Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

AutorAntónio Piçarra
Páginas281-319

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Processo: 300/14.2TBOER.

L2.S1

N. Convencional: 1ª SE CÇÃO

Relator: ALEXANDRE REIS

Descritores:

ACÇÃO INIBI TÓRI A

CLÁUSUL A CONTRATUAL

GERAL

CONTRATO DE LOCAÇÃO

FINANCEIRA

ALU GUER DE LONGA DURAÇÃO

DUPL A CONFORME

PODERES DO JUIZ

AÇÃO INIBI TÓRI A

Data do Acórdão: 27-04-2017

Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA

Decisão: NEGADA A REVISTA

Área Temática:

DIREITO COMERCIAL – CONTRATOS COMERCIAIS.

DIREITO DO CONSUM O – CONTRATOS DE ADESÃO – CLÁUSUL AS CONTRATUAIS GERAIS / ACÇÃO INIBI TÓRI A (AÇÃO INIBI TÓRI A).

DIREITO CIVIL – DIREITO

DAS OBRI GAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.

DIREITO PR OCESSU AL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO

DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.

Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): –

ARTIGOS 1022º, 1030º, 1036º, 1044º, 1046º, 1273º.

CÓDIGO DE PR OCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGO 671º, N. 3.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLI CA PORTUGUESA (CRP): – ARTIGO 52º.

D.L. N. 149/95, DE 24-06: – ARTIGOS 1º, 9º, 10º, Nº1, AL. J), 14º, 15º.

LEI N. 24/96, DE 31-07: – ARTIGOS 2º, 10º.

REGIME JURÍDICO DAS

CLÁUSUL AS CONTRATUAIS

GERAIS (LCCG), APR OVADO

PEL O D.L. N. 446/85, DE 25-10:

– ARTIGOS 1º, 15º, 16º, 18º, 19º, 21º, 22º, 25º.

Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

– DE 27-09-1994, P. N. 084991.

– DE 12-10-2010, P. N. 67/07. OTCGMR.G1.S1.

– DE 01-02-2011, P. N. 884/09.7YXLSB .L1.S1.

– DE 13-09-2011, P. N. 651/09.8YXLSB .L1.S1.

– DE 05-10-2011, P. N. 1320/08.1YXLSB .L1.S1.

– DE 09-04-2013, P. N. 433682/09.2YIPR T.L1.S1.

– DE 24-03-2015, P. N. 3193/12.0TJLSB .S1

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– De 09-07-2015, p. n. 542/13.8T2Avr.C1.s1.

– De 10-12-2015, p. n. 1497/08.6Tvlsb.s1.

– De 11-02-2016, p. n. 31/12.8TTvFr.p1.s1.

– De 06-10-2016, p. n. 1946/09.6TJlsb.l1.s1.

– De 29-11-2016, p. n. 7825/11.0TbCsC.l1.s1), rei-TerAnDO O De 09-04-2013, p. n. 433682/09.2YiprT.l1.s1 (DO mesmO relATOr), De 11-02-2016, p. n. 31/12.8TTvFr. p1.s1, De 29-10-2015, p. n. 258/09.0TbsCr.l1.s1, De 10-04-2014, p. n. 2393/11.5TJlsb. l1.s1.

Sumário: i – o exercício do direito de acção inibitória, genericamente consagrado no art. 52º da CrP, visa a defesa, geral e abstracta, dos interesses difusos – de ordem pública – dos consumidores/aderentes, mediante a proibição de cláusulas contratuais gerais – destinadas a serem incluídas em contratos a celebrar pelas rés com uma generalidade de potenciais destinatários e por elas elaboradas sem prévia negociação individual e com um conteúdo que aqueles não podem influenciar – que não se adequem às exigências decorrentes de valores fundamentais do direito, como são os princípios gerais da boa fé, da confiança, do equilíbrio das prestações e da proporcionalidade, aflorados, além do mais, nos arts. 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º da lCCg (cf. art. 25º), bem como a prevenção, a correcção ou a cessação de práticas lesivas dos direitos consignados na lei do consumidor (cf. art. 10º da lei n. 24/96, de 31-07). ii – Visa-se garantir a efectiva autonomia da vontade, na vertente da autêntica liberdade de celebração ou conclusão dos contratos, excluindo ou limitando a (meramente) formal liberdade negocial e, assim, salvaguardando a parte mais fraca, perante “O desequilíbrio real de poder negocial entre as partes, que neste tipo de contrato de adesão desfavorece o consumidor, beneficiário de uma particular tutela constitucional que supra a “assimetria informativa” que o penaliza”. iii – a admissibilidade da apreciação de cada uma das cláusulas estará sujeita a verificação dos requisitos com que vem bali-zada a pretensão recursiva, à luz do conceito de dupla conforme estipulado no art. 671º, n. 3, do CPC, já que a parte dispositiva das decisões de ambas as instâncias comporta segmentos decisórios distintos e autónomos, porquanto o direito exercido na acção consubstancia tantas pretensões quantas as cláusulas nela visadas, correspondendo a cada uma delas também uma distinta e autónoma causa de pedir e daí que as ora recorrentes tenham podido restringir o objecto do seu recurso a parte de tais cláusulas, tal como já fizera o autor na apelação.

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IV – o contrato de locação financeira, regulado pelo Dl n. 149/95, de 24-06, acrescenta aos elementos essenciais do contrato de locação, visto à luz do art. 1022º do CC [“o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”], as seguintes características (também definidoras do seu tipo): a) o objecto do contrato é adquirido ou construído por indicação do locatário; b) o locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; c) o preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

V – Desta distinção resulta que a locação financeira obtém um tratamento diverso do comum contrato de locação, atribuindo-lhe aquele Dl 149/95 relevantes efeitos que o aproximam dos inerentes à transmissão da coisa própria da compra e venda: as obrigações do locador financeiro restringem-se a adquirir ou a construir o bem indicado pelo locatário e a conceder o seu gozo – mas já não a assegurá-lo – e a vendê-lo ao segundo, caso este exerça o direito (potestativo) de compra, findo o contrato (art. 9º, n. 1); o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário (art. 15º), diferentemente do que é imposto pelo art. 1044º do CC; o locatário financeiro tem direito a fazer suas, sem compensações, as benfeitorias (art. 9º).

Vi – todavia, o citado art. 15º do Dl 149/95 deve ser interpretado restritivamente de modo a considerar-se que o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário em todas as situações, excetuadas as devidas a caso fortuito ou de força maior, porque, doutro modo, atendendo ao concreto conteúdo deste conceito, conceber que o âmbito do preceito abarcaria o sentido de que correria (apenas) pelo locatário financeiro também aquele risco, seria alcançar um resultado interpretativo absolutamente indiferente à boa fé e à proporcionalidade, mas também ao equilíbrio das prestações: a responsabilização, unicamente, do locatário financeiro (também) nos casos em que se prescinde de nexo de causalidade de espécie alguma entre o dano e uma qualquer conduta do mesmo seria iníqua ou, no mínimo, afrontaria o equitativo princípio do risco.

Vii – Por sua vez, o denominado aluguer de longa duração (“alD”) é um contrato atípico que o exercício da liberdade contratual pode configurar com uma pluralidade de tipos contratuais distintos – designadamente, para além do próprio aluguer de longa duração, um contrato de compra e venda a prestações e um contrato-promessa de compra e venda do bem alugado – todos interligados por uma relação de coligação funcional. Quando os contraentes lhe facultam uma tal configuração, o

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mesmo revela afinidades com o contrato de locação financeira.

Viii – Mas os contratos denominados de “alD” em que se não preveja o direito ou a obrigação de compra da coisa locada não são havidos como contratos de crédito e, assim, sendo, não têm essa afinidade com o contrato de locação financeira: “Inexistindo no misto contratual o fim indirecto ou a pluralidade contratual em coligação, visando a aquisição, a final, do bem locado, pelo locatário, não sobra mais que um aluguer, por mais longa que seja a sua duração estipulada”. iX – no âmbito da acção inibitória, compete ao juiz pronunciar-se e decidir sobre a validade ou não das cláusulas, não uma activi-dade conservadora da sua validade parcial ou de reajustamento dos respectivos termos, no sentido de lhes restituir validade.

*sumário elaborado pelo relator

Decisão Texto integral: Acordam no supremo Tribunal de Justiça: o ministério público intentou a presente acção contra “AA lda” e “bb – sucursal portuguesa”, pedindo a declaração de nuli-dade de várias cláusulas de contratos utilizados pelas rr. as rr contestaram.

Foi proferida sentença julgando a acção:

– parcialmente improcedente, quanto às cláusulas: – 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘se-lect’; – 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘renting’; – 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘alD’; – 11º/4, 14º/2, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘locação Financeira’; – 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; e – 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’;

- e procedente na parte restante, sendo declarada a nulidade das cláusulas: – 3º/6, 5º/1, 5º/3, 8º/1, 9º/1, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘select’; – 6ª/3, 8ª/4, 12ª/1, 14ª/6, 15ª/2, 17º/1, 18ª/3, 20ª/1, 24ª/1, e 24º/2 do ‘renting’; – 3º/6, 5º/1, 5º/3, 10º/4, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘alD’; – 3º/6, 4º/2/3, 6º/1, 6º/3, 12º, 15º/4, 17º/2, 24º/1, e 24º/2 da ‘locação Financeira’; – 1º/2, 3º/1, 3º/3, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/4, 12º/1, 19º/1, e 19º/2 do ‘Crédito a Consumidor’; e – 1º/2, 3º/5, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/2, 12º/1, 13º, 14º, 17º/1, e 17º/2 do ‘Crédito’.

O a interpôs apelação dessa sentença, pretendendo que fosse declarada a nulidade, também, das cláusulas: – 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘select’; – 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘renting’; – 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘alD’; – 11º/4, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘locação Financeira’; – 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; – e 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’.

Também as rr interpuseram apelação da parte da sentença em que se julgou procedente a acção e, nas contra-alegações que apresentaram em relação ao recurso do a, vieram suscitar a ampliação deste.

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A relação de lisboa, julgando improcedente a apelação das rr e parcialmente procedente a do a, declarou a nulidade da cláusula 11ª, n. 4, al. a) da ‘locação Financeira’ e confirmou, no demais, a sentença de 1ª instância. as rr interpuseram revista desse acórdão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso inter-posto do acórdão proferido pelo tribunal da relação de lisboa, na parte em que, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo Ministério Público, declarou a...

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