após os anos de 1961 a 1964, período no qual o Bra-
sil sofreu um período de forte turbulência política,
que agravou o descontrole econômico da inação,
entre outras variáveis macroeconômicas.(5)
De acordo com o art. 2º da Lei n. 4.923/65: “a
empresa que, em face de conjuntura econômica,
devidamente comprovada, se encontrar em condi-
ções que recomendem, transitoriamente, a redução
da jornada normal ou do número de dias do traba-
lho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a
entidade sindical representativa dos seus emprega-
dos, homologado pela Delegacia Regional do Tra-
balho, por prazo certo, não excedente de 3 (três)
meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ain-
da indispensável, e sempre de modo que a redução
do salário mensal resultante não seja superior a
25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual,
respeitado o salário-mnimo regional e reduzidas
proporcionalmente a remuneração e as gratica-
ções de gerentes e diretores”.
Ainda, conforme o parágrafo primeiro do mesmo
dispositivo, “para o m de deliberar sobre o acordo,
a entidade sindical prossional convocará assem-
bleia geral dos empregados diretamente interessados,
(5)  MESQUITA, Mário M. C. Brasil 1961-1964: inação, estagnação e ruptura. n. 569. Departamento de Economia
da PUC-RJ. Disponível em: . Acesso em: 28.07.2018.
(6)  GONZAGA NETO, José Wally; SCHIO, Adriana Cavalcante de Souza. A negociação coletiva para redução salarial:
o “Acordo japonês” e o PPE. In: Revista eletrônica Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Curitiba. v. 5, n. 51,
p. 146-155, jun. 2016.
sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de
votos, obedecidas as normas estatutárias”.
Igualmente, as empresas que tiverem autorização
para redução de tempo de trabalho, nos termos do art.
2º e seus parágrafos, não poderão, até 6 (seis) meses
depois da cessação desse regime admitir novos
empregados, antes de readmitirem os que tenham
sido dispensados pelos motivos que hajam justica-
do a citada redução ou comprovarem que não aten-
deram, no prazo de 8 (oito) dias, ao chamado para a
readmissão (art. 3º, caput, da Lei n. 4.923/65).
E, rmado o acordo, é também vedado às empre-
sas mencionadas no art. 3º, nas condições e prazos
nele contidos, trabalhar em regime de horas extraor-
dinárias, ressalvadas estritamente as hipóteses pre-
vistas no art. 61, e seus parágrafos 1º e 2º, da CLT
(art. 4º, caput, da Lei n. 4.923/65).
Portanto, no Brasil, como bem sintetizam José
Wally Gonzaga Neto e Adriana Schio, são os requisi-
tos para o “acordo japonês”: (i) negociação coletiva;
(ii) respeito ao salário mínimo; (iii) limite de 25%
na redução salarial; (iv) obrigatoriedade de extensão
da redução salarial proporcionalmente aos cargos de
direção e gerência; (v) duração de três meses, com
possibilidade de prorrogação; (vi) vedação à reali-
zação de horas extras; (vii) vedação à admissão de
novos empregados pelo prazo de seis meses após o
término da redução salarial, entre outros.(6)
A esse rol, ainda pode se acrescentar um oita-
vo requisito, previsto no art. 611-A, § 3º, da CLT,
incluído pela Reforma Trabalhista, qual seja, (viii)
proteção dos empregados contra dispensa imotivada
durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
Também com a ideia de redução salarial e de jor-
nada com proteção do emprego foi criado o Progra-
ma de Proteção ao Emprego (PPE), instituído pela
Medida Provisória n. 680, de 6 de julho de 2015,
posteriormente convertida na Lei n. 13.189, de 19
de novembro de 2015 e, também posteriormente,
alterada pela Lei n. 13.456, de 2017, que alterou
o nome do programa para “Programa Seguro-Em-
prego (PSE)”, tudo no afã de conter o crescimento
do desemprego involuntário gerado a partir da crise
econômica de 2015.
Raphael Miziara 21
O Programa Seguro-Emprego (PSE) foi criado
com os seguintes objetivos: possibilitar a preservação
dos empregos em momentos de retração da atividade
econômica; favorecer a recuperação econômico--
nanceira das empresas; sustentar a demanda agrega-
da durante momentos de adversidade, para facilitar a
recuperação da economia; estimular a produtividade
do trabalho por meio do aumento da duração do vín-
culo empregatício; e fomentar a negociação coletiva
e aperfeiçoar as relações de emprego e consiste em
ação para auxiliar os trabalhadores na preservação do
emprego (art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei n.
13.189, de 19 de novembro de 2015).
(7)  JAKUTIS, Paulo. Manual de estudo da discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 40.
Podem aderir ao PSE as empresas de todos os seto-
res em situação de diculdade econômico-nanceira
que celebrarem acordo coletivo de trabalho especí-
co de redução de jornada e de salário.
A adesão ao PSE podia ser feita perante o Minis-
tério do Trabalho até o dia 31 de dezembro de 2017,
prazo esse já expirado. Assim, na presente data, não
mais existe a possibilidade de adesão ao PSE, sendo
que o acordo japonês no Brasil permanece regulado
apenas pelas disposições normativas do art. 611-A,
§ 3º, da CLT c/c Lei n. 4.923/65.
AÇÕES AFIRMATIVAS
Ações armativas ou discriminações positivas
ou benignas podem ser entendidas como políticas
públicas e privadas voltadas à concretização do prin-
cípio constitucional da igualdade, em sua dimensão
substancial material e à neutralização dos efeitos da
discriminação racial, de gênero, de idade, de origem
e de compleição física. Em razão das ações arma-
tivas, a igualdade deixa de ser meramente um prin-
cípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a
ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo
Estado e pela sociedade.
Trata-se, assim, da promoção e concretização efe-
tiva e real da isonomia por meio de condutas positi-
vas cujo propósito é beneciar, para igualar, grupos
em situação de desvantagem prévia ou, até mesmo
de exclusão, em virtude de fatores históricos ligados
a sua condição racial, étnica, sexual etc.
Paulo Jakutis arma que por meio das ações ar-
mativas “são adotadas polticas e ações que real-
mente fazem distinções entre pessoas em situações
semelhantes, mas essa diferenciação, contraria-
mente ao que ocorre com a discriminação, tem uma
explicação lgica e uma nalidade especca, visan-
do a melhorar a condição social de um grupo ou
classe em desvantagem crônica”.(7)
Como exemplos de ações armativas no direito
do trabalho destacam-se, principalmente, o sistema
de cotas para beneciários reabilitados ou pesso-
as portadoras de deciência, habilitadas (art. 93,
da Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social).
Igualmente, o Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de
2001, que promulgou a Convenção Interamericana
para Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
nação contra as Pessoas Portadoras de Deciência.
Ainda, se pode citar o Decreto n. 6.949, de 25 de agos-
to de 2009, que promulgou a Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deciência e seu
Protocolo Facultativo. Igualmente, a Lei n. 13.146, de
6 de julho de 2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa
com Deciência.
Especicamente no âmbito da Organização Inter-
nacional do Trabalho, pode-se mencionar o Decre-
to n. 129, de 22 de maio de 1991, que promulgou a
Convenção n. 159 da OIT, sobre Reabilitação Pros-
sional e Emprego de Pessoas Decientes.
Ainda, importante citar, dentre outros inúmeros
exemplos de ações armativas no direito do traba-
lho, a aplicabilidade das ações armativas em prol
dos povos indgenas e tribunais, tal como estabelece
a Convenção n. 169 da OIT, raticada pelo Brasil e
introduzida pelo Decreto n. 5.051, de 19 de abril de
2004. O artigo 20 da referida Convenção, ao tratar
da “contratação e condições de emprego”, vaticina
que “1. Os governos deverão adotar, no âmbito da
legislação nacional e em cooperação com os povos
interessados, medidas especiais para garantir aos
trabalhadores pertencentes a esses povos uma pro-
teção ecaz em matéria de contratação e condições
de emprego, na medida em que não estejam prote-
gidas ecazmente pela legislação aplicável aos tra-
balhadores em geral. 2. Os governos deverão fazer
o que estiver ao seu alcance para evitar qualquer
22 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
discriminação entre os trabalhadores pertencen-
tes ao povos interessados e os demais trabalhado-
res, especialmente quanto a: a) acesso ao emprego,
inclusive aos empregos qualicados e às medidas de
promoção e ascensão; b) remuneração igual por tra-
balho de igual valor; c) assistência médica e social,
segurança e higiene no trabalho, todos os benefcios
(8) KAUFMANN, Roland; JAGGI, Vibeke. Swiss Supreme Court denes “very high remuneration” and sets a fra-
mework for manager’s remuneration. Disponível em: -
ment_EN_29_09_15def.pdf?utmsource=Mondaq&utm_medium=syndication&utm_campaing=View-Original>.
Acesso em: 25 jul. 2018.
da seguridade social e demais benefícios derivados
do emprego, bem como a habitação; d) direito de
associação, direito a se dedicar livremente a todas
as atividades sindicais para ns lcitos, e direito a
celebrar convênios coletivos com empregadores ou
com organizações patronais.” (gn)
Ver também *Discriminação positiva ou benigna
AÇÕES FANTASMAS OU AÇÕES ESPELHO OU INCENTIVE SHARE UNITS OU
TARGET SHARE UNITS
A gura das incentive share units (unidades
monetárias de incentivo), igualmente chamadas de
phantom shares (ações fantasmas), foi gestada pela
criatividade mercantil da famosa instituição nan-
ceira Credit Suisse. As incentive share units, tam-
bém chamadas no mundo corporativo de target share
units, ou simplesmente “ISU”, são parcelas de natu-
reza não trabalhista conexas ao contrato de emprego.
Ou seja, decorrem do contrato de trabalho, mas pos-
suem natureza eminentemente mercantil, neste pon-
to se assemelhando às stock options. Na verdade, as
phantom shares são espécies do gênero stock options
e, em razão de seu caráter eminentemente mercantil,
não gozam dos princípios de proteção salarial.
As “ISU” são verbas de incentivo que buscam
encorajar o empregado na busca de melhores resul-
tados, já que os valores recebidos, a título de bônus
de pagamento, sofrerão variações de acordo com o
melhor ou pior desempenho da empresa. Em outros
termos, é um mecanismo de estímulo concedido pelo
empregador ao empregado que permite o ganho do
deste último na valorização futura da empresa.
Assim, embora a concessão das ações de incentivo
seja oriunda do contrato de trabalho, o Empregado não
possui garantia de obtenção de um valor determinado,
tendo em vista as variações do mercado acionário, o
que revela a natureza mercantil da vantagem.
As ações fantasmas ou phantom shares envol-
vem a concessão de uma cota virtual de ações
resgatáveis após o período de carência, desde que
atendidas as condições previstas em regulamento.
Por esse sistema, o direito de resgatar as ações
somente se materializa em direito subjetivo após
o nal do prazo de carência xado pelo plano. Esse
período de carência é conhecido como “vesting”.
Logo, se o empregado se demitir antes de decorri-
do determinado período de carência (ou “vesting”)
poderá perder o direito ao resgate.
Sobre as “ISU” vale observar que, no direito
comparado, a Suprema Corte suíça já deniu cri-
térios objetivos para identicação da natureza jurí-
dica da parcela. Trata-se do critério da “very high
remuneration”.
Segundo a mais alta Corte suíça, se o emprega-
do recebe, a título de “ISU”, um valor muito alto
– maior que cinco vezes a remuneração média do
cargo –, este valor é legítima verba de incentivo e,
portanto, com nítida natureza comercial. Por outro
lado, se os valores recebidos a título de incentivo
não ultrapassarem cinco vezes o valor da remune-
ração média do cargo, entende-se que se tratam de
salário disfarçado e, portanto, deverão receber a
proteção legal da intangibilidade(8).
Assim, em regra, não há a correlação estabelecida
entre a prestação dos serviços e o ganho no resgate das
ações, pois estão envolvidos fatores alheios à empre-
sa, relacionados à valorização das ações no mercado.
No entanto, válido o critério adotado pela Suprema
Corte suíça como fator indicado ao intérprete na sem-
pre tormentosa identicação da natureza jurídica das
parcelas oriundas do contrato de trabalho.
A propósito do tema, o C. Tribunal Superior do
Trabalho entende que é lcita a cláusula que prevê
a perda de “ações fantasmas” (unidades monetárias
de incentivo) pelo empregado que pedir demissão
antes de decorrido o prazo de carência (“vesting”)
Raphael Miziara 23
xado pelo regulamento. Não há falar em sujeição
à vontade unilateral do empregador, mas na mera
expectativa de direito ao resgate das ações de incen-
tivo no curso do prazo de carência.” (ARR-2843-
80.2011.5.02.0030, Relatora Ministra: Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 18.11.2015,
8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20.11.2015).
No caso julgado, a 8ª turma do TST considerou líci-
ta cláusula que previa a perda de “ações fantasmas”
(ações de incentivo) pelo empregado que se demites-
se antes de decorrido o prazo de carência de três anos
xado pelo regulamento do Banco de Investimentos
Credit Suisse (Brasil) S.A.
O TST entendeu que o plano de ações é mera libe-
ralidade a favor do empregado, cuja aquisição foi
(9)  SERVAIS, Jean-Michel. Derecho internacional del trabajo. Buenos Aires: Heliasta, 2011. p. 186. Para um estudo
aprofundado sobre as convenções da OIT sobre “serviços de emprego” consultar: SERVAIS, Jean-Michel. Derecho
internacional del trabajo. Buenos Aires: Heliasta, 2011.
(10)  Essa Convenção, de n. 96, foi denunciada pelo Brasil em 1972, no Governo do então Presidente Emílio G.
Médici, pelo Decreto n. 70.224. Deixou de vigorar no plano interno em 14.1.73.
condicionada à sua permanência na empresa pelo
período de carência. Entendeu ainda que, no que tan-
ge ao elemento volitivo, a concessão da vantagem
não está sujeita ao puro arbítrio do empregador, mas
depende das vontades intercaladas das partes.
Igualmente, no caso concreto julgado, o emprega-
do manifestou a vontade de romper o vínculo empre-
gatício antes do encerramento do prazo de carência,
quando havia mera expectativa de direito.
Ver *phantom shares
Ver *incentive share units
Ver *target share units
Ver *vesting
AGÊNCIAS DE COLOCAÇÃO
Agências de colocação, também chamadas de
agências de angariação de mão de obra ou agências
de emprego ou, ainda, escritórios de emprego, con-
sistem em entidades, privadas ou públicas, com ou
sem ns lucrativos, que fazem cadastro de mão de
obra disponível no mercado para, posteriormente,
colocá-la à disposição de empregadores interessados.
O tema ganha relevo no moderno direito do tra-
balho, pois as antigas agências de colocação, outrora
operantes em estado físico, ressurgem com nova rou-
pagem, passando a atuar no mundo virtual, por meio
de websites que, mediante o pagamento de valores
dos candidatos a empregos, coletam currículos e os
colocam à disposição de empresas usuárias. Muitas
vezes referidas agências cobram, inclusive, porcen-
tagem sobre salários futuros como forma de paga-
mento por tê-los encaminhado a entrevistas ou vagas
de emprego.
Agências de colocação ou agências de angariação
de mão de obra, especialmente as privadas e com ns
lucrativos, inicialmente vedadas pela Convenção n. 34
da OIT, ganharam aceitação com o tempo. Conside-
rada muito rígida(9), a Convenção n. 34 da OIT foi
revisada em 1949 pela Convenção n. 96 da OIT que,
por sua vez, deixou aos Estados raticantes a opção
de proibir a existência de tais agências (Parte II) ou
de regular sua atividade (Parte III).
Segundo o art. 1º da Convenção n. 96 da OIT(10),
concernente aos Escritórios Remunerados de
Empregos, a expressão “escritório de empregos”
designa: a) os escritórios de colocação com ns
lucrativos, quer dizer, toda pessoa, sociedade, ins-
tituição, agência ou outra organização que serve de
intermediária para pronunciar emprego a um traba-
lhador para um empregador, com a nalidade de tirar
de um ou de outro proveito material direto ou indire-
to; esta denição não se aplica aos jornais ou outras
publicações, salvo àqueles cujo objeto exclusivo ou
principal é agir como intermediário entre os empre-
gadores e trabalhadores; b) os escritórios de coloca-
ção com ns não lucrativos, quer dizer, os serviços
de colocação das sociedades, instituições, agências
ou outras organizações que, mesmo não percebendo
proveito material, recebem do empregador ou do tra-
balhador, para os ditos serviços, uma taxa de entrada,
uma quota uma remuneração qualquer.
Como dito, a Convenção n. 96 da OIT foi rati-
cada pelo Brasil, mas, posteriormente, denunciada
vale esclarecer que a Convenção n. 96 foi revista
pela Convenção n. 181 da OIT, que dispõe sobre
24 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
Agências de Emprego Privadas que, em seu artigo
16º assim dispõe: A presente Convenção revê a con-
venção sobre as agências de colocação não gratui-
tas (revista), 1949, e a convenção sobre as agências
de colocação não gratuitas, 1933”. A de n. 181, que
reviu a n. 96 e a n. 34, não raticada pelo Brasil.
Essa revisão passou a admitir o funcionamento das
Agências de Emprego Privadas e foi feita pela OIT,
consciente da importância da exibilidade no fun-
cionamento dos mercados de trabalho”, bem como
considerando o contexto muito diferente em que ope-
ram as agências de emprego privadas, em relação às
condições que prevaleciam aquando da adopção da
convenção supracitada” (referindo-se à Convenção
n. 96) e “reconhecendo o papel que as agências de
emprego privadas podem desempenhar no bom fun-
cionamento do mercado de trabalho”.
A Convenção n. 181 passou a denir as agências
de colocação em seu artigo 1º, item I, da seguinte
forma, verbis: “1 — Para os efeitos da presente Con-
venção, a expressão “agência de emprego privada”
designa qualquer pessoa singular ou colectiva, inde-
pendente das autoridades públicas, que preste um ou
mais dos seguintes serviços referentes ao mercado de
trabalho: a) Serviços que visam a aproximação entre
ofertas e procuras de emprego, sem que a agência
de emprego privada se torne parte nas relações de
trabalho que da possam decorrer; b) Serviços que
consistem em empregar trabalhadores com o m de
os pôr à disposição de uma terceira pessoa, singular
ou colectiva (adiante designada ‘empresa utilizado-
ra’), que determina as suas tarefas e supervisiona
a sua execução; c) Outros serviços relacionados
com a procura de empregos que sejam determinados
pela autoridade competente aps consulta das orga-
nizações de empregadores e de trabalhadores mais
representativas, tais como o fornecimento de infor-
mações, sem que no entanto visem aproximar uma
oferta e uma procura de emprego especcas”.
Ao contrário do que possa parecer a Convenção
n. 181 não instituiu a prática do marchandage
que, em seu artigo 7º, proíbe expressamente qual-
quer tipo de retribuição pecuniária. Conra-se: “1
— As agências de emprego privadas não devem
impor aos trabalhadores, directa ou indirectamen-
te, no todo ou em parte, o pagamento de honorários
ou outros encargos. 2 — No interesse dos traba-
lhadores visados, a autoridade competente pode,
aps consulta das organizações de empregadores e de
trabalhadores mais representativas, autorizar derro-
gações ao disposto no n. 1 em relação a certas cate-
gorias de trabalhadores e para serviços especcos
fornecidos pelas agências de emprego privadas. 3 —
Qualquer membro que autorizar derrogações com
base no n. 2 deve, nos seus relatórios, ao abrigo do
artigo 22º da Constituição da Organização Interna-
cional do Trabalho, fornecer informações sobre as
mesmas e apresentar as razões que as justicam.”
Em que pese não vigorarem no plano interno as
disposições das Convenções ns. 96 e 181, fato é
que o Brasil raticou a Convenção n. 88, de junho
de 1948 (Decreto n. 41.721, de 25.6.57), que dispõe
sobre Organização do Serviço de Emprego, em pleno
vigor no plano interno.
Em razão dessa última Convenção, o Brasil deve
manter, e cuidar para que seja mantido, um servi-
ço público e gratuito de emprego. O art. 6º da referida
Convenção institui uma espécie de agência de colo-
cação ocial: “Art. 6 — O serviço de emprego deve
ser organizado de maneira a assegurar a ecácia
do recrutamento e da colocação dos trabalhadores;
para essa nalidade, deve: a) ajudar os trabalhadores
a encontrar emprego apropriado e os empregadores a
recrutar trabalhadores que convenham às necessida-
des das empresas; mais particularmente, deve, con-
forme as regras formuladas sobre o plano nacional:
I) registrar os pretendentes a empregos, anotar suas
qualidades prossionais, sua experiência e seus gos-
tos, interrogá-los para ns de emprego, examinar,
se necessário, suas aptidões fsicas e prossionais e
ajudá-los a obter, se preciso, uma orientação, uma
formação ou readaptação prossional; II) obter dos
empregadores informações precisas sobre os empre-
gos vagos noticados por eles ao serviço, e sobre
as condições que devem preencher os trabalhadores
que procuram; III) encaminhar para os empregos
vagos os candidatos que possuam as aptidões pro-
ssionais e fsicas exigidas; IV) organizar a com-
pensação da oferta e da procura de emprego de um
escritório a outro, quando o escritório consultado
em primeiro lugar não está em condições de colocar
convenientemente os empregos vagos, ou quando
outras circunstâncias o justiquem”.
Por m, convém mencionar que atualmente, no
Brasil, não existe regulamentação sobre agências
remuneradas de colocação. Inicialmente, o Decre-
to n. 62.756/68 chegou a regulamentar a atividade
das agências remuneradas de colocação e estabele-
cer que “agência de colocação com ns lucrativos,
isto é, tôda sociedade, instituição, escritrio ou outra
qualquer organização que sirva de intermediário
para procurar um emprêgo para um trabalhador ou
um trabalhador para um empregador, com o objetivo
Raphael Miziara 25
de obter de um ou de outro um benefício material dire-
to ou indireto” (art.1º, parágrafo único, alíenea “a”).
Ainda, que “agência de colocação sem ns lucra-
tivos, isto é, todo serviço de colocação das socieda-
des, instituições, agências ou outras organizações
que, sem buscar um benefcio material, perceba do
empregador ou do trabalhador, pelos seus servi-
ços somente jias, emolumentos ou contribuições
(art.1º, parágrafo único, alíenea “b”).
revogou totalmente o Decreto n. 62.756/68 e extinguiu
o Cadastro Geral das Agências de Colocação de
Mão de Obra, com ou sem ns lucrativos, públicas
ou privadas.
Com isso, como já dito acima, arma-se que
no Brasil, atualmente, não existe regulamentação
acerca da atividade de agenciamento de mão de
obra por empresas privadas. Pelo contrário, em
razão da Convenção n. 88 da OIT, raticada pelo
Brasil, o país deve manter, e cuidar para que seja
mantido, um serviço público e gratuito de empre-
go, organizado de maneira a assegurar a ecácia
do recrutamento e da colocação dos trabalhadores
(art. 6º, da Convenção n. 88).
Apesar de não raticada pelo Brasil, as disposi-
ções da Convenção n. 181, que permite a atividade
de agências de emprego privadas, mas desde que sem
ns lucrativos, podem ser aplicadas com base no art.
8º da CLT, em razão da lacuna normativa existente.
Igualmente, pode-se aplicar analogicamente o art. 18
da Lei n. 6.019/74 que veda qualquer cobrança do
trabalhador temporário.
A propósito, o Ministério Público do Trabalho já
acionou agências de emprego on line que cobram
salários futuros por serviços de encaminhamen-
to a vagas. Na referida ação, que tramita peran-
te o TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) (autos n.
0100038-59.2017.5.01.0070)(11), o MPT aduz que
nos pases que raticaram a convenção da OIT, os
serviços prestados pelas agências são pagos pelos
empregadores, não pelos empregados. Não se quer
impedir ou extinguir a atividade econômica do réu,
mas apenas discipliná-la em atenção aos princ-
pios constitucionais e à ordem jurdica trabalhista.
Obviamente que o réu poderá continuar a exercer
sua atividade, mas prestando o serviço ao empre-
gador, que é quem deve arcar com os custos do
(11)  Até a data de fechamento da presente edição, o acórdão, datado de 4 de julho de 2018 e que majorou o valor da
indenização por danos morais coletivos para nove milhões de reais, ainda não havia transitado em julgado.
recrutamento, como claramente preconiza a OIT”,
armou o membro do MPT, Cássio Casagrande.
No processo em referência, em primeiro grau,
a agência on line foi condenada ao pagamento de
danos morais coletivos que em segundo grau foram
majorados para R$ 9.000.000,00 (nove milhões de
reais), em acórdão que cou assim ementado:
A colocação de trabalhadores no merca-
do de trabalho não pode servir ao lucro
abusivo de empresa que é apenas a
intermediária da mão de obra. Aplicação
analgica do artigo 18 da Lei 6.019/74
que veda qualquer cobrança do traba-
lhador temporário, por mera intermedia-
ção dos serviços. Os atos praticados têm
repercussão coletiva porque afrontam
preceitos fundamentais da Constituição
Federal de 1988, tais como o princpio da
dignidade do trabalhador e o valor social
do trabalho, previstos no art. 1º, III e IV,
bem como a garantia de acesso ao mer-
cado de trabalho que se extrai do art. 6º
da CRFB/88, e a reparação moral precisa
ser signicativa para cobrir os aspectos
lenitivo, dissuasrio e exemplar, donde
a respectiva indenização deve ser xada
de forma proporcional à certeza de que o
ato ofensivo não que impune segundo as
possibilidades econômicas do ofensor, e
que assim lhe sirva de desestmulo a prá-
ticas que possam retirar do trabalhador a
dignidade, o que justica a majoração da
reparação moral para R$ 9.000.000,00
(nove milhões de reais), valor adequado
à reparação, em consonância com o prin-
cpio da razoabilidade, consubstancia-
do no parágrafo único do artigo 944 do
Cdigo Civil. (TRT 1ª Região – Processo
n. 0100038-59.2017.5.01.0070 (RO)
ACP – RECORRENTES: MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO e MANA-
GER ONLINE SERVIÇOS DE INTER-
NET LTDA; RECORRIDA: OS MES-
MOS; RELATOR: DESEMBARGAD OR
THEOCRITO BORGES DOS SANTOS
FILHO; julgamento: 04.07.2018)
Como se vê, as agências de colocação caracte-
rizam-se pelo fato de serem meras intermediárias
de uma contratação direta entre um trabalhador e
um empregador interessado. Elas simplesmente
26 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
cada stram trabalhadores e empregadores interessados
e, na medida das possibilidades cadastrais, apresen-
tam uns aos outros, favorecendo a formação de vín-
culos contratuais de empregos diretos.
(12)  ALONSO OLEA, Manuel. Introducción al derecho del trabajo. Sexta Edición, Editorial Civitas, Madrid 2002.
p. 75. Essa é também a visão de Américo Plá Rodriguez, que assinalou: “Lo esencial y denitivo del Trabajo por
cuenta ajena está en la atribución originaria, en que los frutos, desde el momento mismo de su producción, pertene-
cen a otra persona, nunca al trabajador” (PLÁ RODRÍGUEZ, Américo. A propósito de las fronteras del Derecho del
Trabajo. In: Estudios sobre Derecho Laboral. Homenaje a Rafael Caldera. Tomo I. Universidad Católica Andrés Bello.
Editorial Sucre. Caracas 1977. p. 327)
Por m, segue tabela sobre as Convenções da OIT
relacionadas ao tema, levando-se em consideração a
situação do Brasil em relação a cada uma delas:
Título Objeto Situação do Brasil
Convenção 34
(1933)
Sobre as agências
remuneradas de colocação
Impõe a supressão gradativa
das agências remuneradas de
colocação.
Não raticada pelo
Brasil.
Convenção 88
(1948)
Sobre a Organização do
Serviço de Emprego
O país que raticar deve
manter e cuidar para que seja
mantido, um serviço público e
gratuito de emprego.
Raticada em 25 de
abril de 1957 e em
vigor.
Convenção 96
(1949)
Concernente aos
Escritórios Remunerados
de Empregos
Revisa a Convenção 34 e
deixou aos Estados raticantes
a opção de proibir a existência
de tais agências ou de regular
sua atividade.
Raticada em
21.06.1957 e
denunciada em
01.03.1972. Não está
em vigor no plano
interno.
Convenção
181 (1997)
Relativa às Agências de
Emprego Privadas
Reviu a Convenção n. 96
e permite as agências de
emprego privada, mas desde
que sem ns lucrativos.
Não raticada pelo
Brasil.
AJENIDAD
Sabe-se que o elemento subordinação é a “ponte de
ouro” para a relação de emprego e, por consequência,
de todo o manto protetivo trabalhista. Ausente a subor-
dinação, não há que se falar em relação de emprego e
sua consequente tutela.
Acerca da identicação e caracterização do ele-
mento subordinação, de grande valia se mostra o
instituto espanhol da “ajenidad”, pois ele pode
socorrer o intérprete na identicação e caracteriza-
ção do verdadeiro autônomo.
Com efeito, a presença dos elementos do contra-
to de trabalho, em especial a subordinação, é essen-
cial para decifrar, diante de uma zona fronteiriça ou
grise entre o direito do trabalho e o direito comum,
qual a vinculação jurídica adequada para regular a
situação. Nesses casos, recomenda-se ao intérprete
a utilização de um feixe de indícios para determinar,
com convicção, se o caso estabelecido abarca um
trabalhador autônomo ou se, em verdade, se trata de
um empregado, submetido, portanto, ao regime de
proteção do direito do trabalho.
Dentre esses indícios, a doutrina espanhola inclui,
como elemento do contrato de trabalho, a “ajenidad”
que, grosso modo, signica alheamento ou alienação.
Signica dizer que o verdadeiro empregado é colo-
cado alheio aos riscos (“ajenidade” dos riscos), aos
meios de produção (“ajenidad” dos meios de pro-
dução), ao mercado (“ajenidad” do mercado) e aos
frutos do trabalho (“ajenidad” dos frutos). Como se
nota, a “ajenidad” possui várias facetas.
O alheamento aos frutos ou à titularidade da pro-
dução signica, na lição de Manuel Alonso Olea, que
os frutos do trabalho pertencem inicialmente a pessoa
distinta da que executa o labor. Em outros termos, os
frutos do trabalho são de propriedade originária do
empregador.(12) Assim, na sempre preciosa lição de
Supiot, enquanto ao trabalhador autônomo é sempre
reconhecido um direito sobre o objeto do seu trabalho,
Raphael Miziara 27
nada de semelhante existe em proveito do assalaria-
do, para ao qual é total o divórcio entre, por um lado,
o objetivo (a causa nal do trabalho) e, por outro, o
objeto desse trabalho, que permanece, do princípio ao
m da execução do contrato, coisa do empregador.(13)
Por sua vez, o alheamento dos fatores de produ-
ção revela que o empregado não organiza atividade
econômica para produção ou circulação de bens ou
de serviços, em outros termos, o empregador é o pro-
prietário dos meios de produção e, por consequência,
organiza e dirige o processo produtivo, de modo que
o trabalhador se insere na empresa como uma “peça”
necessária para o desenvolvimento normal do pro-
cesso produtivo.
De outro lado, na “ajenidad” dos riscos(14) o traba-
lho é prestado por conta alheia, de modo que cabe ao
empregador assumir os riscos do empreendimento. A
propósito, calha a lição de Alain Supiot, ao lecionar que
“enquanto a atividade do trabalhador independente põe
em jogo o seu próprio patrimônio (e, nomeadamente, a
sua própria clientela), a do trabalhador põe em jogo o
patrimônio de outrem”.(15) No mesmo sentido, Bayon
Chacon e Perez Botija, ao tratarem sobre a alienação
dos riscos, armam que “sobre el empresario recaiga
el resultado económico, favorable o adverso, sin que el
trabajador sea afectado por el mismo, ni exista, pues,
paticipación suya em el riesgo económico”.(16)
Por m, na “ajenidad” do mercado, segundo
Manuel-Ramón Alarcón Caracuel, citado por Lorena
Porto, ocorre a desconexão jurídica entre o trabalha-
dor e o destinatário nal do produto de seu trabalho,
pois entre eles está a gura do empregador. É dizer,
no trabalho autônomo há uma bipolaridade entre o
consumidor e o trabalhador autônomo. Já na relação
de emprego, fala-se em tripolaridade, pois o fruto do
(13)  SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 82.
(14)  A doutrina brasileira muitas vezes, equivocadamente, tem tratado a “ajenidad” dos riscos como sinônimo de
princípio da alteridade. Em verdade, “trabajo por cuenta ajena” (ajenidad) em nada se cunfunde com “alteridade”.
Esta última deriva do latim “alter”, que signica “outro”. Logo, alteridade não signica trabalho por conta alheia,
mas sim trabalho em benefício de outrem. É uma característica da relação de trabalho pela qual o trabalho é presta-
do em benefício de outro (o empregador), em troca de salário. Essa é a percepção de Bayon Chacon e Perez Botija,
In: Manual de derecho del trabajo. volumen I. Madrid: Marcial Pons, 1974. p. 11 e 16.
(15)  Idem. Ibidem.
(16)  CHACON, Bayon; BOTIJA, Peres. Manual de derecho del trabajo. volumen I. Madrid: Marcial Pons, 1974. p. 16.
(17)  PORTO, Lorena Vasconcelos. Por uma releitura do conceito de subordinação: a subordinação integrativa. In: POR-
TO, Lorena Vasconcelos; ROCHA, Cláudio Jannoi da. Trabalho: diálogos e críticas. São Paulo: LTr, 2018. p. 63.
(18)  Idem. p. 68.
trabalho do empregado, ao ser colocado no mercado,
o é por intermédio do empregador, ou seja, o emprega-
do não se lança diretamente no mercado. Com efeito,
na relação de emprego há a presença de um terceiro
(empregador) que se coloca entre o trabalhador e o
cliente, “rompendo” ou impedindo que nasça a rela-
ção jurídica com o destinatário nal (clientes).(17)
Por isso, concorda-se com o conceito de subordina-
ção integrativa, que conjuga a noção de subordinação
objetiva com os critérios que excluem a autonomia,
podendo ser assim denida:
A subordinação, em sua dimensão inte-
grativa, faz-se presente quando a presta-
ção de trabalho integra as atividades exer-
cidas pelo empregador e o trabalhador
não possui uma organização empresarial
própria, não assume riscos de ganhos ou
de perdas e não é proprietário dos frutos
de seu trabalho, que pertencem, original-
mente, à organização produtiva alheia
para a qual presta a sua atividade.(18)
Portanto, no caso concreto, para a correta aná-
lise da existência ou não da relação de emprego,
deve o intérprete percorrer o seguinte caminho:
primeiro, verifica-se se o trabalhador se insere
nos fins do empreendimento, ou seja, na dinâmi-
ca do negócio (subordinação objetiva). Presente
a subordinação objetiva, passa-se então à verifi-
cação das diversas formas de “ajenidad” ou alie-
nação. Se qualquer uma delas estiver ausente, o
indivíduo não é empregado, mas sim, autônomo.
Dito de outro modo, só haverá relação de emprego
se, na relação fática, o empregado estiver alheio
aos riscos, aos meios de produção, ao mercado e
aos frutos do trabalho.
APOSENTADORIA VALETUDINÁRIA OU GRANDE INVALIDEZ
Valetudinário é palavra derivada do latim vale-
tudinarius”, que signica doença, enfermidade ou
invalidez. Além disso, o “valetudinaria” dos Roma-
nos, na Roma Antiga, era um tipo de hospital mili-
28 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
tar construído na maioria dos castelos para atender
os chamados valetudinários, ou seja, doentes. Sua
origem remonta ao Século I a.C. e possuíam dife-
rentes nalidades. Em geral, constituíam-se como
estabelecimentos destinados a recolher e cuidar de
familiares idosos, doentes e escravos, pertencendo
a famílias proprietárias de terras.(19) Assim, valetu-
dinário pode signicar tanto o estabelecimento de
saúde em si, como aquele que é sujeito a enfermidades
ou o que se apresenta doente.
No campo do direito, a aposentadoria valetudinária,
também conhecida por “grande invalidez”, é aquela
prevista no art. 45 da Lei n. 8.213/91 – que dispõe
sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social
–, na qual o segurado aposentado por invalidez neces-
sita da assistência permanente de outra pessoa. Nessa
hipótese, segundo o caput do referido dispositivo, o
valor da aposentadoria por invalidez do segurado que
necessitar da assistência permanente de outra pessoa
será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).
Nos termos do parágrafo único do art. 45 em
comento, o acréscimo referido: a) será devido ainda
que o valor da aposentadoria atinja o limite máxi-
mo legal; b) será recalculado quando o benefício
que lhe deu origem for reajustado; e, c) cessará com
a morte do aposentado, não sendo incorporável ao
valor da pensão.
Sobre o tema, paira controvérsia acerca da pos-
sibilidade de extensão do acréscimo de 25% para
outros tipos de aposentadoria, além da aposentadoria
por invalidez.
Com fulcro na aplicação do princípio da isonomia,
há julgados no sentido de concessão do adicional
de 25% (vinte e cinco por cento) também em outras
modalidades de aposentadoria (por idade, por tempo
de contribuição etc.). A título de exemplo, em julga-
mento do ano de 2015 a Turma Nacional de Unifor-
mização de Jurisprudência dos Juizados Especiais
Federais concedeu o adicional 25% a um titular de
aposentadoria por tempo de contribuição. O relator do
caso concluiu que “o acréscimo de 25% é um adicio-
nal previsto para amparar aqueles que necessitam de
auxlio de outra pessoa, não importando se a inva-
lidez é decorrente de fato anterior ou posterior à
aposentadoria”.
Na mesma linha, o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região entendeu ser devido o acréscimo de 25% inde-
pendentemente da espécie de aposentadoria, desde
que se faça necessário o auxílio permanente de outra
(19)  CARAPINHEIRO, Graça. Saberes e poderes no hospital. Porto: Edições Afrontamento, 1998.
pessoa. Atende-se, assim, aos princípios da dignida-
de da pessoa humana e da isonomia (TRF 4ª Região;
Apelação Cível n. 0017373-51.2012.404.9999/RS;
Relator: Des. Federal Rogério Favreto).
No julgamento, fundamentou-se que “a doença,
quando exige apoio permanente de cuidador ao
aposentado, merece igual tratamento da lei a m
de conferir o mínimo de dignidade humana e sobre-
vivência, segundo preceitua o art. 201, inciso I, da
Constituição Federal”, de modo que “a aplicação
restrita do art. 45 da Lei n. 8.213/1991 acarreta vio-
lação ao princpio da isonomia e, por conseguinte,
à dignidade da pessoa humana, por tratar iguais de
maneira desigual, de modo a não garantir a determi-
nados cidadãos as mesmas condições de prover suas
necessidades básicas, em especial quando relacio-
nadas à sobrevivência pelo auxlio de terceiros dian-
te da situação de incapacidade fsica ou mental”.
Igualmente, “o acréscimo previsto na Lei de
Benefcios possui natureza assistencial em razão
da ausência de previsão especca de fonte de cus-
teio e na medida em que a Previdência deve cobrir
todos os eventos da doença. O descompasso da lei
com o contexto social exige especial apreciação do
julgador como forma de aproximá-la da realidade
e conferir efetividade aos direitos fundamentais. A
jurisprudência funciona como antecipação à evolu-
ção legislativa. A aplicação dos preceitos da Con-
venção Internacional sobre Direitos da Pessoa com
Deciência assegura acesso à plena saúde e assis-
tência social, em nome da proteção à integridade
fsica e mental da pessoa deciente, em igualdade
de condições com os demais e sem sofrer qualquer
discriminação”.
Desse modo, concluiu-se que “o m jurdico-po-
ltico do preceito protetivo da norma, por versar
de direito social (previdenciário), deve contemplar
a analogia teleolgica para indicar sua nalidade
objetiva e conferir a interpretação mais favorável à
pessoa humana. A proteção nal é a vida do idoso,
independentemente da espécie de aposentadoria”.
Em resumo, o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região deferiu o acréscimo tomando como pre-
missas: (a) o fundamento constitucional da segu-
ridade social, suas nalidades e princípios, (b) o
princípio da igualdade e a proibição de discrimina-
ção entre segurados aposentados que experimentam
invalidez e necessitam de cuidados de terceiros, (c)
o sistema jurídico previdenciário infraconstitucional
e (d) a relevância por ele atribuída ao fenômeno da
Raphael Miziara 29
invalidez como risco social protegido, conclui-se que
se trata de lacuna legal, a ser suprida pela aplicação
de igual direito ao caso concreto. A partir dessas
premissas, e utilizando-se da analogia, para suprir a
lacuna legal, considerou que, na espécie, “tratava-se
de pessoa com alto grau de invalidez e que necessita
de cuidados permanentes de terceiros”.
O Instituto Nacional da Seguridade Social enten-
de de forma diversa. Sustenta que de acordo com o
artigo 1º da Lei de Benefícios o acréscimo só pode se
dar mediante contribuição. Assim, para a autarquia
previdenciária, não há nada de caráter assistencial
no adicional de 25% do artigo 45, pois ele integra o
texto da Lei n. 8.213/91, cujo artigo 1º, que é norma
orientadora para interpretar todos os demais artigos
da mesma lei, dispõe que ele é devido mediante
contribuição.
A divergência de teses, contudo, foi resolvida
pelos tribunais superiores. A propósito, a Primeira
Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ determi-
nou que seja suspensa em todo o território nacional a
tramitação de processos individuais ou coletivos que
discutam o tema.
A decisão foi tomada pelo colegiado ao determi-
nar a afetação do Recurso Especial 1.648.305 para
julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (artigo
está cadastrado sob o número 982 no sistema de
recursos repetitivos, com a seguinte redação: “Aferir
a possibilidade da concessão do acréscimo de 25%,
previsto no artigo 45 da Lei 8.213/91, sobre o valor
(20)  Conferir a expressão “Lookism” que, em breve síntese, signica a construção de um “standard” ou padrão de
beleza, atração e julgamentos sobre pessoas com base no quão bem ou mal essas pessoas se enquadram no referido
padrão. Em outros termos, é uma forma de discriminação com base na aparência.
do benefício, em caso de o segurado necessitar de
assistência permanente de outra pessoa, indepen-
dentemente da espécie de aposentadoria”.
O cerne da controvérsia, portanto, estava em
estabelecer se o adicional de 25%, previsto para o
segurado aposentado por invalidez, que necessitar da
assistência permanente de outra pessoa – na forma
do art. 45 da Lei 8.213/91 –, pode ser estendido, ou
não, a outros segurados, os quais, apesar de também
necessitarem da assistência permanente de terceiros,
são beneciários de outras espécies de aposentado-
ria, diversas da aposentadoria por invalidez.
O STJ entendeu que comprovada a necessidade de
assistência permanente de terceiro, é devido o acrés-
cimo de 25%, previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91,
a todas as modalidades de aposentadoria pagas pelo
INSS. Apesar de o art. 45 da Lei n. 8.213/91 falar
apenas em “aposentadoria por invalidez”, o STJ
entendeu que se pode estender esse adicional para
todas as demais espécies de aposentadoria (especial,
por idade, tempo de contribuição) (STJ. 1ª Seção.
REsp 1.720.805-RJ e 1648305-RS, Rel. para acórdão
Min. Regina Helena Costa, julgados em 23.08.2018)
(recurso repetitivo).
Por m, vale registrar que o acréscimo de 25%
será devido ainda que o valor pago ao segurado supe-
re o teto legal do RGPS. Outrossim, para o recebi-
mento dos 25% a mais na aposentadoria, a Lei não
exige que o aposentado comprove que paga alguém
para cuidar dele.
ASCHIMOFOBIA
A expressão “aschimofobia” é um neologismo
derivado das palavras gregas “áschimos” e “fobos
que, respectivamente, signicam “feio” e “medo” ou
“aversão”. Em direito do trabalho, a palavra é utili-
zada para indicar a discriminação estética ou, mais
especicamente, a discriminação levada a efeito con-
tra empregados ou candidatos a emprego feios, assim
entendidos aqueles que não se adequam ao padrão de
beleza imposto pelo senso comum em determinado
período histórico.
De forma mais especíca, pode-se dizer que a “aschi-
mofobia” é uma espécie do gênero discriminação pela
aparência (“lookism(20)), pois a discriminação por
aparência pode se dar por diversos outros motivos
que não seja a feiura, tais como, a cor do cabelo ou
da pele, a altura, o uso de adereços como piercings,
tatuagens, determinado tipo de vestuário ou indu-
mentária etc. Uma pessoa pode ser bonita e, mesmo
assim, sofrer discriminação pela aparência por, por
exemplo, possuir uma tatuagem no pescoço.
Entende-se que usar o critério ‘aparência física’
para a seleção de trabalhadores deve ser tratado como
conduta discriminatória e, portanto, ilícita, e não como
um fato da vida a ser tolerado pela sociedade. Com
30 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
efeito, pautar o processo de seleção por critérios exclu-
sivamente visuais reduz substancialmente o acesso de
pessoas capacitadas ao mercado de trabalho.(21)
Diversos casos emblemáticos podem ser menciona-
dos para ilustrar a prática da discriminação contra os
menos aquinhoados esteticamente. Mas, dois se desta-
cam. O primeiro deles é o da famosa rede de lanchone-
tes Hooters, famosa por manter uma homogeneidade
de aparência entre suas garçonetes. Todas do sexo
feminino – evidenciando-se, também, uma discrimi-
nação em razão do gênero –, altas, magras, com bus-
to avantajado e corpo escultural. Segundo a própria
empresa, ela não vende apenas hambúrgueres, mas
também sex appeal feminino. Hooters é inclusive
conhecido como um “breastaurant” (“breast” é pala-
vra inglesa que signca peito), por ser um estabeleci-
mento que apresenta mulheres seminuas para atender
a uma clientela masculina. Como tal, a “Garota Hoo-
ters”, argumenta a empresa, é uma parte essencial de
seus negócios.
A rede de lanchonetes já enfrentou diversas ações
por contratar apenas pessoas do sexo feminino.(22)
Em um dos casos, a Corte Distrital do Estado de
Illinois considerou discriminatória conduta da rede
de somente contratar jovens do sexo feminino. A
ação foi iniciada por candidatos homens cuja con-
tratação fora vedada. A empresa alegou que vendia
sex appeal” feminino e que seus clientes não iam ao
restaurante apenas em razão de seus hambúrgueres,
mas também por causa das garçonetes. A decidiu que
o restaurante poderia vender também “sex appeal
masculino, sendo injusticável e discriminatório o
critério de seleção, mesmo em razão do objeto da
empresa. Para por m ao processo, foi feito um acor-
do no qual os reclamantes receberam dois milhões de
dólares. Além disso, o Hooters concordou em criar
três tipos de posições (cargos), quais sejam, Sta,
Service Bartender e Host, que seriam neutros em
relação ao gênero.
No Brasil, a prática de vender “sex appeal” parecer
estar se tornando comum. Determinados restaurantes
(21)  Para maior aprofundamento sobre o tema, consultar: RODRIGUES JÚNIOR, Edson Beas. Discriminação visual
e suas diversas dimensões: aschimofobia, discriminação etária, discriminação étnico-racial e discriminação cultural.
In: Revista LTr, Volume 79, n. 9, set./2015. p. 63.
(22)  Ver Latuga v. Hooters, Inc., n. 93 C 7709, 94 C6338, 1996 WL 164427, at *1 (N.D. Ill. Mar. 29, 1996). Os detalhes
do caso podem ser encontrados em:
(23)  A respeito, conferir: -
para-servir-mas-para-criar-um-clima.html>. Acesso em: 07 ago. 2018.
(24)  Rede Abercrombie é acusada de discriminação. Disponível em: < hps://economia.estadao.com.br/noticias/geral,re-
de-abercrombie-e-acusada-de-discriminacao >
(25)  RODRIGUES JÚNIOR, Edson Beas. Discriminação visual e suas diversas dimensões: aschimofobia, discriminação
etária, discriminação étnico-racial e discriminação cultural. In: Revista LTr, Volume 79, n. 9, set/2015. p. 63.
contratam apenas garçons com determinado padrão
visual, em manifesta prática de discriminação visual.(23)
Outro caso emblemático é da conhecida marca
de roupas Abercrombie & Fitch. O próprio CEO
da marca, Mike Jeries, armou publicamente que
“não produz roupas para pessoas gordas”. Mas, a
discriminação não era só em relação aos clientes.
A empresa já enfrentou vários processos nas quais
foi acusada de discriminação visual por só contratar
empregados “jovens e sarados”. Em uma entrevista
em 2006 ao site de notícias salon.com, citado pelo
órgão de direitos humanos da França, onde a empre-
sa é investigada, Mike Jeries admitiu que recrutava
pessoal atraente por razões de marketing. “É por isso
que contratamos pessoas de boa aparência em nossas
lojas”, disse ele na entrevista. “Porque as pessoas de
boa aparência atraem outras pessoas de boa aparên-
cia, e queremos vender para pessoas de boa aparên-
cia”, armou.(24)
A doutrina defende que quando há certa homoge-
neidade estética em determinada empresa isso não
signica que se está praticando discriminação, mas
a ausência de diversidade, representada por um qua-
dro de empregados homogêneo, é um forte indício
de discriminação. Nesses casos, como é algo que
foge ao normal, mormente em uma sociedade tão
diversa e multicultural como a brasileira, deve o
ônus da prova ser distribuído dinamicamente, atri-
buindo-se ao empregador o ônus quanto à ausência
de prática discriminatória, devendo provar que não
pratica qualquer discriminação no processo sele-
tivo, pois oferece oportunidades iguais a todos os
candidatos.(25)
Em relação a pessoas gordas, o C. Tribunal Supe-
rior do Trabalho entende lícita a dispensa sem jus-
ta causa, desde que se trate de empresa cujo objeto
social é justamente vender produtos relacionados a
um estilo de vida tness. É o caso da empresa “vigi-
lantes do peso”. Segundo o Tribunal Superior do
Trabalho, “agura-se razoável que, tratando-se a
ora reclamada de uma empresa que pretende comer-
cializar produtos e serviços voltados ao emagreci-
Raphael Miziara 31
mento, estabeleça determinados padrões a serem
observados por seus empregados, pois do contrário
estará totalmente esvaziada qualquer mensagem ou
discurso propagado pela “orientadora” do segmen-
to. Assim sendo, não se verica a alegada ilicitude
e nulidade da cláusula regulamentar que exigia a
manutenção do ‘peso ideal’ da empregada que se
(26)  HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redenindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowier.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 17.
(27)  ARAUJO, Adriana Reis de. Assédio moral organizacional. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília,
vol. 73, no 2, abr./jun. 2007.
(28)  RR-20449-52.2014.5.04.0292; Data de Julgamento: 23.05.2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Bel-
monte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25.05.2018.
propôs ao exerccio das funções inerentes à ativida-
de essencial da empregadora, qual seja, Vigilantes
do Peso” (RR-2462-02.2010.5.02.0000, Data de Jul-
gamento: 27.02.2013, Redator Ministro: Renato de
Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT
26.03.2013).
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL
Marie-France Hirigoyen dene o assédio moral
como “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra,
comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição
ou sistematização, contra a dignidade ou integridade
psquica ou fsica de uma pessoa, ameaçando seu
emprego ou degradando o clima de trabalho”.(26)
O assédio moral também pode se dar de forma
coletiva ou difusa, espraiado por toda a organização
empresarial. Quando ocorre de forma difusa e com o
objetivo de aumentar a produção empresarial, surge
o assédio moral organizacional, já que espalhado por
boa parte da organização.
Pode-se conceituar o assédio moral organizacio-
nal, também denominado gestão por injúria, ges-
tão por estresse, assédio moral coletivo ou assédio
moral difuso, como a conduta sistemática de degra-
dação do meio ambiente de trabalho, com vistas a
incrementar a produtividade, geralmente por meio
de exigência de metas inalcançáveis ou de difícil
cumprimento, podendo ou não ser acompanhada de
ofensas ou humilhações.
A intenção é criar um clima de medo, de modo
que o empregado se sinta sempre ameaçado, como se
estivesse sob sua cabeça com a espada de Dâmocles.
Ao tratar do assédio moral organizacional, Adria-
na Reis de Araújo diz que:
Soma-se a esse quadro hostil, a adesão
por algumas empresas à violência psi-
cológica ou violência invisível para o
controle da subjetividade dos trabalha-
dores, expressando modelos abusivos de
gestão de mão-de-obra, como a gestão
por injúria, gestão por medo ou gestão
por estresse. O assédio moral difuso e
fomentado pela empresa surge assim
como mais um instrumento de controle e
disciplina da mão-de-obra. Sua peculia-
ridade permite denominá-lo de assédio
moral organizacional.(27)
A mesma autora dene o assédio moral orga-
nizacional como a prática sistemática, reiterada e
frequente de variadas condutas abusivas, sutis ou
explícitas contra uma ou mais vítimas, dentro do
ambiente de trabalho, que, por meio do constrangi-
mento e humilhação, visa controlar da subjetividade
dos trabalhadores. Para ela, o controle da subjetivi-
dade abrange desde a anuência a regras implícitas ou
explícitas da organização, como o cumprimento de
metas, tempo de uso do banheiro, método de traba-
lho, até a ocultação de medidas ilícitas, como sone-
gação de direitos (registro em Carteira de Trabalho,
horas extras, estabilidade no emprego) ou o uso da
corrupção e poluição pela empresa.
O Tribunal Superior do Trabalho já entendeu carac-
terizado o assédio moral organizacional na conduta da
empresa que busca atingir metas econômicas mediante
a imposição de condutas humilhantes aos seus empre-
gados como incentivo à produtividade, sem atentar
para a dignidade da pessoa humana e nem para a fun-
ção social da empresa, bem menos cuidando do meio
ambiente de trabalho como um local de valorização
do homem (o trabalho não é uma mercadoria).(28)
Igualmente, entendeu que a prática motivacional
engendrada por determinada empresa, ao constran-
ger seus empregados a diariamente entoarem canto
32 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
motivacional “cheers” acompanhado de coreogra-
a, exorbita os limites do poder diretivo e incor-
re em prática de assédio moral organizacional.
Segundo o TST, as estratégias de gestão voltadas
à motivação e ao engajamento dos trabalhadores
que se utilizam da subjetividade destes devem ser
vistas com cuidado, pois uma ‘brincadeira” coleti-
va, que pareça alegre aos olhos de uns, pode expor
(29)  RR-20106-17.2014.5.04.0305; Data de Julgamento: 02.05.2018, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04.05.2018.
a constrangimento aqueles empregados que não
se sentem confortáveis com determinados tipos de
atividades estranhas às tarefas prossionais para as
quais foram contratados. Portanto, segundo o TST,
não há que se falar em caráter “lúdico” quando se
evidenciam circunstâncias de submissão e domina-
ção dos trabalhadores.(29)
ASSÉDIO PROCESSUAL
Assédio processual pode ser entendido como a
atuação da parte que, por meio do abuso do direito
de defesa, pratica atos atentatórios à dignidade da
justiça, sem observar os deveres de lealdade e boa-
-fé processuais, de modo que tais atos proporcionam
excessiva demora na prestação jurisdicional, com o
propósito deliberado e ilícito de obstruir ou retardar
a efetiva prestação jurisdicional ou prejudicar a parte
contrária, bem como minar a resistência dessa últi-
ma, até que ela que desestimulada e, quem sabe,
desista do processo.
O assediante, ao atuar dentro da relação jurídica
processual, possui objetivos escusos, quais sejam,
retardar a prestação jurisdicional e/ou prejudicar
dolosamente a parte contrária, por meio do exercício
reiterado e abusivo das faculdades processuais, mas
o faz geralmente sob a dissimulada alegação de estar
exercendo o seu direito de contraditório e de ampla
defesa.
A toda vista, é uma modalidade de abuso do
direito ao contraditório e à ampla defesa, pois há
deliberada utilização de sucessivos instrumentos
procedimentais lícitos com a única finalidade de
alongar desarrazoadamente a solução da contro-
vérsia e, assim, atingir a esfera psicológica da
parte adversa.
O Tribunal Superior do Trabalho já enfrentou o
tema:
ASSÉDIO PROCESSUAL 4.1. O assédio proces-
sual consiste em modalidade de abuso do direito ao
contraditório e à ampla defesa. É ideia que descende
da construção dogmática do assédio moral, exigindo
gravidade substancial, extraída de comportamen-
to reiterado do litigante, capaz, inclusive, de gerar
efeitos sobre o ânimo de seu oponente, para além de
ferir a própria autoridade do Poder Judiciário. Assim,
caracteriza-se pela deliberada utilização de sucessi-
vos instrumentos processuais lícitos, com a nalidade
de alongar, des arrazoadamente, a solução da controvér-
sia e, de tal modo, atingir a esfera psicológica da parte
adversa. 4.2. Como toda espécie de abuso de direito, o
assédio processual é considerado ato ilícito no ordena-
mento, o que, somando-se à existência do dano moral,
gera o dever de indenizar. Nessa direção, conra-se a
dicção dos arts. 187 do Código Civil e 16 do CPC. [...]
(RO-293-76.2012.5.09.0000, Relator Ministro: Alberto
Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento:
02.02.2016, Subseção II Especializada em Dissídios
Individuais, Data de Publicação: DEJT 12.02.2016)
Considerando que o assédio processual atinge
principalmente a saúde psicológica da vítima, o dano
a ser reparado, em regra, é de natureza moral.
É preciso, no entanto, chamar a atenção para o fato
de que a mera utilização de expedientes processuais
de forma protelatória não congura, por si só, assé-
dio processual. Esse somente se caracteriza se a par-
te agir em desconformidade com o dever jurídico de
lealdade processual, na forma estatuída pelo art. 80
do CPC. Isso porque o assédio processual pressupõe
a conguração de dolo da parte no entrave no anda-
mento do processo em nítida deslealdade processual.
Logo, é preciso que que evidenciado o nítido intuito
de protelar o andamento do feito, abusando no exer-
cício do seu direito ao contraditório e à ampla defesa
Por m, a vericação do assédio processual,
modalidade de litigância de má-fé, deve ter em conta
as peculiaridades do caso concreto, considerando a
potencialidade da conduta praticada, a reiteração da
conduta, a seriedade das argumentações apresenta-
das, a fase processual, o objetivo a ser alcançado e a
repercussão dos atos protelatórios na parte adversa.
Raphael Miziara 33
ATIVIDADE EM SENTIDO ESTRITO
(30)  Martinez, Luciano. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
(31)  Idem. Ibidem.
(32)  OLIVEIRA, Fábio de. A persistência da noção de ato inseguro e a construção da culpa: os discursos sobre os aci-
dentes de trabalho em uma indústria metalúrgica. In: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 32(115):
19-27, 2007. p. 20.
Contrato de trabalho é diferente de contrato de
atividade em sentido estrito. Na lição de Luciano
Martinez, atividade é um gênero que comporta duas
espécies, a saber: o trabalho e a atividade em senti-
do estrito, diferenciando-se pela meta, ou seja, pelos
objetivos de cada qual. Isso porque, enquanto o “tra-
balho”, indispensavelmente remunerado, tem por
escopo o sustento próprio e, se for o caso, familiar do
trabalhador, a forma identicada como “atividade em
sentido estrito”, prestada, em regra, sem qualquer one-
rosidade ou mediante uma contraprestação meramente
simbólica, tem objetivos diferentes, ora relacionados
com o intento de aperfeiçoamento, ora associados a
ações meramente solidárias.(30)
Nessa ordem de ideias, nas atividades em sentido
estrito os objetivos não são coincidentes com os do
trabalho. Segundo Martinez, normalmente os contra-
tos de atividade em sentido estrito miram metas que
não são necessariamente satisfeitas por contrapresta-
ção pecuniária. Exemplica o autor citando os contra-
tos de estágio e de prestação de serviço voluntário, os
quais, ao invés do sustento próprio e familiar, visam,
respectivamente, “ao aprendizado de competências
prprias da atividade prossional e à contextualiza-
ção curricular” (§ 2º do art. 1º da Lei n. 11.788/2008)
e à satisfação pessoal decorrente da prática do altru-
ísmo nos campos “cívicos, culturais, educacionais,
cientcos, recreativos ou de assistência social, inclu-
sive mutualidade” (art. 1º da Lei n. 9.608/1998).(31)
ATO INSEGURO E CONDIÇÃO INSEGURA
Ato inseguro é toda conduta, comissiva ou omis-
siva, por meio da qual o trabalhador se coloca em
situação de risco, estando ciente ou não das conse-
quências. São atos inseguros, por exemplo, a não
utilização de Equipamentos de Proteção Individual,
realização de brincadeiras perigosas e improviso de
equipamentos etc.
Por sua vez, a condição insegura é caracterizada
quando o ambiente de trabalho apresenta algum tipo
de risco ao trabalhador, como, por exemplo, a cons-
trução de andaimes com material inadequado, a falta
de manutenção de máquinas e equipamentos, dispo-
sitivos de segurança com defeito, ventilação inapro-
priada, dentre outros.
Ato inseguro e condição insegura são os conceitos
centrais da “teoria dos dominós” elaborada na déca-
da de 1930. Para Heinrich, o acidente seria causado
por uma cadeia linear de fatores, como uma sequên-
cia de dominós justapostos, que culminaria na lesão.
A primeira peça do dominó seria os “fatores sociais
e ambientais préviosresponsáveis pela formação do
caráter dos operários. A segunda peça, os compor-
tamentos inadequados dos trabalhadores, frutos de
características herdadas ou adquiridas. Esses com-
portamentos inadequados poderiam vir a constituir-
-se em atos inseguros, isto é, em comportamentos de
risco que, juntamente com a presença de condições
inseguras (atos e condições inseguros são a terceira
peça do dominó), levariam à ocorrência do acidente
e, por m, à lesão (respectivamente a quarta e a quin-
ta peças da sequência de dominós).(32)
É cediço que a ocorrência do acidente do trabalho
decorre da multiplicidade de elementos próprios da
condição insegura de trabalho a que se encontra exposto
o trabalhador. Desse modo, a doutrina entende superada
a visão limitada do ato inseguro em face da alteração
da NR-1 com a nova redação dada ao item 1.7, alínea
“b”, pela Portaria n. 84, de 04 de março de 2009, da
Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do
Trabalho. A partir disso, propõe-se uma releitura dos
fatos geradores do acidente de trabalho, superando a
ideia de ato inseguro pelo reconhecimento da condi-
ção insegura de trabalho.
Assim, todo acidente de trabalho ou doença
ocupacional sempre há de receber análise contex-
tual e multifatorial, adotando-se a teoria da condi-
ção insegura ao invés da teoria do ato inseguro, já
abandonada pelo nosso ordenamento jurídico.
34 Moderno Dicionário de Direito do Trabalho
Portanto, cabe ao empregador: a) cumprir e fazer
cumprir as disposições legais e regulamentares sobre
segurança e medicina do trabalho; b) elaborar ordens
de serviço sobre segurança e saúde no trabalho, dan-
do ciência aos empregados por comunicados, carta-
zes ou meios eletrônicos (Alterado pela Portaria SIT
84/2009); c) informar aos trabalhadores: I – os riscos
prossionais que possam originar-se nos locais de tra-
balho; II – os meios para prevenir e limitar tais riscos e
as medidas adotadas pela empresa; III – os resultados
dos exames médicos e de exames complementares de
diagnóstico aos quais os próprios trabalhadores forem
submetidos; IV – os resultados das avaliações ambien-
tais realizadas nos locais de trabalho; d) permitir que
(33)  Nesse sentido: RR-2016-02.2011.5.03.0011, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julga-
mento: 09.10.2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11.10.2018. A propósito, conferir na presente obra o verbete
controle de ponto por exceção”.
(34)  RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. 1. SISTEMA DE CONTROLE ALTERNATIVO
DE JORNADA. NORMA COLETIVA QUE DETERMINA A AUTOGESTÃO DA JORNADA PELO EMPREGADO.
VALIDADE. PROVIMENTO. A teor do preceito insculpido no artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, é dever
desta Justiça Especializada incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição
coletiva, desde que formalizadas nos limites da lei. A negociação coletiva, nessa perspectiva, é um instrumento
valioso que nosso ordenamento jurídico coloca à disposição dos sujeitos trabalhistas para regulamentar as res-
pectivas relações de trabalho, atendendo às particularidades e especicidades de cada caso. É inequívoco que, no
âmbito da negociação coletiva, os entes coletivos atuam em igualdade de condições, o que torna legítimas as con-
dições de trabalho por eles ajustadas, na medida em que afasta a hipossuciência ínsita ao trabalhador nos acordos
individuais de trabalho. Assim, as normas autônomas oriundas de negociação coletiva, desde que resguardados
os direitos indisponíveis, devem prevalecer sobre o padrão heterônomo justrabalhista, já que a transação realizada
em autocomposição privada resulta de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, no qual as perdas e
ganhos recíprocos têm presunção de comutatividade. Na hipótese, a Corte Regional reputou inválida a norma cole-
tiva em que autorizada a dispensa de controle formal de horário, sob o fundamento de que tal previsão não se
sobrepõe ao disposto no artigo 74, § 2º, da CLT, e, por isso, não exime a reclamada do cumprimento do disposto no
aludido artigo. Conforme acima aduzido, a Constituição Federal reconhece a validade e a ecácia dos instrumentos
de negociação coletiva, desde que respeitados os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Ocorre que a forma de
marcação da jornada de trabalho não se insere no rol de direitos indisponíveis, de modo que não há qualquer óbice
na negociação para afastar a incidência do dispositivo que regula a matéria, com o m de atender aos interesses das
partes contratantes. Impende destacar, inclusive, que o artigo 611-A, X, da CLT, inserido pela Lei n. 13.467/2017,
autoriza a prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada de trabalho em rela-
representantes dos trabalhadores acompanhem a s-
calização dos preceitos legais e regulamentares sobre
segurança e medicina do trabalho; e, e) determinar os
procedimentos que devem ser adotados em caso de
acidente ou doença relacionada ao trabalho. (Redação
dada pela Portaria SIT 84/2009).
Por sua vez, cabe ao empregado: a) cumprir as
disposições legais e regulamentares sobre segurança
e saúde do trabalho, inclusive as ordens de serviço
expedidas pelo empregador; (Alterado pela Portaria
SIT 84/2009).
Ver também *Teoria da falha segura e Teoria do
queijo suço.
AUTOGESTÃO DA JORNADA
O sistema de autogestão da jornada é aquele por
meio do qual as próprias partes, via negociação cole-
tiva, estabelecem a forma pela qual se dará o registo
da jornada de trabalho. A autogestão encontra previ-
são legal expressa no art. 611-A, X, da CLT, incluído
pela Reforma Trabalhista, pelo qual “a convenção
coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm preva-
lência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem
sobre: [...] X – modalidade de registro de jornada
de trabalho”.
Assim, a obrigação contida no art. 74, § 2º, da
CLT, pode ser exibilizada por negociação coletiva.
Logo, a forma de marcação da jornada de trabalho
não se insere no rol de direitos indisponíveis dos
trabalhadores, de modo que não há qualquer óbice na
negociação para exibilizar a incidência do disposi-
tivo que regula a matéria, com o m de atender aos
interesses das partes contratantes.
Assim, em princípio, a norma coletiva pode pre-
ver qualquer forma de controle da jornada, inclusive
o chamado controle de ponto por exceção como, a
propósito, o TST já entendeu válido.(33)
Contudo, em decisão recente, o TST, de forma equi-
vocada, entendeu válida norma coletiva que prevê a
total dispensa do controle formal de registro de horá-
rio. (34) No caso enfrentado, a 4ª Turma da Corte deu
Raphael Miziara 35
valor absoluto à norma coletiva examinada e declarou
a validade de cláusula que autorizava o pagamento
antecipado de determinado número mensal de horas
extras, cabendo aos empregados informar eventuais
horas não compensadas que excedessem o quantitati-
vo pago antecipadamente, dispensando-se o controle
formal de registro de horário.
Ora, dispor sobre a modalidade de registro de
jornada de trabalho não é o mesmo que dispensar
por completo o controle formal do registro de horá-
rio. O art. 611-A, inciso X, da CLT autorizou a e-
xibilização e não a desregulamentação da medida.
É preciso que o controle seja feito de algum modo,
por isso a lei diz que a negociação coletiva poderá
tratar da modalidade.
Nesse prumo, a norma coletiva que autoriza a dis-
pensa de controle formal de horário não se sobrepõe
ao disposto no artigo 74, § 2º, da CLT, tampouco
está abrigada pelo art. 611-A, inciso X, da CLT. E,
mais ainda, não se sobrepõe às normas constitucio-
nais sobre duração do trabalho (art. 7º, inciso XIII,
da CRFB/88) e de saúde, higiene e segurança do tra-
balho (art. 7º, inciso XXII, da CRFB/88). A Cons-
tituição não diz expressamente que “é direito dos
trabalhadores o registro de jornada”. E nem precisa
dizer, pois esse direito é extraído das normas cons-
titucionais relativas ao meio ambiente do trabalho.
Nem se pode argumentar que a dispensa do con-
trole formal de registro de horário permite o controle
informal. No mundo dos fatos, não se agura crível
qualquer tipo de controle informal, pois inconcebí-
vel. Controle informal é um não controle. Controle
informal carrega em si uma contradição em termos.
É como se o empregado, a cada dia que zesse horas
extras, anotasse em sua caderneta particular a quanti-
dade de labor extraordinário. Esse tipo de expedien-
te, por certo, não encontra amparo na real autogestão
da jornada previsto no art. 611-A, inciso X, da CLT.
Também, é certo que as hipóteses do art. 611-
A da CLT não são taxativas, ou seja, a autonomia
negocial privada pode dispor de outras matérias
além das que estão previstas nos incisos do referido
dispositivo. Mas, em se tratando de jornada, o que
a lei autorizou foi a exibilização da modalidade de
registro. Ou seja, quanto ao registro, o legislador
ção às disposições da lei. É bem verdade que o aludido preceito, por ser de direito material, não pode ser invocado
para disciplinar as relações jurídicas já consolidadas. Não se pode olvidar, entretanto, que referido dispositivo não
trouxe qualquer inovação no mundo jurídico, apenas declarou o fato de que essa matéria não se insere no rol das
garantias inegociáveis. Ante o exposto, mostra-se agrante a afronta ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal.
Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (ARR-80700-33.2007.5.02.0261, Relator Ministro: Gui-
lherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 24.10.2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26.10.2018) (gn)
deixou claro o recado no inciso X: o máximo que as
partes podem fazer é dispor sobre sua modalidade e
não sobre sua eliminação.
Assim, não se nega que o caput do art. 611-A da
CLT, contém a expressão “dentre outros”, consagrou
rol exemplicativo de hipóteses na qual a convenção
coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalên-
cia sobre a lei. Mas, quanto à matéria registro de jor-
nada de trabalho, o inciso X, em manifesta restrição
ao próprio caput, previu uma verdadeira cláusula
de contenção da autonomia privada coletiva. Caso a
mens legis fosse permitir a prevalência do negociado
sobre o legislado nessa matéria, melhor seria a não
inclusão do tema em um dos seus incisos.
Como asseverado, ao contrário do que decidiu a
4ª Turma do C. Tribunal Superior do Trabalho, não
pode a norma coletiva dispensar o controle da jor-
nada. A norma coletiva pode apenas tratar do modo
pelo qual a jornada será controlada, mas jamais afas-
tar por completo a obrigação contida no art. 74, § 2º,
da CLT.
Está correta a fundamentação do TST quando
arma que a forma de marcação da jornada de
trabalho não se insere no rol de direitos indispon-
veis”. Isso porque alguma forma deve haver, o que
não ocorrerá com a norma coletiva que dispensar
o registro.
A CLT prevê e autoriza a exibilização da modali-
dade de registro de jornada. No entanto, em havendo
dispensa do prprio registro em si, a norma extrapola
a licitude do objeto, devendo ser declarada inválida,
pois elimina, por consequência, a própria possibili-
dade fática de existência de alguma modalidade.
Não se trata de negar valor ao negociado sobre o
legislado, direito fundamental dos trabalhadores (art.
7º, inciso XXVI, da CRFB/88) e que deve sempre
ser incentivado, mas apenas de se interpretar o dis-
posto no art. 611-A, inciso X, da CLT dentro dos
quadrantes semânticos do texto legal.
Ver *controle de ponto por exceção

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