Aceleração social, uberização e pandemia: quem precisa do direito do trabalho?

AutorRenata Queiroz Dutra - Raianne Liberal Coutinho
CargoProfessora Adjunta de Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Brasília. Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Pesquisadora do Grupo Trabalho, Constituição e Cidadania. E-mail: renataqdutra@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-0736-8556 - Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de ...
Páginas198-223
Revista Direito.UnB | Maio – Agosto, 2020, V. 04, N. 02 | ISSN 2357-8009 | p. 198-223
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ACELERAÇÃO SOCIAL, UBERIZAÇÃO E PANDEMIA:
QUEM PRECISA DO DIREITO DO TRABALHO?
SOCIAL ACCELERATION, UBERIZATION, AND PANDEMIC:
WHO NEEDS LABOR LAW
Renata Queiroz Dutra
Professora Adjunta de Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Brasília.
Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela UnB.
Pesquisadora do Grupo Trabalho, Constituição e Cidadania.
E-mail: renataqdutra@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-0736-8556
Raianne Liberal Coutinho
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília.
Pesquisadora do Grupo Trabalho, Constituição e Cidadania.
E-mail: raianne.lc@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-8717-3497
RESUMO
O mundo do trabalho tem passado por diversas transformações ocasionadas pela
Revolução 4.0, em um movimento de aceleração social. Para além da automação dos
postos de trabalho, deve-se dar destaque à uberização das relações trabalhistas, ou seja,
à prestação de serviços por meio de plataformas digitais com arranjos contratuais que se
furtam à legislação trabalhista. Nesse diapasão, o discurso hegemônico tem reproduzido
que o Direito do Trabalho estaria ultrapassado e que seria incapaz de responder às novas
relações produtivas, precisando ser modernizado para acomodar, com flexibilidade, novas
relações. Nesse artigo, busca-se evidenciar as contradições e intencionalidades por trás
desse discurso, que acaba por negar a centralidade do trabalho, notadamente em um
momento histórico no qual os usos da tecnologia caminham para a maior fragilização
das relações trabalhistas. Resgata-se, a partir de reflexões sobre as transformações
do trabalho e sobre a persistência dos fenômenos da exploração e da subordinação,
a continuidade das assimetrias que se apresentam como razões de existir do Direito
do Trabalho. Essas reflexões são reforçadas pelas evidências de vulnerabilidade e
necessidade de mediação das relações de exploração do trabalho no contexto de crise
socioeconômica intensificada pela pandemia da SARS-CoV-19.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Uberização. Aceleração social. Pandemia de
COVID-19. Justiça social.
Artigo | Article | Artículo | Article
Recebido: 03/07/2020
Aceito: 07/08/2020
Este é um artigo de acesso aberto licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações Internacional
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Revista Direito.UnB | Maio – Agosto, 2020, V. 04, N. 02 | ISSN 2357-8009 | p. 198-223
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ABSTRACT
The world of work has undergone several transformations caused by the Industry 4.0,
in a social acceleration’s movement. In addition to the workstations’ automation, the
uberization of labor relations must be emphasized, that is, the provision of services
through digital platforms, with contractual arrangements that evade labor legislation.
Thus, hegemonic discourse said that the Labor Law would be outdated and unable
to deal with these new productive relationships, therefore the need to be updated to
promote greater flexibility in relations. This article intends to highlight contradictions and
objectives behind this discourse, which ends up denying labor’s centrality, especially in
a historical moment that technology usage guides labor relationships to greater fragility.
It is regained, from reflections on the work transformations and on the persistence of
the exploitation and subordination phenomena, the continuity of asymmetries that are
presented as reasons for the existence of Labor Law. These reflections are emphasized by
the evidence of vulnerability and demand for labor exploitation relationships’ mediation in
the context of the socio-economic crisis intensified by the SARS-CoV-19 pandemic.
Keywords: Labor Law. Uberization. Social acceleration. COVID-19’s pandemic. Social
justice.
1. Introdução
Damos início a este artigo com um clichê: o mundo está mudando – e está mudando
rápido. Teóricos têm identificado um movimento de aceleração social na modernidade
tardia, que ocorre no nível tecnológico, nas mudanças sociais e no ritmo de vida. Essas
mudanças ultrapassam as inovações em equipamentos, modificando também o modo de
vida das pessoas. Como não poderia deixar de ser, o mundo do trabalho está igualmente
passando por transformações, notadamente por novas formas de exploração do trabalho,
tais como a denominada uberização1.
Nesse contexto, parte-se de uma provocação: as razões de ser do Direito do
Trabalho, ramo jurídico concebido há dois séculos para regular as relações operárias,
persistiriam diante das transformações digitais? O pensamento hegemônico neoliberal
tem insistido que é necessária maior flexibilidade nas relações trabalhistas, com regras
menos protetivas e abertura para negociação privada entre as partes da relação laboral.
1 Por “uberização” entende-se, a partir do conceito adotado por Ludmila Abílio, um “novo estágio
da exploração do trabalho, que traz mudanças qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração
das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho”. Nesse
processo, ainda segundo a autora, “consolida a passagem do estatuto de trabalhador para o de um
nanoempresário-de-si permanentemente disponível ao trabalho; retira-lhe garantias mínimas ao mesmo
tempo que mantém sua subordinação; ainda, se apropria, de modo administrado e produtivo, de uma
perda de formas publicamente estabelecidas e reguladas do trabalho”. Cf: ABÍLIO, L. C. Uberização: do
empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas: individuo y sociedade.
Vol. 18, nº 3, nov/2019, p. 10.

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