A eutanásiano Brasil

Autor1. Sabrina Fontoura Perim - 2. Astrid Heringer
Cargo1. Aluna do Curso de Direito, 10º semestre, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai, Campus de Santo Ângelo. - 2 .Professora do Curso de Direito da URI, Campus de Santo Ângelo; doutoranda em Direito pela Universidade de Salamanca, Espanha
Páginas13-36

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Considerações iniciais

O objetivo1 do estudo consiste em analisar o tratamento conferido, no Brasil, à questão da eutanásia, através da consulta às leis, projetos de lei e movimentos sociais nacionais que se posicionam sobre o assunto.

Antes de fazer a análise do tema exposto, faz-se necessário o estudo da conceituação da eutanásia e a diferenciação de outros termos para não gerar nenhuma confusão de entendimento.

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A motivação para a realização do estudo está ligada ao fato de a eutanásia ser um dos temas de maior divergência dentro do Biodireito, gerador de diversas polêmicas por estar ligado a costumes, religiões e formação pessoal de cada povo. Esta pode ser uma das causas de não haver uma legislação nacional sobre o assunto, bem como a posição divergente da doutrina.

A realização do estudo visa demonstrar qual o estado em que se encontra a eutanásia dentro do Biodireito e do ordenamento jurídico brasileiro, apontando, também, qual o futuro do estudo e compreensão deste tema pelos brasileiros.

1 Antecedentes históricos

A idéia de eutanásia está presente na história da humanidade desde a Antiguidade e também na Idade Média, em que “a prática da eutanásia já existia e até membros do clero praticavam-na”4, apesar de o termo ter origem etimológica grega. Da sua origem, “a palavra eutanásia procede do grego, o prefixo eu significa boa e thanatos, morte, boa morte”5. Com isso, observa-se que os povos primitivos e da Antiguidade a praticavam, sem ela possuir esta denominação específica e também sem a significação existente hoje entre nós.

Analisando as civilizações primitivas, encontra-se a eutanásia como uma prática comum, incorporada aos costumes das populações. É o que atesta o Sgreccia:

Também entre os primitivos encontram-se práticas análogas à eutanásia e até se praticam sacrifícios humanos de fundo religioso. Entre os bataks6 da Sumatra, o pai já ancião, depois de ter convidado os filhos a lhe comerem a carne, deixase cair uma árvore, como um fruto maduro, depois do que os parentes o mataram e comem sua carne.

Práticas de morte dos anciãos foram encontradas em algumas tribos de Arakan (Índia), do Sian inferior, entre osPage 15 cachibas e os tupis do Brasil, e na Europa entre os antigos wendi, povo eslavo, e até em nosso século na Rússia, na seita pseudoreligiosa dos estranguladores.7

Com esse breve relato histórico, pode-se concluir que a eutanásia, embora sem o mesmo sentido que possui hoje, era prática comum e aceita em alguns povos, tão comum que fazia parte do cotidiano das pessoas. Porém, desde aquela época, nem sempre consistia em ato pacífico e unânime entre as populações:

Não faltaram opositores no mundo greco-romano de tais práticas e teorias: entre os gregos Pitágoras e sobretudo Hipócrates e Galeno. O célebre juramento de Hipócrates assim reza a propósito: “não me deixarei induzir pelo pedido de ninguém, quem quer que ele seja, a dar de beber veneno ou a dar o meu conselho numa contingência dessas.”8

O surgimento do cristianismo no mundo ocidental foi o que ensejou maior contrariedade à eutanásia. “Desde o advento do cristianismo, a temática da eutanásia não conheceu, até o nosso século, verdadeiros momentos de novidade”9. Impossível seria ao tratar de um assunto sobre vida e seres humanos não mencionar o posicionamento religioso visto que ele sempre foi e continua sendo base da cultura dos povos:

O cristianismo adota uma atitude contrária a eutanásia. A Bíblia não conhece a prática ou o conceito da eutanásia. Tanto o Antigo como o Novo Testamento mostram um grande respeito para com o ancião, uma atitude de solidariedade para quem sofre. A ética cristã não se centra no belo e são. Mas considera o enfermo uma pessoa cujo cuidado deve ser privilegiado. O judaísmo marginaliza os leprosos, porém nunca analisa a possibilidade de tirar a vida miserável.10

Pode-se, dizer, então, que a expansão do cristianismo no mundo tornou-se um freio para diminuir as práticas eutanásticas entre os povos. Conforme Sgreccia, “há uma sociedade que respeita o homem e aceita a morte: a africana; há uma outra,Page 16mortífera, tanacrática, obcecada e aterrorizada pela morte, a ocidental.11” Isso deve ser analisado levando em conta que a religião predominante entre o povo ocidental é a cristã.

Hoje pode-se dizer que o tema vem à tona quando a mídia noticia algum caso isolado a respeito, como de alguém que está no hospital em estado vegetativo e sem perspectiva de vida. São esses casos que dividem o posicionamento social, todos sempre têm sua opinião para o assunto. Isso comprova a evolução do tema não só no meio social como no jurídico, ético e religioso.

A eutanásia é um assunto muito discutido nos quatro cantos do mundo e em todos os momentos da história e até hoje não se chegou a uma conclusão pacífica sobre o tema, em parte porque tudo que envolve os conceitos de vida e morte é complicado, pois são definições abstratas e complexas que se relacionam com todos os seres humanos diretamente.

É preciso esclarecer que sobre o assunto predomina uma hipocrisia social; a sociedade sabe que ocorre e se omite porque não há interesse de agir, é uma questão relativa à privacidade da família, pois a decisão é dela em conjunto com o paciente, quando isso for possível. A eutanásia existe de forma velada na nossa sociedade, ela é feita de comum acordo entre médico, paciente e família ou desta e do médico, ou ainda somente do médico e seu paciente.12

Com esse breve relato histórico, conclui-se que, apesar de o tema ter tido uma grande evolução, hoje não existe um posicionamento pacífico, uniformizado ou oficial sobre o assunto, encontra-se em constante evolução sobre sua crescente aceitação nas diversas áreas de atuação.

2 Conceito de eutanásia e termos conexos

Para melhor compreensão do assunto, importa entender a sua conceituação. A primeira pessoa a utilizar o termo eutanásia e a dar um conceito para ela foi o filósofo Francis Bacon, que disse: “o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores não somente quando este traz a cura, mas também quando serve de meio para uma morte doce e tranqüila.”13

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Muitos são os autores que procuram conceituar a eutanásia. Um dos entendimentos mais comuns é de que a eutanásia consiste em “[...] tirar a vida do ser humano por considerações humanitárias para a pessoa ou para a sociedade (deficientes, anciãos, enfermos incuráveis etc).”14

A Igreja Católica, em uma de suas declarações sobre eutanásia, mesmo que contrária a ela, traz o conceito do ato:

A Igreja Católica, na Declaração lura et bona, definiu eutanásia como sendo: uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento.

Simplificando, a eutanásia significa facilitar ou provocar a morte em pessoas que estejam sofrendo muito, sem expectativa de recuperação.15

Esse conceito trazido pela Igreja Católica aponta uma diferença conceitual muito importante dentro do campo da eutanásia: a eutanásia por “ação ou omissão”. Muitos estudiosos subdividiram a palavra eutanásia em ativa e passiva, buscando, assim, dar mais clareza ao assunto.

A partir do século XVI e XVII, começa-se a diferenciar a eutanásia ativa da eutanásia passiva. O primeiro caso envolve a implementação de uma ação médica positiva com a qual se acelera a morte de um doente ou se põe fim a sua vida. Já no caso da eutanásia negativa, não se implementa uma ação positiva, não se aplica uma terapia ou uma ação que poderia prolongar a vida do doente. A eutanásia passiva ou negativa se distingue pela omissão, pela não aplicação de uma terapia disponível que poderia prolongar a vida do paciente.16

Para melhor entender a eutanásia ativa e passiva, analisa-se um exemplo: “O exemplo típico de eutanásia ativa seria a administração de uma superdose de morfina com a intenção de pôr fim à vida do enfermo; já a eutanásia passiva ou negativa seria a não aplicação ou desconexão do respirador num paciente terminal sem esperanças de vida.”17

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Porém, neste estudo essa diferenciação de eutanásia passiva e ativa pode ainda gerar alguma confusão, por isso prefere-se utilizar atos eutanásticos e esses subdivididos em três: eutanásia, ortotanásia e distanásia. Portanto o termo eutanásia “reservou-se apenas para a prática que procura deliberadamente a morte para aliviar a dor”18.

A distanásia é um termo ligado à esperança das pessoas na recuperação de um paciente em estado terminal e, de certa forma, relaciona-se também com a dificuldade de algumas culturas em aceitar a morte. Buscam, então, de forma muitas vezes exagerada e ineficaz, prolongar ao extremo a vida do doente.

O prefixo grego “dis”teria o sentido de “deformação do processo de morte”, de prolongamento, de dificultação. Portanto, a palavra distanásia significaria o prolongamento exagerado do processo de morte de um paciente que se encontrasse na iminência do excesso terapêutico, porque cria uma morte cruel para o doente.19

Portanto “a distanásia (morte difícil) é a prática que tende a afastar o mais possível o momento da morte e prolongar a todo custo a vida por obstinação terapêutica”20. Essa prática envolve a Medicina e a atividade dos médicos em buscar a cura a todo custo. Desse modo, o médico procura simplesmente evitar a morte, sem indagar da utilidade do tratamento ou da vontade do paciente em prolongar a vida. Com isso,

O termo distanásia também poderia ser empregado como sinônimo de tratamento inútil. Trata-se da atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento. Nesta conduta não se...

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