Acesso à justiça e efetividade: a questão da impenhorabilidade dos salários na transição para o sistema processual inaugurado em 2015

AutorAny Ávila Assunção - Douglas Alencar Rodrigues
Páginas44-53

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Any Ávila Assunção

Doutora em Sociologia pela UNB. Mestre em Sociologia pela UNB. Graduada em Direito pelo UNICEUB. Professora, Pesquisadora e Coordenadora do Curso Geral de Bacharelado em Direito e da Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário IESB – IESB. Pesquisadora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília – UNB. Advogada atuante na área de Direitos Humanos, com ênfase em gênero, violência, sistema judicial e emancipação social.

Douglas Alencar Rodrigues

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação do Centro de Ensino Superior de Brasília – IESB. Presidente da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho – ABRADT. Vice-Presidente do Instituto Goiano de Direito do Trabalho.

1. Introdução

Além de prestar justa homenagem e reverenciar um dos mais ilustres magistrados que integram o órgão de cúpula do sistema judicial trabalhista, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, o propósito deste artigo é lançar luzes sobre questão jurídica pontual, debatida em todas as instâncias jurisdicionais e que parece colocar em lados opostos dois postulados processuais fundamentais: o da efetividade da jurisdição – que resulta da própria garantia do amplo acesso à Justiça com resposta em tempo razoável (art. 5º, XXXV e LXXVII, da CF) – e o da dignidade do sujeito passivo de obrigação reconhecida em título executivo judicial, também referido como princípio da menor onerosidade ao devedor (art. 1º, III, da CF c/c o art. 805 do CPC).

Antes de desenvolver considerações sobre o tema jurídico proposto, no entanto, é preciso referir, mesmo que brevemente, as razões que justificam a presente homenagem prestada por tantos juristas amigos, que prontamente aceitaram aos convites formulados pelos coordenadores desta obra jurídica coletiva.

Magistrado de carreira com assento judicial desde 1981, Aloysio trilhou exitosa carreira em todos os graus de jurisdição, presidindo várias Juntas de Conciliação e Julgamento e ascendendo ao TRT da 1ª Região no ano de 1997. Destacou-se também como professor junto à Universidade Católica de Petrópolis, entre os anos de 1984 e 2016, na qual foi agraciado com o título de Professor Honoris Causa. Foi presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região, em período turbulento da história daquela Corte, marcado por diversos conflitos de ordem ética com a Administração respectiva.

Foi Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) no biênio 2011/2013. Aloysio é autor de trabalhos jurídicos publicados em livros em coautoria e em diversas revistas especializadas. Atualmente integra, com invulgar brilho, os quadros da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho, também integrando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos grandes legados da Emenda Constitucional n. 45/2004.

Referência entre os magistrados mais dedicados e comprometidos do TST, órgão que passou a compor em dezembro de 2004, os dados estatísticos confirmam que é um dos que possui os menores acervos de processos pendentes. A exemplo de outros valorosos colegas, Aloysio tem demonstrado que é possível, a despeito dos ônus e sacrifícios pessoais exigidos, tornar real a promessa constitucional da eficiência e da razoável duração do processo no âmbito de uma das cortes com mais demandas do mundo.

Ao homenageado, portanto, o reconhecimento de seus pares e da comunidade jurídica, traduzida na presente obra coletiva, editada em um dos momentos mais singulares da história do Direito e da Justiça do Trabalho no Brasil1.

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2. Acesso à justiça: revisitando um velho ideal

Um dos principais temas examinados pela doutrina jurídica contemporânea diz respeito à busca por efetividade da ordem jurídica e, particularmente, dos direitos humanos fundamentais. A partir dos estudos de Mauro Cappelletti, desenvolvidos no âmbito do Projeto de Florença e que foram divulgados no Brasil no final da década de 70 do século passado2, as atenções de todos quantos envolvidos na gestão do sistema de Justiça – legisladores, sociólogos, doutrinadores e magistrados – se voltaram para a busca de soluções adequadas para a denominada crise sistêmica de efetividade do Poder Judiciário.

A magnitude da obra de Cappelletti e Garth é digna de registro e aplausos. Com os riscos que toda síntese encerra, pode-se afirmar que os ilustres pesquisadores perceberam a evolução gradual do conceito teórico do acesso à justiça, identificando os principais obstáculos que se colocavam – e que lamentavelmente ainda persistem – ao seu pleno exercício. A partir do exame da realidade dos sistemas de justiça de vários países, identificaram, em primeiro lugar, a necessidade de organização de estruturas institucionais destinadas a prover assistência jurídica aos necessitados, o que convencionaram denominar de “primeira onda” de acesso à justiça; na sequência, detectaram a necessidade de organização de procedimentos e sistemas de justiça capacitados para lidar com as denominadas lesões de massa, os chamados direitos difusos e coletivos (segunda onda); e, finalmente, a partir da análise de vários obstáculos, inibição e pontos de estrangulamento do acesso à Justiça, adicionaram às duas ondas anteriores a necessidade de soluções procedimentais e institucionais destinadas a tornar efetiva a promessa constitucional de amplo acesso à Justiça, não mais compreendida como o direito de ingressar em juízo, mas, efetivamente, com o direito de aces-so a um sistema de justiça, não necessariamente judicial ou estatal, mas que permitisse a resolução das disputas em tempo razoável3 e de forma adequada ou satisfatória. Trata-se de obra referencial, cuja leitura é obrigatória e que preserva sua atualidade e relevância científicas, ao ponto de se poder afirmar, sem grandes receios, que todas as inovações vivenciadas no Brasil buscaram inspiração nesse riquíssimo estudo desenvolvido no âmbito do já nominado Projeto de Florença.

No Brasil, pós-Constituição de 1988, esse mesmo esforço por garantir o acesso à ordem jurídica justa vem impondo ao legislador ordinário a edição, progressiva, de diversas normas jurídicas. São emblemáticas e referenciais, nesse contexto, as inovações legais produzidas a partir da década de 90 do século passado, capitaneadas pelos estudos e propostas oferecidas pela Escola Nacional da Magistratura, à época capitaneada pelo saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Entre essas tantas inovações, merecem referência as que: (i) introduziram a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela e da tutela específica da obrigação, compartilhando entre os litigantes os ônus da demora patológica do processo (CPC, art. 273 c/c as Leis ns. 8.952/1994 e 10.444/2002); (ii) romperam com a noção de colegialidade nos tribunais, permitindo a prolação de decisões monocráticas (CPC, art. 557 c/c a Lei n. 9.756/1998); (iii) trouxeram nova disciplina para o regime dos agravos retido e de instrumento (Lei n. 11.187/2005); iv) introduziram a noção do sincretismo processual, convertendo a execução em fase do processo de conhecimento (Lei n. 11.232/2005); v) consagraram a súmula impeditiva de recursos e reforçaram a possibilidade de saneamento de vícios processuais em grau de apelação (art. 581, § 1º, do CPC c/c a Lei n. 11.276/2005; e vi) autorizaram o julgamento liminar de improcedência, nos casos de demandas repetitivas já solucionadas previamente pelo órgão judiciário (art. 285-A do CPC c/c a Lei n. 11.277/2006).

Ainda no Brasil, dando curso às propostas referidas no Projeto de Florença, assistiu-se à tentativa de revitalização do instituto da arbitragem, com a edição da Lei n. 9.307/1996, que sofreu alguns ajustes com o advento da Lei n. 13.129/2015.

No conjunto de inovações legislativas destinadas à realização do ideal de pacificação de conflitos em tempo razoável e de forma adequada, a Lei n. 13.140, de 26.06.2015, dispôs sobre o instituto da mediação entre particulares e sobre a auto-composição de conflitos no âmbito da administração pública.

Apesar do esforço notável do legislador nacional, a crise de efetividade do sistema judicial persistiu, o que acabou ensejando a edição de um novo Código de Processo Civil (CPC), produzido a partir de um esforço coletivo de juristas e parlamentares, voltado à maior racionalização do sistema processual.

Com o advento da Lei n. 13.105, de 16.03.2015, inaugurou-se uma nova fase no sistema judicial brasileiro, com múltiplas e expressivas inovações editadas na perspectiva de assegurar o acesso a um sistema judicial de resolução de conflitos eficiente e adequado, em que seja assegurada a eficácia dos princípios e regras inscritos no texto da Constituição4.

Ao lado das regras informativas da atuação de juízes e partes propriamente ditas, as quais enfatizam a ideia de um

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processo colaborativo5 que deve viabilizar a edição de decisões de mérito6 e reverenciar as noções essenciais de racionalidade sistêmica e de segurança jurídica7, o novo sistema processual inaugurado em 2015 aponta no sentido da valorização substancial da busca de vias outras – antes referidas como alternativas, atualmente compreendidas como adequadas – para a resolução dos conflitos8-9.

No âmbito da Justiça do Trabalho, em especial, alterações pontuais foram também editadas, com especial destaque para a Lei n. 13.015/2014...

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