Acesso à justiça e extensão da convenção de arbitragem em contratos coligados

AutorGustavo Tepedino e Laís Cavalcanti
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Mestranda em Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia do escritório Gustavo Tepedino Advogados
Páginas217-234
ACESSO À JUSTIÇA E EXTENSÃO DA
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM EM
CONTRATOS COLIGADOS
Gustavo Tepedino
Professor Titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócio fundador do escritório Gustavo Tepedino
Advogados.
Laís Cavalcanti
Mestranda em Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócia
do escritório Gustavo Tepedino Advogados.
Sumário: 1. Notas Introdutórias. 2. Ecácia da convenção de arbitragem. 3. Contratos coligados
e a abrangência da convenção de arbitragem. 3.1 Abrangência subjetiva vertical da convenção
de arbitragem. 3.2 Abrangência subjetiva horizontal da convenção de arbitragem. 4. Análise
de casos de extensão da convenção de arbitragem no âmbito de contratos coligados. 5. Notas
conclusivas. 6. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
O instituto da arbitragem encontra-se visceralmente ligado à autonomia privada.
Constitui-se, por isso mesmo, em verdadeiro exercício cultural para o aperfeiçoamento
da vida associativa, na formulação do livre consenso e no respeito à solução de conf‌litos
ao largo da interferência estatal. Por se tratar de mecanismo de solução de conf‌litos eleito
pelas partes, cujo procedimento apresenta particular f‌lexibilidade justamente para atender
aos interesses e necessidades dos litigantes, sua adoção revela-se valioso instrumento de
concretização do acesso à justiça.
No Brasil, todavia, o instituto foi inicialmente recebido com desconf‌ianças e hesi-
tações, o que se justif‌ica, em certa medida, pela falta de tradição associativa da sociedade
brasileira, na qual a autonomia privada não se encontra suf‌icientemente reconhecida
como expressão dos princípios da igualdade e da liberdade.
Mostra-se eloquente, sob esse prisma, que a constitucionalidade da Lei de Arbitra-
gem (Lei 9.307/1996) tenha sido desaf‌iada em longo e conhecido processo concluído
somente em 2004 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, quando foram afastadas,
f‌inalmente, as suspeitas de inconstitucionalidade. No julgado, discutiram-se a possi-
bilidade e os limites da renúncia à jurisdição estatal – cujo acesso é garantido pelo art.
5º, XXXV, da Constituição da República – por meio de cláusula compromissória ou
EBOOK JUSTICA MULTIPORTAS E TECNOLOGIA.indb 217EBOOK JUSTICA MULTIPORTAS E TECNOLOGIA.indb 217 08/01/2021 15:22:1008/01/2021 15:22:10
GUSTAVO TEPEDINO E LAÍS CAVALCANTI
218
compromisso arbitral, e a consequente atribuição de poderes a árbitros privados para a
solução dos conf‌litos.1
Dentre os fundamentos (por vezes velados) refratários à arbitragem como procedi-
mento alternativo à prestação jurisdicional, destaca-se o receio de que o crescimento da
arbitragem decorresse de perspectiva ideológica neoliberal, a retirar do Estado função
que lhe é essencial. Tal raciocínio se robustece na experiência brasileira, em que, por
pluralidade de razões históricas, associam-se, na percepção popular, o progresso social e
as ideologias progressistas à maciça intervenção estatal, atribuindo-se somente ao Estado,
e não ao conjunto (e a cada um) dos agentes econômicos privados, o dever de reduzir a
desigualdade social e promover as liberdades fundamentais.
No decorrer dos anos, desde a edição da Lei de Arbitragem, observou-se o ama-
durecimento da experiência brasileira acerca do procedimento arbitral, podendo-se
tomar como sinalizações desse movimento a maior deferência do Judiciário a cláusulas
compromissórias e compromissos arbitrais;2 crescimento e consolidação das câmaras de
arbitragem;3 publicações especializadas na matéria;4 bem como as alterações promovidas
na Lei de Arbitragem pela Lei nº. 13.129/2015, cujo nível de sof‌isticação5 demonstra os
passos galgados pelo instituto em nosso país.
Esse aprimoramento apenas reforçou a contínua necessidade do controle de le-
galidade da prática arbitral, no intuito de preservar a formação livre e consensual da
convenção de arbitragem como garantia da ef‌icácia da sentença arbitral, apta a atender
à f‌inalidade econômica e social de solucionar conf‌litos com otimização de tempo e re-
cursos. Da constante investigação da qual o procedimento arbitral é objeto exsurgem
1. No supracitado julgamento, o Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária, considerou constitucional a renúncia
à jurisdição estatal, desde que limitada às matérias atinentes a direitos patrimoniais disponíveis, como determina a
Lei nº. 9.307/1996, em seu artigo 1º. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Constitucionalidade declarada
pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula
compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade
da parte recalcitrante em f‌irmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV da CF” (STF, Ag.R. na SE 5.206,
Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 12.12.2001).
2. Nesse sentido: “Conf‌lito positivo de competência. Juízo arbitral e juízo da Recuperação judicial. Discussão acerca
da legalidade de disposições Integrantes do plano de soerguimento. Aumento de capital. Assembleia de acionistas.
Não realização. Cláusula compromissória prevista no Estatuto social. Questões societárias. Competência do juízo
Arbitral. (...) 3. As jurisdições estatal e arbitral não se excluem mutuamente, sendo absolutamente possível sua
convivência harmônica, exigindo-se, para tanto, que sejam respeitadas suas esferas de competência, que ostentam
natureza absoluta. Precedentes. 4. Em procedimento arbitral, são os próprios árbitros que decidem, com prioridade
ao juiz togado, a respeito de sua competência para examinar as questões acerca da existência, validade e ef‌icácia da
convenção de arbitragem e do contrato que contenha cláusula compromissória – princípio da kompetenz-kompe-
tenz. Precedentes. 5. A instauração da arbitragem, no particular, foi decorrência direta de previsão estatutária que
obriga a adoção dessa via para a solução de litígios societários” (STJ, CC 157.099, S2, Rel. Min. Nancy Adrighi,
julg. 10.10.2018). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.694.826, 3ª T., Rel. Ministra Nancy Andrighi, julg. 7.11.2017.
3. Em 2014, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), instituição líder mundial na resolução de litígios comerciais,
inaugurou a ICC Brasil, sediada em São Paulo.
4. Nesse sentido, destacam-se as publicações da Revista de Arbitragem e Mediação e da Revista Brasileira de Arbi-
tragem.
5. Por exemplo, conf‌ira-se o art. 13, § 4º da Lei 13.129/2015: “As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação
de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do
árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha
pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser
observado o que dispuser o regulamento aplicável”.
EBOOK JUSTICA MULTIPORTAS E TECNOLOGIA.indb 218EBOOK JUSTICA MULTIPORTAS E TECNOLOGIA.indb 218 08/01/2021 15:22:1008/01/2021 15:22:10

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT