Ações constitucionais

AutorEduardo dos Santos
Páginas943-1009
CAPÍTULO XXV
ÕES CONSTITUCIONAIS
1. INTRODUÇÃO
As ações constitucionais, também chamadas de ações constitucionais de garantia, ou,
ainda, de remédios constitucionais são ações de natureza constitucional que visam assegurar o
exercício, a implementação e a aplicação dos direitos constitucionais. São, portanto, ações de
garantia (ou garantias instrumentais) conferidas as pessoas para que possam buscar perante
o Poder Judiciário a prevenção, a proteção, a correção (correta aplicação) e a implementação
de seus direitos (individuais e transindividuais) em face de atos e/ou omissões que os lesem
ou os ameassem de lesão.
Classicamente, a doutrina aponta como ações constitucionais:
habeas corpus (art. 5º, LXVIII);
habeas data (art. 5º, LXXII);
mandado de segurança individual (art. 5º, LXIX) e coletivo (art. 5º, LXX);
mandado de injunção individual e coletivo (art. 5º, LXXI);
ação popular (art. 5º, LXXIII);
Mais recentemente, a doutrina contemporânea tem alargado esse rol e, também, apon-
tado como ações constitucionais:
ação civil pública (art. 129, III);
reclamação constitucional (art. 102, I, “l”; art. 103-A, §3º; e art. 105, I, “f”).
2. HABEAS CORPUS
2.1 Notas históricas
O habeas corpus é umas das ações constitucionais mais antigas da história do constitu-
cionalismo, encontrando, pelo menos, duas origens distintas: uma romana e outra inglesa.
A partir de sua origem romana, temos que, etimologicamente, habeas signif‌ica ter, tomar,
enquanto corpus signif‌ica corpo, de modo que, na acepção proveniente do direito romano,
habeas corpus signif‌ica “tomar o corpo do detido e submetê-lo ao juiz para o julgamento do
caso”. Nesse sentido, conforme observa Pinto Ferreira, “raízes históricas do habeas corpus
já podem ser encontradas no direito romano, que à distância inf‌luenciou o direito ocidental.
Pretende-se que os romanos já conheciam uma garantia criminal preventiva de natureza
análoga ao habeas corpus, como seja, o interdictum de homine libero exhibendo, como ordem
que o preto dava a trazer o cidadão ao seu julgamento, apreciando a legalidade da prisão
efetuada”.1
Entretanto, é indubitável que a origem moderna do habeas corpus reside no direito
inglês, tendo como ponto de partida o capítulo XXXIX da Magna Carta Libertatum de
1215, que dispõe que “ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e
liberdade, senão em virtude de julgamento por seus pares, de acordo com as leis do país”. Nada
1. PINTO FERREIRA, Luiz. Teoria e prática do habeas corpus. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 943EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 943 25/02/2021 18:17:5625/02/2021 18:17:56
DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO • EDUARDO DOS SANTOS
944
obstante, e, face das inúmeras arbitrariedades e abusos contra a liberdade de locomoção,
o habeas corpus veio a ser objeto de outros documentos constitucionais ingleses para ser
consolidado, destacando-se, sobretudo, a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de
1679 e o Habeas Corpus Act de 1816.
No Brasil, em que pese algumas poucas vozes dissonantes, a doutrina majoritária
defende que o habeas corpus só veio a ser instituído pelo Código de Processo Criminal de
1832, que em seu art. 340 dispunha que “todo o cidadão que entender, que elle ou outrem soffre
uma prisão ou constrangimento illegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de
habeas-corpus em seu favor”. Já a constitucionalização do habeas corpus no direito brasileiro
só veio com a Constituição de 1891, que em seu art. 72, § 22, dispunha que “dar-se-ha o ha-
beas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia,
ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder”.
Por f‌im, na Constituição brasileira de 1988, o habeas corpus está consagrado no art. 5º, LX-
VIII, que assim dispõe: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado
de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
2.2 Conceito
O habeas corpus consiste em ação constitucional de natureza predominantemente pe-
nal concedida em face de lesões ou ameaças de lesões ao direito de liberdade de locomoção
(direito de ir, vir e permanecer) ocorridas em razão de ilegalidade ou abuso de poder.
2.3 Natureza jurídica
Embora o Código de Processo Penal aloque o habeas corpus no título dos recursos, ele
não consiste em recurso, mas sim em ação autônoma de cunho mandamental e status consti-
tucional. Assim, a natureza jurídica do habeas corpus é de ação constitucional mandamental,
sendo verdadeira ação de garantia do direito de liberdade de locomoção.
2.4 Características
É importante, preliminarmente, destacarmos as seguintes características do habeas corpus:
1) A f‌inalidade do habeas corpus é assegurar todos os direitos que se relacionam com
a liberdade de locomoção, destinando-se a proteção geral da liberdade de ir, vir e
permanecer, englobando desde o deslocamento da pessoa até o seu acesso e perma-
nência, assim como a sua saída do território nacional.
2) Se a concessão do habeas corpus não se deu por motivos de ordem pessoal, ela deve
ser estendida aos eventuais corréus.
3) Pode ser impetrado por telegrama, radiograma ou telex, por telefone, reduzido a
termo pela secretaria, por e-mail, ou outros meios eletrônicos aptos.
4) Por ser ação de cognição sumária, deve ser impetrado com prova pré-constituída,
não admitindo dilação probatória ou reexame de análise probatória.
5) O habeas corpus possui legitimidade ativa ampla, não sendo necessário advogado para
sua impetração, de modo que qualquer legitimado possui capacidade postulatória
para propor a ação.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 944EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 944 25/02/2021 18:17:5625/02/2021 18:17:56
945
CAPíTulo XXV • AÇÕES CoNSTITuCIoNAIS
6) O habeas corpus pode ser manejado como sucedâneo de recurso e, até mesmo, si-
multaneamente a um recurso.
7) Embora manejado, predominantemente, em matérias de natureza penal, o habeas
corpus pode ser manejado em face de matérias cíveis, como, por exemplo, no caso
de prisão civil de devedor de alimentos ou no caso de retenção de passaporte pela
justiça cível (medida executiva atípica).
2.5 Notas terminológicas
Para uma melhor compreensão do habeas corpus é importante que se conheça os se-
guintes termos constantemente utilizados pela legislação, pelos tribunais e pala doutrina:
PACIENTE: é a pessoa que sofre ou se acha ameaçada de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. É sempre pessoa
física (natural), pessoa humana, não podendo ser pessoa jurídica ou mesmo animal.
IMPETRANTE: é quem impetra com o habeas corpus, podendo fazê-lo para si ou para
outrem, conforme estudaremos na legitimidade ad causam. Assim, o paciente e o im-
petrante podem ser a mesma pessoa ou pessoas diferentes.
AUTORIDADE COATORA: é o agente responsável pela violência ou coação, ou ameaça
de violência ou coação, à liberdade de locomoção.
2.6 Espécies
A doutrina aponta as seguintes espécies de habeas corpus:
1) Habeas Corpus Preventivo (salvo-conduto): manejado para evitar violência ou co-
ação à liberdade de ir e vir de alguém, visando impedir que uma pessoa que esteja
sob ameaça efetiva de constrição de seu direito de liberdade de locomoção venha a
sofrer essa constrição, buscando, portanto, uma ordem de salvo-conduto.
2) Habeas Corpus Repressivo (liberatório): manejado para fazer cessar a violência
ou coação à liberdade de ir e vir de alguém, visando pôr f‌im à constrição ilegal ou
abusiva ao direito de liberdade de locomoção de uma determinada pessoa, em face
de sua violação, buscando, portanto, uma ordem liberatória.
3) Habeas Corpus Suspensivo: manejado para suspender um mandado de prisão ilegal
ou abusivo ainda não cumprido (a pessoa ainda não foi presa), buscando uma ordem
suspensiva desse mandado de prisão.
4) Habeas Corpus Prof‌ilático: manejado contra ato ilegal ou abusivo capaz de fazer
surgir constrição à liberdade de locomoção da pessoa, embora ela não seja iminente,
isto é, embora não haja ameaça efetiva naquele momento. Essa espécie de habeas
corpus é comumente impetrada visando o trancamento de ação penal abusiva ou
ilegal, bem como o trancamento de procedimento investigatório abusivo ou ilegal,
como inquéritos policiais, por exemplo. Segundo o STJ, o habeas corpus somente
pode trancar a ação penal quando se conf‌igurar de forma inequívoca: i) a inocência
do acusado; ii) a atipicidade da conduta; ou iii) a extinção da punibilidade.2 Já se-
gundo o STF o habeas corpus somente pode trancar a ação penal quando estiverem
2. STJ, REsp 1.046.892, Rel. Min. Laurita Vaz.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 945EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 945 25/02/2021 18:17:5625/02/2021 18:17:56

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT