Ações do ministério público do trabalho na prevenção e repressão ao trabalho infantil: atuação e instrumentos processuais

AutorRafael Dias Marques
CargoProcurador do Trabalho da PRT/8ªRegião e Coordenador Nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes
Páginas112-134

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Considerações iniciais: o trabalho digno e decente e o enfrentamento do trabalho infantil

Desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2005, presencia--se, na ordem jurídica pátria, um movimento de alargamento de competência do Sistema de Justiça Especial do Trabalho, do qual fazem parte, indissociavelmente, Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho.

Com efeito, abandonou-se o foco restrito nas relações de emprego para alcançar-se novos horizontes de competência, desta feita, as relações de trabalho em sentido amplo. Nesse diapasão, o Sistema de Justiça Especial do Trabalho passou a ser responsável pela tutela jurídica do bem trabalho, em todas as suas acepções, protegendo todos os valores de decência e dignidade a ele inerentes, segundo previsões de ordem constitucional.

Assim, protege-se o valor social do trabalho, o trabalho digno e decente, cuja compostura jurídica não pode, jamais, tolerar práticas laborais envolvendo crianças e adolescentes antes da idade mínima fixada no art. 7e, XXXIII, da Constituição da República.

Aliás, as próprias Convenções ns. 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, ambas ratificadas pelo Estado brasileiro, cujos conteúdos obrigacionais jazem na seara da proibição do trabalho infantil,

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traduzem, indeclinavelmente, o núcleo duro e inalienável do paradigma do trabalho decente, na medida em que integram o conjunto de normas ditas fundamentais do Sistema Normativo Transnacional de Tutela do Trabalho.

Daí que, por via de corolário, é por demais caro ao Ministério Público do Trabalho, como pilar integrante daquele sistema de justiça, o enfren-tamento do trabalho infantil, seja na óptica da prevenção, seja no viés da repressão, como também a proteção do trabalho do adolescente, pois, em havendo um e/ou outro, acaba-se por fazer ruir qualquer arremedo de trabalho digno e decente, com o que não se pode compadecer.

Nesse sentido e por considerar que qualquer valor de dignidade no trabalho não pode conviver com a prática perversa do trabalho infantil, criou o Parquet trabalhista uma Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes. Tal aparato tem a finalidade precípua de, no âmbito das atribuições do Ministério Público do Trabalho, integrar as Procuradorias Regionais do Trabalho em uma atuação uniforme e coordenada de combate ao trabalho infantil e de regularização do trabalho do adolescente, assim como fomentar a troca de experiências e discussões sobre a temática.

É, pois, sob pálio de referida Coordenadoria, que são gestadas, coordenadas e executadas as principais ações nacionais do Ministério Público do Trabalho, para prevenção e repressão do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente, objetos estes a serem sempre perseguidos pelos membros do Parquet, com vistas à consecução da finalidade maior daquele Sistema de Justiça, qual seja, o valor social do trabalho digno e decente, na forma do que preceitua o art. 1e, IV, da Constituição da República.

Da atuação preventiva e repressiva do ministério público no enfren-tamento ao trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente

A problemática do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente é multifacetada e complexa, de modo que transborda o aspecto meramente jurídico, para atingir, entre outras, questões sociais, econômicas, consumeristas, antropológicas e culturais.

Ora, essa amplitude da problemática está a exigir respostas amplas e coordenadas, que contemplem aquelas múltiplas facetas; atuações que traduzam, pois, repercussões não apenas no mundo do direito, mas, sobretudo, no mundo dos pensamentos, no mundo dos fatos, no mundo da economia, no mundo do consumo, etc.

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Ademais, todas essas atuações não podem ser pensadas de modo isolado, de modo que, sempre que possível, devem integrar família, sociedade e Estado, sob pena de se tornarem ineficazes.

Destarte, antevendo estes pressupostos de atuação, e mesmo para bem desempenhar seu mister constitucional (art. 127 da Constituição Federal) e legal (art. 83 da Lei Orgânica do Ministério Público da União), o Ministério Público do Trabalho criou estruturas administrativas e concebeu programas de atuação nacional, todos concertados sob a finalidade maior de prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente.

Nessa esteira e para os propósitos do presente artigo, pode ser destacada, como estrutura administrativa, a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, sobre cujo funcionamento discorrer-se-á no tópico seguinte.

Em atinência aos programas de atuação nacional, tais podem se inserir sob um viés de prevenção, conscientização e sensibilização, numa atuação promocional, por excelência. Como exemplo, podem ser destacados, dentre outros, a realização de audiências públicas, a confecção de campanhas publicitárias, o fomento a Fóruns de Discussão (a exemplo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), a participação em Comissões Temáticas organizadas pela sociedade civil e em órgãos consultivos do Poder Público (a exemplo da Comissão Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, do Ministério do Trabalho e Emprego).

Tal viés preventivo tenciona focar no aspecto cultural da permissibi-lidade do trabalho infantil, ainda bastante enraizado no seio social. Com efeito, não raro, presenciam-se, entre o senso comum, mitos segundo os quais "o trabalho é formativo, uma escola de vida que torna o homem mais digno"; ou "o trabalho tem que ser considerado um fator positivo no caso de crianças que, dada sua situação econômica e social, vivem em condições de pobreza e de risco social"; ou "trabalhar educa o caráter da criança; o trabalho é um valor ético e moral"; ou "é melhor a criança trabalhar ou ficar na rua exposta aos crimes e maus costumes"; ou "'é uma questão de necessidade a criança ajudar na economia da família, ajudando-a a sobreviver", etc.

Desse modo, a atuação preventiva do MPT visa a desconstruir tais mitos, em ordem a possibilitar que a sociedade venha a assimilar as verdades que se encontram sob tais assertivas perversas e excludentes, de maneira a torná-la consciente, sensível e denunciadora quanto à problemática.

Assim, são veiculadas contraideias a referidos mitos, dentre as quais podem ser citadas: "o trabalho precoce é deformador da infância; as longas

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jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio maquinário inadequado à idade resultam em vários problemas de saúde e elevação de índices de mortalidade"; "a permissibilidade do trabalho infantil implica perpetuação da pobreza daquela família, além de discriminação escancarada"; "crianças e adolescentes que trabalham em condições desfavoráveis pagam com o próprio corpo, quando carregam pesos excessivos, são submetidos a ambientes nocivos à saúde, vivem nas ruas ou se entregam à exploração sexual"; "a infância é tempo de formação física e psicológica; tempo de brincar e aprender. O trabalho precoce impede a frequência escolar e prejudica a formação física, psíquica e profissional"; "quando a família se torna incapaz de prover seu próprio sustento, cabe ao Estado apoiá-la, e não à criança".

Por outro lado, o Ministério Público do Trabalho também desenvolve programas de atuação repressiva, cujo foco é a correção de ilicitudes, já extravasadas no mundo fático, seja por ato comissivo, seja por ato omissivo, promovendo as devidas responsabilidades, através de tutelas inibitórias (via imposição de deveres de conduta positivos e/ou negativos), ou de tutelas reparatórias (via condenação por danos morais coletivos); corolários esses ativados por instrumentos processuais diversos, entre os quais se destacam os Inquéritos Civis Públicos, os Termos de Compromissos de Ajustamento de Conduta e as Ações Civis Públicas.

Nos tópicos seguintes, então, serão expostas, em suas conformações gerais, dada a limitação de espaço que incide sobre o presente artigo, estas linhas de atuação preventiva e repressiva, dentro das quais, no campo fina-lístico da atuação ministerial, assinalam-se o programa "MPT nas Escolas", no campo da prevenção, conscientização e sensibilização, bem como os programas "MPT e Orçamento/Políticas Públicas" e "MPT e Aprendizagem Profissional", já na província da repressão.

2.1. Da estrutura administrativa: a coordenadoria nacional de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes, do Ministério Público do Trabalho

Nesse contexto de promoção do trabalho digno e decente, pelo viés da proibição do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente, a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de...

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