Ação civil pública em face da união projeto mais médicos

AutorSebastião Vieira Caixeta
Páginas56-117

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DO TRABALHO DA MM.

VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA/DF A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO, situada na Avenida W3 Norte, Quadra 513, Bloco D, Ed. Imperador, 4º andar, CEP 70760-524, Brasília/DF, representado, neste ato, pelo Procurador do Trabalho infra-assinado, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 127, caput, e 129, inciso III, da Constituição Federal; arts. 83, III, e 84, caput e inciso V, c.c. o art. 6 º, VII, “a” e “d”, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/1993); e arts. 1º, IV, e da Lei n. 7.347/1985, propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com pedido de medida cautelar e de antecipação dos efeitos da tutela,

em face da UNIÃO, representada pela ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, com enderenço no Ed. Sede I, Setor de Autarquias Sul, Quadra 3, Lote 5/6, Ed. Multi Brasil

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Corporate, Brasília-DF, CEP 70.070-030, Fones: (61) 2026-9202/2026-9712, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

I - Do objeto

Esta ação civil pública tem por objeto a proteção de genuína relação de trabalho constitucionalmente protegida, que está sendo desvirtuada pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil, e a aplicação do princípio da isonomia aos médicos cubanos inseridos no referido Projeto na condição de intercambistas, os quais vêm sendo submetidos à discriminação ilícita em comparação aos demais integrantes.

Emprestando-se, incidentalmente, interpretação conforme a Constituição ao texto legal, pretende-se garantir, concretamente, a preservação dos direitos sociais trabalhistas, de alcance coletivo geral, aplicáveis às relação de trabalho lato sensu, tanto do setor privado quanto do público, desrespeitados pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil, quais sejam: Meio ambiente do trabalho seguro e saudável (CF, arts. 7º, XXII, 39, § 2º, 200, VIII, e 225); Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria (CF, arts. 7º, VIII, e 39, § 2º); Gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (CF, arts. 7º, XVII, e 39, § 2º); Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (CF, arts. 7º, XVIII, e 39, § 2º); Licença-paternidade, nos termos ixados em lei (CF, arts. 7º, XIX, e 39, § 2º); Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (CF, arts. 7º, XXX, e 39, § 2º).

Conquanto haja provas complementares a respeito, demonstrar-se-á que a inconstitucionalidade do texto legal, cujo reconhecimento incidental se pretende, é aferível, objetivamente, a partir do cotejo dos pressupostos e prognoses da norma, extraíveis da Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 621/2013 (DOC - 1), o que demonstra a falta de adequação dos meios utilizados - curso de especializa-ção - com os ins colimados - contratação de médicos para atender à demanda crítica do Sistema Único de Saúde, com ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

II - Dos fatos

Em 8 de julho de 2013, a Excelentíssima Presidenta da República adotou a Medida Provisória n. 621/2013, que institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências.

Esse instrumento normativo foi convertido na Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013, que, essencialmente, objetiva a reordenação da oferta de cursos de

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medicina e de vagas para residência médica, o estabelecimento de novos parâmetros para a formação de médicos, e a promoção, nas regiões prioritárias do Sistema Único de Saúde (SUS), de “aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional” (art. 2º).

Para tal aperfeiçoamento, instituiu-se, “no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos para o Brasil, que será oferecido: I - aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País; e II - aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional” (art. 13). A ocupação das vagas ofertadas será feita, prioritariamente, por: I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, inclusive os aposentados; II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para exercício da medicina no exterior; e III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior (§ 1º). Os proissionais mencionados nos incisos II e III são denominados, no § 2º deste artigo, médicos intercambistas.

O aperfeiçoamento dos médicos participantes ocorrerá mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terão componente assistencial mediante integração ensino-serviço, com duração de três anos prorrogáveis por igual período (art. 14).

No bojo do Inquérito Civil n. 000707.2013.10.000/7, após realizar várias diligências investigativas, tais como audiências, requisição de documentos, inspeções em Unidades Básicas de Saúde (UBS), o Ministério Público do Trabalho (MPT) constatou que, sob a invocação do curso de especialização, o Projeto Mais Médicos para o Brasil está arregimentando mão de obra de proissionais de medicina para suprir a demanda existente no Sistema Único de Saúde e, por conseguinte, desvirtuando autêntica relação de trabalho constitucionalmente protegida. Tem-se, pura e simplesmente, a contratação de médicos, brasileiros e estrangeiros, a maioria deles com muita experiência, detentores de qualificação em nível de pós-graduação, para suprir a demanda quotidiana de entidades públicas integrantes do SUS.

Também verificou lagrante discriminação ilícita em relação aos médicos cuba-nos, que recebem remuneração muito inferior à dos demais trabalhadores inseridos no Projeto, sejam nacionais, sejam estrangeiros. Para tentar justificar, em vão, essa manifesta inconstitucionalidade, a Ré alega que a eles se aplicariam, por força de arranjo jurídico engendrado por ela, pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pelo Governo de Cuba, as regras estatuídas em Cuba, muitas delas total-mente incompatíveis com o nosso ordenamento jurídico, o que ofende a soberania nacional, a Carta da República e vários Instrumentos Normativos Internacionais.

Ante tais ilicitudes, o MPT propôs à Ré a celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, que foi rechaçado.

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Nesse contexto, não restou alternativa ao Parquet, impondo-se, por imperativo legal, o ajuizamento da presente Ação Civil Pública para defender os direitos dos atuais 9.425 médicos, que, segundo dados do Ministério da Saúde5, com o quarto ciclo do Projeto Mais Médicos para o Brasil, já em andamento, chegarão a 13.235 proissionais, sendo 11.400 (86,13%) oriundos de Cuba.

III - Da competência da justiça do trabalho

Como se demonstrará adiante, nesta Ação Civil Pública o MPT defende o conjunto de direitos sociais trabalhistas, de alcance coletivo geral, aplicáveis às relações de trabalho lato sensu, independentemente da diversidade dos regimes jurídicos dos trabalhadores, bem assim o respeito ao princípio da isonomia entre todos os trabalhadores inseridos no Projeto.

São direitos básicos e fundamentais, inerentes à relação de trabalho em sentido largo, aplicáveis indistintamente aos trabalhadores do setor privado (CF, art. 7º) e público (CF, art. 39, § 2º), independentemente do regime vigorante, tais como meio ambiente do trabalho seguro e saudável, décimo terceiro salário, limitação da jornada, repouso semanal remunerado, férias remuneradas com acréscimo de, pelo menos, um terço, proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

A competência para conhecer desta Ação é, decididamente, da Justiça do Trabalho, como assentou, recentemente, o Supremo Tribunal Federal na Ação Cível Originária n. 2.169, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia:

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO E MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO SOBRE CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS GUARDA-VIDAS DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA/ES. CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. APURAÇÃO DE LESÃO AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.395. SÚMULA N. 736. PRECEDENTES. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA DIRIMIR O CONFLITO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

Na fundamentação, assentou a eminente Relatora textualmente:

  1. Na espécie vertente, a Procuradoria Regional do Trabalho da 17ª Região determinou a remessa do procedimento administrativo em foco ao Ministério

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    Público Estadual, ao fundamento de que os guarda-vidas teriam sido contratados por tempo determinado pelo Município de Vitória/ES. Assim, nos termos do que...

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