Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador como regra geral

AutorVictor Hugo Fonseca Carvalho
Páginas68-92

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1. Introdução

Este artigo tem o propósito de estudar aspectos da responsabilidade do empregador nos acidentes do trabalho, aferindo-se a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade objetiva baseada no Direito do Trabalho, colocando-se em segundo plano o Direito Civil no tratamento dos infortúnios trabalhistas.

Será feita uma breve análise da legislação previdenciária e do significado de acidente do trabalho, passando-se ao estudo da responsabilidade civil subjetiva e objetiva em casos de acidente do trabalho para, posteriormente,

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fazer uma análise da possibilidade da adoção de uma responsabilidade objetiva dos empregadores, responsabilidade esta norteada por regras e princípios do Direito do Trabalho, porém restrita a algumas hipóteses de acidentes do trabalho.

Embora o caminho percorrido com este estudo seja diferente do que é traçado pela doutrina e jurisprudência atuais sobre o assunto, ele é oriundo da interpretação teleológica de regras e princípios que informam o Direito do Trabalho.

Nada é mais natural do que o acidente do trabalho, subproduto que é da relação de trabalho subordinado, ser regulado por regras e princípios do Direito do Trabalho antes de tudo.

O objetivo deste breve estudo, portanto, é a defesa de um modelo de responsabilidade patronal próprio à esfera das relações de trabalho, modelo este que consideramos justo e coerente com a ordem jurídica vigente.

2. Proteção previdenciária em caso de acidente do trabalho

A proteção do trabalhador nos casos de acidente do trabalho é tão relevante que a época clássica do direto previdenciário surgiu, como aponta Jean-Jacques Dupeyroux2, da criação dos primeiros sistemas de indenização pelos infortúnios causados por acidentes do trabalho.

Portanto, o Estado em busca de desenvolvimento social, passou a ter uma atenção voltada para o trabalhador acidentado e enfermo.

Atualmente no Brasil, a Constituição da República em seu art. 6a expressamente estabelece que o direito à previdência é um direito social e o art. 3a da Carta Fundamental estabelece como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Nesse contexto, a ordem jurídica infraconstitucional confere ao trabalhador ampla proteção em caso de acidente do trabalho. O trabalhador possui cobertura da seguridade social nos casos especificados nos arts. 19 a 23 da Lei n. 8.213/91.

No art. 19 da referida lei há a definição geral do que é acidente do trabalho, fixando a obrigação da empresa na prevenção do evento, por

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meio da implementação de medidas coletivas ou individuais de proteção à integridade física do trabalhador:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, (grifo nosso)

Basta o exercício do trabalho a serviço da empresa para a caracterização do acidente do trabalho. A relação de trabalho é género do qual a relação de emprego é espécie, estando protegido, portanto, o empregado em caso de infortúnios trabalhistas.

Registre-se que a atenção deste trabalho é voltada para a figura do empregado em virtude das regras jurídicas aplicáveis às relações de emprego e que apenas por analogia são aplicáveis a outros trabalhadores não empregados. Estas regras serão comentadas no item seguinte, devendo ser retomada a breve análise da legislação previdenciária.

O art. 20 da Lei n. 8.213/91 estende o conceito de acidente do trabalho de forma a abarcar as doenças profissionais e doenças do trabalho.

Por último, a lei cria a figura dos acidentes do trabalho por equiparação e define que em alguns casos, embora não haja uma causalidade direta ou única entre o trabalho e a incapacidade laborativa, o acidente será considerado como acidente do trabalho. Haverá um dever jurídico de solidariedade da empresa para com o empregado, uma vez que o acidente que o acometeu tem relação ainda que remota com a atividade desempenhada pelo empregado junto à empresa, com obrigação de a mesma ter que emitir a CAT, garantido o emprego ao trabalhador pelo período de 12 (doze) meses após o seu retorno (art. 118, Lei n. 8.213/91).

Mesmo nas hipóteses em que a causalidade do acidente seja apenas indireta em relação ao exercício de trabalho a serviço da empresa, haverá acidente do trabalho e cobertura do empregado acidentado pela previdência, com o dever de a empresa emitir a CAT, sob pena de sofrer autuação administrativa.

Se o empregador der causa ao acidente do trabalho em virtude do não cumprimento das normas de segurança há poder-dever do INSS de propor a ação regressiva contra o mesmo, a fim de buscar o ressarcimento de todos os gastos realizados com o segurado decorrentes da negligência da empresa:

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Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Estes são os pontos da legislação previdenciária relacionados a acidente do trabalho de maior relevo para a construção do entendimento pretendido.

3. Definição da competência da justiça do trabalho e seus efeitos

A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por dano moral e patrimonial está prevista no art. 114, VI, da CRFB/88, introduzido com a Emenda Constitucional n. 45/2004.

O STF editou a Súmula Vinculante n. 22, que reforçou a competência da Justiça do Trabalho e apenas excluiu as ações indenizatórias (não previdenciárias) em que já exista sentença ao tempo da edição da EC n. 45/04.

Ficou prejudicada, portanto, a Súmula n. 15 do STJ que sustentava desde 1990 a competência da Justiça Comum dos Estados para processar e julgar litígios decorrentes de acidente do trabalho, a despeito de muitos já sustentarem a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações indenizatórias desde o advento da nova ordem constitucional em virtude da não reprodução do art. 142, § 2a, da CRFB/67 que estabelecia que: "Os litígios relativos a acidentes do trabalho são de competência da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional".

Era o entendimento defendido por Roland Hasson3.

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A Emenda Constitucional n. 45/04 trouxe sem sombra de dúvidas competência há muito tempo reivindicada pela Justiça do Trabalho.

Haveria em razão da alteração da competência da Justiça do Trabalho alguma modificação no entendimento consolidado ao longo dos anos no sentido de que a responsabilidade dos empregadores pelos danos decorrentes de acidente do trabalho é meramente subjetiva? A alteração da competência significaria a alteração do direito material aplicável?

Em outras palavras, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho significaria o mero aumento de poderes e de responsabilidades dos magistrados trabalhistas sem maiores consequências práticas?

A resposta só pode ser negativa.

4. Responsabilidade subjetiva nos acidentes do trabalho

Consolidou-se com o tempo, o entendimento de que a responsabilidade dos empregadores seria da espécie subjetiva nos acidentes do trabalho, entendimento este lastreado por dispositivos do Código Civil de 1916 que regulavam a responsabilidade civil.

Neste contexto e a partir desta ótica surgiu a Súmula n. 229 do STF de 1963, que enunciava: A indenização acidentaria não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.

A súmula significou grande avanço para a época e significou a consolidação do entendimento de que além da cobertura securitária decorrente do Decreto-Lei n. 7.036/44 também caberia a indenização do direito comum, mas restrita aos casos em que houvesse dolo ou culpa grave do empregador.

Afastou-se, portanto, o entendimento contrário de que o reconhecimento do dever do empregador de reparar o dano causado ao empregado significaria um bis in idem por conta da existência do seguro social.

Hoje esta regra geral de responsabilidade civil encontra guarida no art. 7a, XXVIII, da CRFB/88, arts. 186 e 927 do CCB/2002:

Art. 7a São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

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XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Quanto ao art. 7a, XXVIII, da CRFB/88, o referido dispositivo constitui um mínimo de direito conferido ao trabalhador e não o máximo. Este mínimo evidentemente pode ser ampliado pela legislação infraconstitucional e por questões de justiça social e equidade, de forma coerente com outros dispositivos constitucionais e regras e princípios do Direito do Trabalho.

O parágrafo único...

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