9. A justiça competente para julgar o dano moral trabalhista

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Páginas182-193

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9.1. A posição da doutrina atual

Em face da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, que deu nova redação ao art. 114 da Carta Magna e promoveu o elastecimento da competência da Justiça do Trabalho para abrigar não apenas as relações de emprego, como também abarcar as relações de trabalho, não remanesce qualquer dúvida na doutrina quanto à tese da admissibilidade do dano moral e, por conseguinte, do dano moral trabalhista.

A ampliação da competência da Justiça Trabalhista incluiu, além do "dano moral476 e patrimonial", o habeas corpus, o mandado de segurança e o habeas data

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e as multas administrativas impostas pela fiscalização do trabalho. Assim sendo, os contratos de prestação de serviços passaram para a competência da Justiça do Trabalho, com exceção das relações de consumo e daquelas que envolvem servidores públicos estatutários.

O art. 114 da Constituição Federal de 1988 assim dispõe sobre a matéria, in verbis:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(...)

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho".

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST) sumulou a matéria, pacificando, dessa forma seu entendimento, consoante a Súmula n. 392, in verbis:

"N. 392 - DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO477. (CONVERSÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 327 DA SDI-1)

Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho".

Com fulcro na melhor doutrina, representativa do mens legis, o que importa para a configuração da competência do dano moral na Justiça do Trabalho é que a lide

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tenha por escopo uma relação de trabalho ou de emprego, e a causa petendi e o pedido478 tenham por nexo etiológico aquela relação479, mesmo que na clandestinidade.

9.2. A posição de nossos Tribunais

Hodiernamente, após a Emenda Constitucional n. 45/2005 não remanesce dúvida quanto à competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o dano moral, quando decorrente da relação de trabalho. Veremos, abaixo a posição recente do STF - Supremo Tribunal Federal e do TST - Tribunal Superior do Trabalho, em relação à matéria.

Nesta senda, a partir do momento que os Tribunais Superiores (STF, TST) fixam a tese jurídica, resta aos Tribunais Regionais do Trabalho julgarem de acordo com tais posicionamentos jurisprudenciais, tendência que deverá se aperfeiçoar com o advento da Lei n. 13.015/2015, sobre a uniformização da jurisprudência.

  1. Supremo Tribunal Federal

    "EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-) EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira inter-pretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do men-

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    cionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária - haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa -, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC n. 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões,com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho." (CC 7204, Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09.12.2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58) A diretriz traçada ao julgamento do CC 7.204/ MG resultou na edição da Súmula Vinculante n. 22, de seguinte teor: "A Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04". Examinados os autos da ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, em que suscitado este conflito negativo de competência, verifico que o Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Canoas/RS prolatou sentença de mérito em 30.05.2004, a qual foi publicada em 07.06.2004, antes, portanto, da promulgação da EC n. 45/04. Nessa perspectiva, deve ser declarada a competência da Justiça Comum Estadual para processar e julgar a demanda. Ante o exposto, com esteio no art. 120, parágrafo único, do CPC, conheço do conflito e declaro competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, suscitado, ao qual deverão ser remetidos os autos, para prosseguir no processamento e julgamento da ação. Publique-se. Brasília, 21 de agosto de 2014.Processo: CC 7736 RS. Relator(a): Min. ROSA WEBER. Julgamento: 21.08.2014. Publicação: DJe-166 DIVULG. 27.08.2014 PUBLIC. 28.08.2014. Parte(s): TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

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  2. Tribunal Superior do Trabalho - TST

    AUSÊNCIA DE FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELA ASSINATURA DA CTPS. LONGO PERÍODO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. A omissão patronal de formalizar o vínculo de emprego, especialmente em períodos contratuais significativamente longos (caso dos autos), faz emergir manifesto dano ao patrimônio moral do ser humano que vive de sua força de trabalho, em face do caráter absolutamente indispensável da formalização e registro do vínculo de emprego, mediante a assinatura da CTPS, máxime em razão dos benefícios que gera ao trabalhador (reconhecimento dos direitos trabalhistas e previdenciários dele decorrentes). A conduta patronal nega o atendimento às necessidades inerentes à própria dignidade da pessoa natural, tais como alimentação, moradia, saúde, educação, bem-estar - todos eles direitos sociais fundamentais na ordem jurídica do país (art. 6º, CF). Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de interesse público. É o que ocorre, na hipótese, com o direito à assinatura de CTPS. Para a jurista Gabriela Neves Delgado: "Será por meio de tal identificação profissional que os trabalhadores pertencerão oficialmente à estrutura de produção econômica do País e da Seguridade Social. Caso contrário, o obreiro estará fadado a não receber direitos trabalhistas e previdenciários, sob a justificativa de encontrar-se excluído do sistema oficial. (...) No Brasil, a identidade social dos empregados é formalizada pela assinatura da CTPS, o que significa que o desrespeito a este preceito constitucional de indisponibilidade absoluta, além de colocar o trabalhador à margem da lei, gera insegurança, fazendo-o sentir-se excluído da sociedade em que vive e labora. Não revelar a relação de emprego em sua formalização legal expressa, em...

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