Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

AutorMartins de Sousa
Páginas299-314

Page 299

Processo: 692/05.4TBGDL.E1.S1

Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO

Relator:

MARTINS DE SOUSA

Descritores:

EMPREENDIMENTO TURÍSTICO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA

DIREITO REAL MENOR PRESTAÇÕES PERIÓDICAS EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO ABUSO DE DIREITO

Nº do Documento: SJ

Data do Acordão: 06-03-2012 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral:

S

Privacidade:

1

Meio Processual: REVISTA

Decisão:

NEGADA A REVISTA

Sumário:

I - O direito real de habitação periódica, classificado como direito real menor, comporta dois planos: aquele que o caracteriza como "um esquema ou regime de exploração turística" cuja constituição é feita com base num negócio jurídico unilateral, em regra, da iniciativa do proprietário das infra-estruturas do empreendimento turístico e o dos direitos parcelares de habitação periódica que são adquiridos pelos respectivos utentes, em regra, por mero efeito de um contrato, nos termos do art. 408º do CC (cf. arts. 6º , 10º e 12º do DL nº 275/93, de 05-08).

II - O carácter real da obrigação de pagamento da prestação anual, no âmbito do direito real de habitação periódica, impõe-se ao titular deste direito independentemente de qualquer acto de aceitação, retirando-lhe a natureza de contraprestação sinalagmática assumida num hipotético quadro contratual, nomeadamente para efeitos de oposição ao respectivo pedido de pagamento por via da excepção de não cumprimento, prevista no art. 428º do CC.

III - Funcionando as prestações anuais como correspectivo dos encargos de gestão e como compensação do proprietário do empreendimento turístico pelas despesas a que está sujeito, essas prestações não podem configurar-se como sendo meras contrapartidas simétricas do uso das unidades de alojamento, pelo que estando o empreendimento sujeito à realização de obras de grande vulto que, porém, não inviabilizam a sua utilização essencial, a exigência do pagamento dessas prestações não pode ser entendida como abusiva, nem se traduz em excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º do CC).

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

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I.

AA, BB e CC intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra DD - CLUB INTERNACIONAL DE FÉRIAS, S.A. (actualmente EE - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS. S.A.) e, invocando serem titulares de um direito real de habitação periódica (DRHP) sobre apartamentos do Aparthotel FF, sito em Tróia, de que a Ré é concessionária e administradora, o qual se encontra inserido no empreendimento turístico "conjunto GG" e futuro "EE" e que em Março de 2005 a Ré iniciou obras em todo o empreendimento no âmbito do Plano de Pormenor UNOP I, provocando com isso a emissão de poeiras, ruídos e maus odores, afectando as condições de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança e animação que estiveram na base da aquisição de tais direitos pelos Autores, além do que procedeu ao encerramento de supermercado, restaurantes e espaços e instalações de cariz lúdico, impossibilitando assim os Autores de utilizar os referidos apartamentos, concluíram pedindo a condenação desta:

  1. a indemnizá-los pelos prejuízos causados, em valor equivalente ao que tiverem de pagar para usufruírem de idênticos apartamentos pelo período de tempo correspondente ao número de semanas de que são titulares e pelo tempo que durarem as obras, cuja liquidação relegaram para execução de sentença;

  2. a abster-se de lhes cobrar o valor da taxa pecuniária anual referente ao ano de 2005 em resultado da não fruição dos apartamentos objecto de Direitos Reais de Habitação Periódica (doravante DRHP).

Citada, a Ré contestou invocando que o referido aparthotel constitui um empreendimento autónomo e, por isso, dele não fazem parte todos os demais espaços e serviços de cuja utilização os Autores afirmam terem ficado privados. Por isso, mantendose o FF em pleno funcionamento e em condições de ser utilizado pelos clientes da Ré durante o ano de 2005, não assiste aos Autores o direito a qualquer indemnização ou ao não pagamento da contra-prestação devida. Por outro lado, as obras em causa, além de obedecerem à legislação em vigor, são indispensáveis à requalificação da península de Tróia.

Deduziu, ainda, reconvenção contra todos os Autores, e com fundamento no facto de os apartamentos reunirem condições de utilização e de terem sido utilizados em 2005 pelos AA, sendo que em algumas semanas de 2005 os próprios Autores os utilizaram, pediu a condenação:

- da Autora AA no pagamento de € 2.278,48 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005 e juros vencidos, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento;

- do Autor BB no pagamento de € 2.951,82 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005 e juros vencidos, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento;

- do Autor CC no pagamento de € 1.445,67 a título de prestações pecuniárias vencidas até 18.11.2005, juros vencidos e € 70,09 de IVA que deveria ter sido pago até 19.10.2004, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento.

Houve réplica e tréplica, pois os AA. alegarem a excepção de não cumprimento do contrato, impugnada pela Ré.

Proferido despacho saneador e decorridos demais trâmites, inclusive ampliação dos pedidos, teve lugar a audiência

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de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção e condenados, "a Autora Reconvinda AA a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 6.992,95 (seis mil, novecentos e noventa e dois euros e noventa e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; o Autor/ Reconvindo BB a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 15.824,91 (quinze mil. oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e um cêntimos) a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento; o Autor/Reconvindo CC a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 2.403,84 (dois mil. quatrocentos e três euros e oitenta e quatro cêntimos), a que acrescem juros de mora sobre cada uma das prestações em dívida, contados à taxa legal desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento".

Inconformados com esta decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, mas a Relação de Évora, por acórdão, muito embora tenha alterado, a decisão da matéria de facto no que tange à resposta dada aos quesitos 1º e 2º da base instrutória, manteve a sentença e negou provimento ao recurso.

Inconformada outra vez, recorre, ora, de revista a A. AA que conclui a sua alegação, do modo seguinte:

1) Na sequência do recurso interposto pelos AA., o Tribunal da Relação alterou a resposta dada à matéria de facto, considerando provado que: 1) O Aparthotel FF encontra-se inserido no, denominado pela Ré, "Complexo Turístico de Tróia"; e que 2) O "Complexo Turístico de Tróia" é composto por Aparthoteis, Piscinas, Minimercado, Serviços de Restauração, Esplanadas, Estacionamento Privativo e Espaços Verdes. Porém, não quis retirar daí qualquer consequência útil.

2) Para o Tribunal da Relação, é perfeitamente possível que num processo judicial, sejam provados factos opostos um ao outro, numa solução dada à matéria de facto quesitada que arrepia às mais primárias regras de experiência comum, e é atentatória do princípio da coerência, ferindo todas as expectativas de justiça dos particulares e a confiança depositada no poder jurisdicional.

3) Isto, sobre a protecção da inalterabilidade da matéria de facto em Recurso interposto para o STJ... Mas omitindo completamente a aplicação dos artigos 712º, n°1 e 690°A, do CPC.

4) É o que ocorre, quando um Tribunal reconhece que ficou provado que:

5) VV) Os Autores adquiriram os direitos de utilização das fracções para usufruírem das condições proporcionadas pelo Aparthotel FF e pelo espaço urbanístico e natural em que aquele se encontra inserido, em termos de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança, repouso e animação; Que,

6) «O Aparthotel FF encontra-se inserido no, denominado pela Ré, / "Complexo Turístico de Tróia"»; o qual, «é composto por Aparthoteis, Piscinas, Minimercado, Serviços de Restauração, Esplanadas, Estacionamento Privativo e Espaços Verdes»; Provando-se ainda que,

7) «WW) Em Maio de 2005, a Ré iniciou obras noutros edifícios de que é proprietária na península de Tróia, provocando a emissão de poeiras, ruídos gerados pelas máquinas em laboração, e maus odores.» e «xx) Em consequência das obras diminuíram substancialmente as Condições de higiene e limpeza na urbanização de Tróia» e ainda que «YY) Aquando do início das obras, a Ré encerrou algumas unidades de alojamento

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e serviços de que era proprietária, tais como piscinas, minimercado, alguns restaurantes; instalações do Bowling, e deixou de promover espectáculos de animação.»,

8) E conclua, a talhe de foice, em manifesta contradição, que: « não se provou que: O FF não reunia condições para ser fruído pelos AA. em condições de tranquilidade e repouso», ignorando olimpicamente que ficou provado que uma tal situação é diametralmente oposta àquelas que são as legítimas expectativas dos AA., de «usufruírem das condições proporcionadas pelo Aparthotel FF e pelo espaço urbanístico e natural em que aquele se encontra inserido, em termos de tranquilidade, sossego, ar puro, segurança, repouso e animação». Certamente, quando uma pessoa quer «condições de tranquilidade e repouso», escolhe um local onde exista «emissão de poeiras, ruídos gerados pelas máquinas em laboração, e maus odores»!

9) O Acórdão recorrido violou o disposto no Art.21.° do Regime Jurídico da Habitação Periódica, que prevê que o direito real de habitação periódica confere ao respectivo titular o direito de: «b) Usar as instalações e equipamentos de uso comum do...

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