Acidente do trabalho - Indenização - Responsabilidade objetiva - Risco

AutorJuíza Valdete Souto Severo
Páginas124-130

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Visto em gabinete

Gean Alderi Ricardi Teodoro, representado por sua mãe Evanilde Ricardi, ajuíza ação trabalhista em face de Indústria Ervateira Ouro Verde Ltda, aduzindo haver trabalhado de maio de 2010 a junho de 2011. Conta que seu pai começou a trabalhar para a empresa e morar numa residência que a ela pertence, razão pela qual os dois filhos menores, um dos quais o autor, tiveram de prestar serviços para a demandada a partir dos 14 anos, sob pena de haver acréscimo no aluguel que a família

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pagava pela casa. Narra ainda que se acidentou durante o trabalho e ainda assim não teve assistência nem o vínculo reconhecido. Pede o registro do contrato em sua CTPS e o pagamento das verbas que descreve. Atribui à causa o valor de R$ 50.000,00. Requer o benefício da Assistência judiciária gratuita. Junta documentos.

Rejeitada a conciliação, a reclamada contesta o feito. Diz que o reclamante prestou serviços esporádicos. Nega os pedidos da inicial.

Realiza-se perícia médica e para aferição das condições de trabalho.

No prosseguimento, colhem-se declarações das partes e de três testemunhas.

Razões finais remissivas. Nova proposta de conciliação rejeitada.

Examino.

  1. Relação jurídica de emprego. CTPS. Registro. Verbas resilitórias. A reclamada não nega a prestação de serviços, atraindo para si o ônus da prova de que a relação se estabeleceu em moldes diversos daqueles preconizados na CLT. Desse ônus, porém, não se desincumbe. Note-se que o princípio da proteção, em sua expressão denominada pela doutrina como primazia da realidade, determina presuma-se o vínculo de emprego sempre que alguém trabalha em favor de outrem, de forma remunerada. A narrativa da inicial impressiona. O autor afirma haver sido obrigado a trabalhar, a partir dos 14 anos, sob pena de majoração do aluguel da casa (de propriedade da reclamada) em que habitava com sua família. Em juízo, o preposto admite que a família morou em residência da empresa, em razão do contrato de trabalho firmado com o pai do reclamante, e que cobravam aluguel pelo imóvel. Confirma também que o reclamante prestou serviços, sem saber informar período ou periodicidade. Menciona que "o reclamante trabalhava a tarde no plantio e limpeza da erva mate; que quando chovia o reclamante auxiliava em serviços internos". Nada há, pois, de esporádico na atividade do reclamante, seja sob a perspectiva da jurisprudência dominante, que equivocadamente assimila a não-eventualidade com a periodicidade da prestação de serviços, seja à luz da noção de não-eventualidade como previsibilidade das atividades. A onerosidade é incontroversa, assim como certa é a subordinação, que decorre da natureza da atividade realizada. O reclamante, de acordo com o próprio preposto, fazia serviços internos e atuava no plantio e limpeza da erva mate. A reclamada é uma ervateira. A atividade diz, pois, com a finalidade social da empresa, configurando o que a doutrina vem denominando subordinação objetiva. Diante da prova produzida, não há dúvida de que o reclamante trabalhou como empregado da reclamada, devendo ser reconhecido o período por ele descrito na petição inicial, já que o preposto sequer sabe informá-lo, assumindo atitude incompatível com a sua função em audiência. Declaro, pois, tenha havido relação jurídica de emprego entre as partes no período de 1º.5.2010 a 30.9.2011, como serviços gerais, mediante remuneração de um salário mínimo. A reclamada terá até o dia 11.3.2013 para efetuar o registro do contrato de trabalho na CTPS do autor, sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de atraso, até o limite de 60 dias. Para viabilizar o cumprimento da ordem, o reclamante deverá depositar imediatamente sua CTPS em juízo. Observo, apenas por demasia, que a menoridade do reclamante não é óbice para o reconhecimento do vínculo que efetivamente existiu. Do contrário, penalizar-se-ia o trabalhador, pela ofensa ao direito perpetrada pelo empregador em seu direto prejuízo.

    Como consequência direta do vínculo, defiro o pagamento de gratificação natalina e férias (remuneração com 1/3) do período do contrato de trabalho, além de aviso prévio e do FGTS, com acréscimo de 40%. Considerando a remuneração a ser observada, os repousos semanais já estão contemplados no que foi deferido. Defiro, ainda, multa prevista no art. 477 da CLT e pena prevista no art. 467 da CLT, porque decorrência lógica do inadimplemento da empregadora.

    Determino que a presente sentença VALE COMO ALVARÁ para liberação do FGTS e encaminhamento do benefício do seguro desemprego, devendo os dados necessários às providências administrativas serem obtidos diretamente na CTPS do autor.

  2. Acidente de Trabalho. Indenização. A irresponsabilidade da empresa, ao contratar menor de idade sem registro na CTPS resultou em acidente cujas sequelas, conforme laudo médico, ainda são suportadas pelo reclamante. O menor, enquanto trabalhava, prendeu a mão na esteira rolante em que estava a erva mate que tinha de receber. Ficou com a mão engessada por sessenta dias. Teve de fazer fisioterapia por três meses. O perito médico relata "ruptura do ventre muscular do tríceps esquerdo, redução de força e amplitude na extensão dos dedos" além de "quelóides na região escapular direita" provocando dano estético. O médico refere que embora não haja incapacidade para o trabalho, há redução da capacidade, mínima e permanente. Aponta um percentual de 17,5%, a partir da tabela da SUSEP. Observo que embora o perito responda de forma condicionada a alguns quesitos, o acidente ocorrido no ambiente de trabalho é incontroverso nos autos. A prova oral produzida corrobora o que de resto não foi negado na defesa. O reclamante se acidentou trabalhando, quando tinha 14 anos de idade, e terá sequela permanente, embora mínima, em razão disso. A negligência no agir da empre-

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    gadora é manifesta e ostensiva. A empresa contratou informalmente menor de idade para realizar tarefas incompatíveis com seu estágio de desenvolvimento. Descumpriu a regra do art. 7º, XXXIII, da Constituição (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos). Não provou haver efetuado qualquer treinamento. Expôs o adolescente ao perigo de dano irreparável, que de fato ocorreu, descumprindo também o comando inserto no art. 7º, XXII, da Constituição e o art. 157 da CLT, que impõem cláusula de incolumidade, garantindo ao empregado "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" com obrigação de "cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho".

    Destaco que a verificação de culpa grave é relevante apenas para efeito da fixação do quantum da indenização a ser fixada, pois a responsabilidade do empregador pelos danos sofridos pelo empregado no ambiente de trabalho é objetiva. Ao empregador compete prevenir e precaver-se de danos que sua atividade empresarial possa ocasionar nos empregados. Esse é o fundamento da teoria do risco, defendida por Evaristo de Moraes em obra datada de 1919. A responsabilidade do empregador no âmbito de uma relação de trabalho, que a maioria absoluta da doutrina reconhece como tendo natureza de contrato, é, pois, contratual e objetiva. Decorre da própria condição de empregador e encontra previsão expressa no art. 2º da CLT, quando define esse sujeito do contrato como quem "assume os riscos do...

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