A Abusividade na Questão da Corretagem na Venda de Imóveis pelas Construtoras: Análise Doutrinária e a Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo

AutorRizzatto Nunes
CargoMestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor (PUC/SP)
Páginas53-63

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O tema deste artigo é a questão da cobrança e pagamento da taxa de corretagem na venda de imóveis feito por construtoras, assim como também da cobrança da taxa pelo “serviço de assessoria técnicoimobiliária”, mais conhecida pela sigla SATI. O assunto é típico de consumo e demanda uma análise da legislação.

O imbróglio envolve a cobrança feita pelas construtoras ao comprador do percentual pago ao corretor de imóveis que intermedeia a venda. O valor tem sido cobrado com ou sem aviso prévio e com ou sem inserção no compromisso ou contrato de compra e venda. Além disso, a mesma sistemática de cobrança tem sido utilizada para exigir do comprador o pagamento de uma taxa pela tal assessoria SATI e, do mesmo modo, com ou sem aviso prévio e com ou sem inserção no compromisso ou contrato de compra e venda.

Os casos que envolvem cobrança de ambas as taxas sem aviso prévio e sem inserção em documentos de negociação eu deixarei de lado, dado o evidente abuso. Cuidarei dos demais, isto é, quando há prévio aviso ou inserção em documentos de negociação. Para tanto, farei um rápido apanhado das regras que envolvem o caso vigentes no Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90 – CDC).

Contrato de adesão

Regulamentado expressamente no CDC, o chamado contrato de adesão tem esse nome pelo fato de que suas cláusulas são estipuladas unilateralmente pelo fornecedor, cabendo ao consumidor aquiescer a seus termos, aderindo a ele.

Essa forma de contrato é típica das sociedades capitalistas, o que gerou a utilização dos contratos-formulário, impressos com cláusulas prefixadas para regular a distribuição e venda dos produtos e serviços de massa. São contratos que acompanham a produção. Ambos – produção e contratos – são decididos unilateralmente e postos à disposição do consumidor, que, caso queira ou precise adquirir o produto ou o serviço oferecido, só tem como alternativa aderir às disposições pré-estipuladas.

Daí não ter qualquer sentido falar-se em pacta sunt servanda, que pressupõe autonomia da vontade no contratar e no discutir o conteúdo das cláusulas. No contrato de adesão não há autonomia1. Ele está previsto no caput do artigo 54 do CDC, que dispõe:

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“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

Cláusula abusiva

Além disso, e também por causa disso, o CDC estabeleceu que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais abusivas, conforme retratado no seu artigo 51. Para aquilo que nos interessa, basta a leitura do inciso IV e do § 1º da referida norma:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

[...]
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”

Examinemos os pontos de relevo que afetam o tema em análise.

A disposição da primeira parte do inciso IV aponta iniquidade, que é o oposto de equidade, literalmente2. Por isso é dispositivo redundante na proposição, que termina falando de equidade, algo que comentarei na sequência.

Um dos conceitos estabelecidos na lei, e que importa para o tema, é o de desvantagem exagerada: é a própria norma do art. 51 que, no § 1º, define o conceito, ao regular o que entende por vantagem exagerada a favor do fornecedor. Anoto que a redação desse § 1º, desde logo, aponta seu caráter exemplificativo, por se utilizar da expressão “entre outros casos” e falar em presunção (“presume-se”). Trata-se de presunção relativa, que admite prova em contrário do fornecedor, que deve ser levada em consideração pelo magistrado no exame do caso concreto.

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Já a redação do inciso I do mesmo § 1º ensina que é exagerada a vantagem que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence – nos vários subsistemas jurídicos. E como “sistema” de proteção ao consumidor há que entender todas as normas, além da Lei 8.078, que atingem e regulam as relações de consumo, tais como a Lei de Economia Popular (Lei 1.521/51), a Lei Delegada (Lei 4/62), a Lei dos Crimes Contra a Ordem Econômica (Lei 8.137/90), a Lei de Plano e Seguro-Saúde (Lei
9.656/98), entre outras. E a onerosidade excessiva para o consumidor (inciso
III) está ligada ao princípio da equivalência contratual, que há de ter vigência no cumprimento das regras contratuais.

Releva também apontar que a segunda parte da regra do inciso IV diz que a cláusula é abusiva quando seja incompatível “com a boa-fé ou a equidade”. O...

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