Seguro d&o e alocação temporal

AutorPaulo Luiz de Toledo Piza
Páginas173-194
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9.
SEG UR O D& O E AL OC ÃO TE MP OR AL
Paulo Luiz de Toledo Piza
INTRODUÇÃO
O
seguro D&O, como ficou conhecido entre nós, em virtude de sua origem
anglo-saxã, o seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores
de pessoas jurídicas, não para de suscitar um número cada vez maior de dúvidas.
Quanto mais avança sua comercialização e quanto mais se avolumam as reclama-
ções e sinistros, mais casuísticas as decisões de nossos juízes e tribunais na matéria.
Um dos temas em relação aos quais se verificam perplexidades é o que diz
respeito à determinação de qual apólice de seguro anual deve ser reclamada por
um segurado sujeito a responder perante um terceiro. Com o propósito de contri-
buir para a superação desse cenário, retoma-se, a seguir, a discussão e a precisão
de alguns instrumentos e conceitos básicos de seguro de responsabilidade civil.
I. DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL À BASE DE
OCORRÊNCIAS (OCCURRENCE BASIS) AO SEGURO DE
RESPONSABILIDADE À BASE DE RECLAMAÇÕES (CLAIMS MADE)
O seguro de responsabilidade civil foi tradicionalmente comercializado, no
Brasil, à base de ocorrências. Ou seja, em noção propedêutica, o contrato de seguro
vigente em determinado período, normalmente ânuo, responderia por todas as
reclamações reparatórias formuladas em face do segurado consequentes de fatos
ocorridos durante esse período.1
1 A Circular SUSEP n. 553/2017 define “apólice à base de ocorrência” como “aquela que define, como objeto
do seguro, o pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros,
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Essa situação exigia das seguradoras a constituição de provisões assegurando
sua capacidade de responder por sinistros avisados muito tempo depois de encer-
rada a vigência do contrato com base no qual eles haveriam de ser regulados e liqui-
dados. Tais provisões só poderiam vir a ser baixadas uma vez decorrido o prazo
prescricional para o exercício das pretensões reparatórias em face do segurado.
Num cenário em que a prescrição da pretensão reparatória era, como regra
geral, de 20 anos, como ocorria sob a égide do Código Civil de 1916 (CC/16, art.
177), a apólice vigente num determinado ano poderia ser chamada a responder por
reclamação formulada 20 anos depois, devendo o segurador manter provisões no
passivo referentes a esse longo período ou “cauda longa” de exposição.2
O prazo geral prescricional passou a ser de 10 anos a partir da edição, no Bra-
sil, do Código Civil de 2002, período ainda considerado longo, do ponto de vista
do segurador, para manter provisões que, se fossem desnecessárias, não compro-
meteriam sua capacidade operacional.
Em alguns casos, obviamente, tanto sob a óptica do Código Civil de 1916
como do Código de 2002, a matéria objeto de pedido de reparação pode estar
sujeita a prazos de prescrição especiais, inferiores a esse. Mas o interesse perse-
guido pelo segurador sempre foi o de, mobilizando o mesmo capital, encetar um
número maior de operações.
Uma das vantagens, para o mercado segurador, da comercialização do seguro
de responsabilidade civil à base de reclamações foi justamente o de evitar a consti-
tuição de provisões por períodos longos.
À medida que as apólices passassem a alcançar apenas as reclamações for-
muladas durante sua vigência, o segurador não precisaria mais se preocupar com
reclamações futuras. Estas passariam à competência da responsabilidade do segu-
rador emitente da apólice vigente por ocasião da apresentação de uma reclamação
futura, caso contratada.3
pelo segurado, a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou por acordo aprovado pela
seguradora, desde que: a) os danos tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice; e b) o segu-
rado pleiteie a garantia durante a vigência da apólice ou nos prazos prescricionais em vigor”.
2 RAMOS, G. Maria Elisabete. O Seguro de Responsabilidade Civil dos Administradores: entre a exposição ao risco
e a delimitação da cobertura. Coimbra: Almedina, 2010, pp. 455-466.
3 A mencionada Circular SUSEP n. 553/2017 define “apólice à base de reclamações” como “forma alter-
nativa de contratação de seguro de responsabilidade civil, em que se define, como objeto do seguro, o
pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros, pelo segurado,
a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal judicial civil, decisão arbitral ou decisão admi-
nistrativa, ou por acordo aprovado pela sociedade seguradora, desde que: a) os danos tenham ocorrido
durante o período de vigência da apólice ou durante o período de retroatividade; e b) o terceiro apresente
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