Ação civil coletiva

AutorRaimundo Simão de Melo
Ocupação do AutorAdvogado e Consultor Jurídico
Páginas315-332

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1. Previsão legal

A Ação Civil Coletiva é uma espécie do gênero ação coletiva e se destina à defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos. Essa ação foi instituída no sistema jurídico brasileiro pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), cujo art. 91 estabelece que:

“Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, Ação Civil Coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.”

Também tem a mesma previsão na Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União, art. 6º, inciso XII), que diz:

“Compete ao Ministério Público da União... propor Ação Civil Coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos.”

Ainda de acordo com o CDC, a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo e que os legitimados de que trata o art. 81 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou de seus sucessores, Ação Civil Coletiva de responsabili-dade pelos danos individualmente sofridos (arts. 81 e 91).

Como se vê, a Ação Civil Coletiva é uma ação de cunho reparatório, ao contrário da tradicional Ação Civil Pública, cujo objeto é a imposição de obrigação de fazer ou não fazer e em algumas hipóteses a reparação genérica pelos danos coletivos causados aos direitos transindividuais.

2. Aplicação na Justiça do Trabalho

Essa ação tem cabimento na Justiça do Trabalho por força do que dispõe o art. 21 da Lei n. 7.347/85, que manda aplicar na tutela dos direitos e interesses metaindividuais, subsidiariamente, as disposições do CDC e o art. 769 da CLT, que autoriza o uso suplementar do direito processual comum na Justiça do Trabalho, quando omisso o processo trabalhista e se houver compatibilidade com os princípios e peculiaridades que informam o Direito material e processual do trabalho, como nos parece ocorrer na espécie.

Também estabelece a Lei Complementar n. 75/93 (art. 83, inciso I), que cabe ao Ministério Público do Trabalho promover as ações que lhes sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas.

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3. Finalidade

Enquanto a Ação Civil Pública regida pela Lei n. 7.347/85 se destina à tutela dos interesses ou direitos difusos e coletivos, buscando o cumprimento de uma obrigação de fazer, de não fazer, de suportar e uma indenização genérica coletiva pelos danos causados aos direitos metaindividuais, a Ação Civil Coletiva tem natureza reparatória concreta, visando à obtenção de reparação pelos danos individualmente sofridos pelas vítimas, mediante reconhecimento genérico da obrigação de indenizar (CDC, art. 95).

O objetivo do legislador com essa ação foi facilitar a defesa de forma coletiva, de interesses e direitos individuais homogêneos, pois, como se sabe, dificilmente as vítimas, individualmente, acionam o Judiciário na busca de pequenas indenizações, porque o custo do processo não compensa. Ademais, no caso dos trabalhadores, existe o risco de perderem o emprego, caso ajuízem ações trabalhistas individuais, como é de sabença geral.

Assim, a forma adequada de se buscar reparações pelos danos individualmente sofridos pelos trabalhadores, decorrentes de ato de origem comum, é por meio de uma ação coletiva, a ser ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, pelos sindicatos ou por outros legitimados coletivos.

O principal fundamento dessa ação é a necessidade de coletivização da solução jurisdicional e a busca de real efetividade dos direitos individualmente violados, desde que tais direitos decorram de uma origem comum, como estabelece o art. 81, inciso III, do CDC.

Estão ainda nas finalidades da Ação Civil Coletiva, que é instrumento de tutela coletiva de direitos individuais, agilizar a prestação jurisdicional, evitar decisões dís-pares, facilitar o acesso substancial do cidadão ao Judiciário (CF, art. 5º, inc. XXXV), despersonalizar o trabalhador perante o seu empregador, para evitar retaliações quando individualmente ajuíza uma ação, diminuir o custo do processo, que é muito caro para o Estado e para a sociedade, e dar mais crédito às decisões judiciais.

Nesse sentido leciona Ada Pellegrini Grinover, quando salienta que: “É evidente que, diante de violações de massa, o indivíduo, singularmente lesado, se encontra em situação inadequada para reclamar contra prejuízo pessoalmente sofrido. As razões são óbvias: em primeiro lugar, pode até ignorar seus direitos, por tratar-se de campo novo e praticamente desconhecido; sua pretensão individual pode, ainda, ser por demais limitada; e as custas do processo podem ser desproporcionais a seu prejuízo econômico. Não se pode olvidar, de outro lado, o aspecto psicológico de quem se sente desarmado e em condições de inferioridade perante adversários poderosos, cujas retorsões pode temer; nem se pode deixar de lado a preocupação para com possíveis transações econômicas, inoportunas exatamente à medida que o conflito é ‘pseudoindividual’, envolvendo interesses de grupo e categorias. Daí por que seguem, como titulares naturais, em juízo, dos interesses metaindividuais, os corpos intermediários, as formações sociais, os entes associativos,

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privilegiando-se sua legitimidade para a causa. Nesse enfoque, a titularidade das ações coletivas por parte de órgãos públicos — inclusive do MP — é subsidiária, necessária até enquanto a sociedade não se organiza, mas destinada a retroceder quando as formações sociais assumirem plenamente seu papel, numa democracia verdadeiramente participativa”1.

4. Objeto

De acordo com o art. 95 do CDC, em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Assim, quando se fala em reparação concreta, quer-se dizer que a decisão fixará a obrigação de indenizar pelos danos causados individualmente aos trabalhadores, cuja extensão ficará para a fase da liquidação, pelos destinatários do direito ou pelos legitimados coletivos (CDC, arts. 97 e 100).

Ao contrário, o objeto da Ação Civil Pública regida pela Lei n. 7.347/85, repita-se, é uma obrigação de fazer, de não fazer, de suportar, condenação por danos genéricos e multa cominatória.

5. Legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho e dos sindicatos

De acordo com os arts. 129, § 1º, da CF; da Lei n. 7.347/85 e 82, inciso IV, do CDC, estão legitimados para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em juízo, além do Ministério Público, a Defensoria Pública, os sindicatos, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações civis.

Não obstante o grande elenco de legitimados públicos, nenhuma é a atuação judicial desses órgãos na defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas, principalmente no caso dos individuais homogêneos.

Especificamente em relação à Ação Civil Coletiva, o art. 91 do CDC assegura que “Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, Ação Civil Coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes”.

Na Justiça do Trabalho essa ação tem sido ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em poucos casos e pelos sindicatos, predominando a atuação destes últimos, que, por tradição, já há muito tempo utilizam a chamada substituição processual e a ação de cumprimento, que são espécies de Ação Civil Coletiva.

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Como os interesses ou direitos individuais homogêneos foram introduzidos no nosso sistema jurídico pelo CDC, a Constituição Federal não fez alusão à Ação Civil Coletiva, a exemplo do que dispõe sobre a Ação Civil Pública. Mas essa nova figura processual encontra respaldo na norma constitucional que trata da Ação Civil Pública como espécie das ações coletivas.

Assim é que se assegura ao Ministério Público a promoção de quaisquer medidas necessárias ao exercício das suas funções institucionais e estabelece que a legitimação do Parquet não impede a de terceiros, na forma do disposto na Constituição e na lei (art. 129, inciso II, e § 1º), o que, evidentemente, agasalha a Ação Civil Coletiva criada por lei, bem como a atuação concorrente do Ministério Público e dos demais legitimados coletivos.

Não há dúvida de que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor pode e deve ser aplicado na Justiça trabalhista, conferindo legitimidade ao Ministério Público do Trabalho e aos sindicatos para a defesa dos interesses individuais homogêneos por meio da Ação Civil Coletiva.

Quanto aos sindicatos, assegura o inciso III do art. 8º, que cabe aos mesmos a defesa judicial e extrajudicial dos direitos e interesses individuais e coletivos da categoria representada. Essa atuação se dá como representante nas negociações coletivas e na qualidade de substituto processual na defesa dos direitos individuais homogêneos em juízo.

No caso específico da Ação Civil Coletiva, destinada à busca de indenizações pelos danos causados individualmente aos trabalhadores, tal remédio é mais...

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