Acabou comigo como pessoa' A caracterização da violência doméstica a partir da percepção de mulheres violentadas

AutorVanessa Machado Martins - Carolina Bunn Bartilotti
Páginas41-61
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Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas Vol. 16 N. 10 8, jan./jun. 2015
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2015v16n108p41
“Acabou comigo como pessoa”
A caracterização da violência doméstica a partir da percepção de
mulheres violentadas
Vanessa Machado Martins
Carolina Bunn Bartilotti
“Acabou comigo como pessoa”: A caracterização da violência doméstica a partir da
percepção de mulheres violentadas
Resumo: A presente pesquisa trata da caracterização da violência doméstica a partir da
percepção de mulheres violentadas. Para tanto foi desenvolvido um estudo descritivo com
quatro mulheres vítimas de violência doméstica da região da grande Florianópolis. Foi possível
constatar que o tipo de violência mais citado foi a violência física. As mulheres atribuem o uso
de drogas, ciúme, separação e a cultura familiar do agressor como as principais causas da
ocorrência de violência doméstica. As consequências físicas mais citadas foram problemas de
saúde, fraturas e marcas no corpo; as sociais foram afastamento da família, de amigos e
trabalho, julgamento social e vergonha. Entre os danos psicológicos apareceram a mágoa, raiva,
medo, rebaixamento de humor, baixa autoestima, intolerância/impaciência, perda de libido. As
estratégias de enfrentamento para diminuição da situação de violência foram pedir auxílio a
outrem, defesa, diminuição de convivência com o agressor, separação, ficar quieta e
religiosidade.
Palavras-chave: Violência doméstica. Consequências da violência doméstica. Relações de
gênero.
"Finished with me as a person": The characterization of domestic violence from the
perception of raped women
Abstract: The presenter search deals with the characterization of domestic violence from the
perception of battered women. However, a descriptive study with four female victims of
domestic violence in the greater Florianopolis was developed. It was found that the most cited
type of violence was physical violence. Women attribute the use of drugs, jealousy, separation
and family culture of the aggressor as the main causes of the occurrence of domestic violence.
The most common physical consequences were health problems, fractures and marks on the
body; social were separation from family, friends and work, social judgment and shame. Among
the psychological damage, appear hurt, anger, fear, lowering mood, low self-esteem, intolerance
/ impatience, loss of libido. The strategies to decrease violence situation was asking help to
others, defense, lower living with the abuser, separation, be quiet and religiosity.
Keywords: Domestic violence. Consequences of domestic violence. Gender relations.
Esta obra foi licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Ada ptada.
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Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas Vol. 16 N. 10 8, jan./jun. 2015
1. Introdução
A violência doméstica é uma violência de gênero, independente de qual seja
o tipo - física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial. Gênero é um conceito das
Ciências Sociais para diferenciar o que é ser mulher e ser homem, esses papéis são
ensinados socialmente como condição de ser homem e de ser mulher, uma maneira
ideal do masculino e feminino (GOMES et al, 2007). É uma construção social feita a
partir das características biológicas, conforme afirmam Fonseca e Lucas (2006). A
construção social se dá pela percepção de qual sexo pertence, a partir de fatores
biológicos. “Neste processo, o sexo e os aspectos biológicos ganham significados
sociais decorrentes das possibilidades fisicas e sociais de homens e mulheres,
delimitando suas caracteristicas e espaços onde podem atuar” (FONSECA - LUCAS,
2006, p.4-5)
Gomes et al (2007) complementam quando dizem que os papéis de gênero
foram passados de geração em geração, como condição de ser homem ou mulher, é
intergeracional. As mulheres devem ser delicadas, sensíveis, passivas, subordinadas e
obedientes devido a condição biológica de engravidar e amamentar, cuidar dos filhos,
do marido e do lar. Os homens são relacionados ao espaço público, provedores e chefe
da casa, viris, corajosos e agressivos. Dessa forma os papéis de homem e mulher são
construídos a partir do que a sociedade ensina, espera e determina. Ao menino é
ensinado que deve ser como o pai quando se tornar um homem: ser forte, insensível e
não externalizar os sentimentos. A menina deve ser como a mãe e possuir as
características de ser “doce, dependente e insegura” (FONSECA e LUCAS, 2006, p. 4).
Strey (1998) refere que o gênero possui uma hierarquia de poder que é
associada ao homem, com isso ressalta a questão do patriarcado que “é uma forma de
hierarquia, em que os homens detêm o poder e as mulheres são subordinadas” (p. 185).
Gomes et al (2007) ressaltam que há uma “cultura patriarcal” refletida nas famílias que
estimulam os papéis de homem e mulher. O patriarcado é o poder dado aos homens,
sendo que as mulheres são subordinadas à eles, assim “legitima o controle da
sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e estabelece papéis sexuais e sociais
nos quais o masculino tem vantagens” (NARVAZ e KOLLER, 2006, p.50). Nas
famílias, geralmente, os homens são extremamente valorizados, por possuir o poder, a
autonomia e a dominação em relação à mulher. Ao homem é destinado o poder e à
mulher a subordinação, que deve obediência a esse homem (STREY, 1998). Neste
sentido, Siqueira (2002) aponta que ambos não possuem os mesmos direitos, a relação
de gênero é assimétrica: o homem possui o poder e a mulher não.
A hierarquia social de submissão e poder contribui e muito para que ocorra
a violência doméstica. Segundo Gomes et al (2007) a violência doméstica é
historicamente comum em todas as classes sociais, porém só começou a ter visibilidade
como problema social e de saúde pública no final da década de 60 do séc. XX. A partir
dessa época a temática tem se tornado uma categoria política de reivindicação feminista,
exigindo respostas políticas para a problemática; com isso as mulheres passam a
questionar os papéis que lhe são atribuídos. Essa reivindicação feminista “tornou visível
a violência, qualificando-a como uma violação dos direitos humanos e como um
comportamento criminal, devendo ser encarada justamente desta maneira pelos
profissionais [da saúde, segurança e justiça] que lidam com essas vítimas” (GARBIN et
al, 2006, p.2568).

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