A ação legislativa

AutorMayr Godoy
Ocupação do AutorMestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo
Páginas92-110

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A lei é um ato complexo, o que importa dizer que a ação legislativa deve ser exercida pela conjugação da vontade do Poder Legislativo e da vontade do Poder Executivo, os parceiros da feitura da lei, da criação do direito, consoante a positivação constitucional do nosso processo legislativo, como afirmação maior do estado democrático de direito, coroando a vontade popular.

A atividade do Executivo, na formação das leis, se limita à iniciativa, ao poder de emendar, à sanção ou ao veto e à promulgação; fica-lhe vedado participar do debate e da votação. A presença e o direito à palavra que se dá, nas comissões, aos Ministros e Secretários, como delegados do Executivo, para justificar os projetos de lei, constituem uma forma de apurar a vontade legislativa, nunca a participação no debate ou votação parlamentar. Para provocar a ação legislativa, no recesso, o Executivo tem o poder de convocação, mas o legislativo é que disporá sobre as sessões, podendo resultar inalcançado o resultado que se queria. Para superar o tardigradismo legislativo pode o Executivo usar do processo rápido, assinalando prazo para manifestação parlamentar; este instituto vem sendo apurado para evitar burla a princípios essenciais no procedimento normativo que são toldados na aprovação de projetos, por essa via, sem a necessária urgência.

Aspecto excepcional da ação legislativa se observa quanto aos diplomas normativos das medidas provisórias com força de lei e da lei delegada que fogem ao regramento fundamental da feitura da lei, como adiante se verá.

Todavia, sem discutir o alcance da excepcionalidade da delegação de funções ou da possível recusa do legislativo ao texto decretado pelo Executivo – matéria fora da órbita da técnica e do processo legislativo – tem-se que essa ação norma-

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tizadora resultará manca, em ambos os casos se, neles, não se permitir o direito de emenda e aprovação prévia, autorizativa da vigência8. Da forma que esses institutos se encontram no direito positivo brasileiro, há quebra do princípio da separação e harmonia dos poderes, vistos na sua concepção legítima, ainda que excepcionalizado e, também, burla a apuração da vontade da comunidade9.

A partir da Constituição Federal de 1988, e por decorrência dela, das constituições estaduais e das leis orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, estão aptos a desencadear a ação legislativa, em cada esfera de poder: o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas, as Câmaras Municipais, a Câmara Legislativa, e o respectivos Chefes do Poder Executivo, o Presidente da República, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e os Prefeitos Municipais.

A ação legislativa, formalmente, está regrada na Constituição, que institui as Casas, os Legisladores e os Poderes, que partilham as competências, que atribui as faculdades de iniciativa e estatui o processo e regra o controle.

Materialmente, a ação legislativa se constitui na movimentação insopitável da comunidade – e nela o Estado – que se quer dar leis, segundo sua vontade, para atender ás necessidades de sua vida e da organicidade estatal.

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Essas necessidades e a permissividade constitucional regulam, material e formalmente, a ação legislativa, os institutos da legislação; o legislador e o processo são instrumentais de que se vale a comunidade para vivificar seu discurso normativo.

1. O legislativo

A ação legislativa é função precípua do poder legislativo; não é, todavia, a única função desse poder, nem ele a exerce sozinho, dada a característica complexa da lei. Na ação de emendas às constituições, o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas, como as Câmaras Municipais e a Câmara Legislativa, em relação às emendas às leis orgânicas, têm ação privilegiada, porque o Poder Executivo só participa com o oferecimento da emenda, sem poder de vetar o que for aprovado.

O poder legislativo da Federação se confunde com o da União, porém, na sua ação legislativa, há que distinguir aspectos da especificidade federativa.

Com efeito, a lei elaborada para a Federação alcança todo o Estado Brasileiro, enquanto a lei elaborada para a União não alcança, necessariamente, os Estados-Membros, os Municípios e o Distrito Federal, porque se limita ao regramento de uma só das esferas de governo.

Igualmente, quando a Assembleia Legislativa legisla para o Estado-Membro, não estará normatizando, também, para os Municípios que o compõem, restringindo ou não tais regras à exclu-siva atividade desse Ente Federativo.

Essa distinção está por merecer atenção maior da progressão técnica da elaboração da lei, vencida, em parte, no uso da lei complementar que tem servido, também, para resguardar, de invasão fácil, a ação do legislador de uma esfera sobre a outra, nela contida. Não se trata de aspecto puramente técnico-legislativo, mas de interesse da área sócio-política com constatação de ilegitimidade.

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A característica bi-cameral do legislativo federal leva a considerar a sua estrutura representativa e a função revisora das suas Casas em razão da ação legislativa.

Deste a Carta de 1824, vigora no Brasil o sistema de Câmara Alta e Câmara Baixa, hoje, Senado Federal e Câmara dos Deputados10. O Senado tem a representatividade dos Estados-Membros, e do Distrito Federal, com três representantes cada um totalizando 81 senadores e a Câmara dos Deputados, a do eleitorado de cada Unidade da Federação, nelas englobando o Distrito Federal, em proporção à população, num total de 513 deputados, aqueles com número mínimo de oito e o máximo de 70; o Distrito Federal tem oito representantes11.

A representatividade da Câmara dos Deputados, sendo proporcional à população de cada unidade da federação e havendo número máximo e mínimo de cada bancada, resulta em desproporção para as unidades federativas mais populosas – a menor, e a maior – para as menos populosas. Somando-se, a esta situação, a representação igualitária do Senado, conclui-se que os Estados--Membros de pequena população têm, relativamente aos mais populosos, um bancada maior no Congresso Nacional12.

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Este aspecto representativo quebra o princípio igualitário na formação da vontade legislativa; todavia, a vista do grande número de deputados federais, não o desnatura, ainda que em favor da afirmação federativa13. Aliás, em razão das migrações inter-nas, quer do norte-nordeste para o centro-sul, que do sul para o centro-oeste, notadamente, a vontade legislativa não se comporta mais com nítidas características regionais nos Estados-Membros que recebem migrantes. Até suas bancadas se apresentam mescladas, aumentando o número de representantes das unidades migradoras, o que é outro plus no aspecto comentado.

O mesmo se observa à nível dos Estados-Membros, quanto a suas regiões, e que é quase imperceptível na área municipal.

A omissão parlamentar também influi na representação regional. A falta do representante às sessões e às comissões desfalca as bancadas ocasionando perda de voto e força de manobra de seus líderes, daí a punição para os faltosos ser uma necessidade, também, da garantia federativa14.

Quando o Congresso Nacional emenda a Constituição ou aprecia o veto, funciona em sessão conjunta prevalecendo o regime comum; fora desses casos, na função legisladora, cada Casa tem ação legislativa própria até a aprovação dos projetos

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de sua iniciativa própria. A outra funcionará, daí em diante, como câmara revisora. Nesta atividade mais se observa o caráter moderado da câmara alta, pela razão do recrutamento eleitoral majoritário de seus componentes, resultando sempre em composição tradicionalmente conservadora, além da aguerrida postura regional, que decorre da representatividade igualitária dos Estados-Membros.

Essa composição do Congresso é responsável pelas decisões parlamentares em nome da vontade geral da comunidade brasileira, quer para a lei nacional, propriamente dita, quer para as leis da União, como esfera de governo.

O legislador parlamentar dos Estados-Membros opera em câmara única refletindo a Assembleia Legislativa o pensamento da comunidade regional. Igual é a manifestação das Câmaras Municipais e a Câmara em nome da zona rural e urbana como, igualmente, a Câmara Legislativa do Distrito Federal.

2. A legislatura

A garantia do respeito à atualidade da vontade comunitária é assegurada pelas legislaturas que se sucedem periodicamente mediante a recondução ou renovação parlamentar e executiva através o sufrágio do corpo eleitoral.

Cada legislatura assinalada, portanto, a passagem, pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, de delegados da comunidade escolhidos para, dentre outras funções, elaborarem a lei. Ao cabo do período constitucionalmente previsto, de quatro anos, os projetos não apreciados são arquivados: a legislatura seguinte se instala sem comprometimentos com o discurso legislativo da legislatura anterior. Com isto, a vida do ordenamento normativo é constantemente revigorada pela atualização do binômio-legislador que, marcando a tendência da época, sem solução de...

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