Acórdão nº 50000886120218210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 15-02-2023
Data de Julgamento | 15 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50000886120218210064 |
Órgão | Sétima Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003048481
7ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5000088-61.2021.8.21.0064/RS
TIPO DE AÇÃO: Posse de Drogas para Consumo Pessoal
RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO À POSSE DE ENTORPECENTES. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/06. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONFISSÃO. IDONEIDADE DO DEPOIMENTO DO POLICIAL MILITAR. AFASTADA TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
Valora-se, como meio de prova, a confissão do adolescente, em consonância com os demais elementos existentes no processo.
A idoneidade do depoimento do policial militar que atuou na ocorrência, em consonância com as demais provas produzidas, autoriza seja utilizado como elemento probatório.
Tratando-se de ato infracional equiparado ao delito tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/06, que consiste na posse de entorpecentes, no caso, de maconha, comprovadas a materialidade e a autoria, cabível a representação, visando a coibir a difusão da droga, a efeito de resguardar a saúde pública, sendo norma de interesse social.
Natureza jurídica de crime reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.
Inaplicável o princípio da insignificância aos procedimentos para apuração de atos infracionais, bem como ao tipo previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, não se justificando a aplicação de tal princípio em razão da quantidade da droga apreendida, tendo em vista que o bem jurídico protegido é a saúde pública.
Materialidade e autoria constatadas, autorizando o juízo de procedência.
Precedentes do TJRS e STF.
INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE.
Hipótese em que não há que se falar em incidência da atenuante da confissão espontânea, porquanto a causa de diminuição de pena de que trata o art. 65, III, ‘d’, do CP, instituto de Direito Penal, não se aplica à medida socioeducativa, que se rege especificamente pelos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, desimportando, para a aplicação da pena, tenha o adolescente admitido a prática do ato infracional.
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE MANTIDA.
Correta aplicação da medida de prestação de serviços à comunidade por 02 (meses) meses, 04 (quatro) horas semanais, adequada à gravidade do fato e às condições pessoais do adolescente infrator, que resta mantida.
Precedentes do TJRS.
Apelação desprovida.
DECISÃO MONOCRÁTICA
LUAN S. G. interpõe apelação nos autos da representação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, diante da sentença prolatada com o seguinte dispositivo, Evento 92 do principal:
"Diante do exposto JULGO PROCEDENTE a representação oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO para aplicar ao adolescente LUAN S. G. a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, pelo período de 02 (dois) meses, 04 (quatro) horas semanais junto ao CREAS.
Com o trânsito em julgado, forme-se o PEM.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquive-se com baixa."
Em suas razões, suscita a inconstitucionalidade do crime de perigo abstrato, e a ausência de lesividade na conduta prevista no art. 28 da Lei n.º 11.343/06. Sustenta que o ato infracional de perigo abstrato representaria uma violação ao princípio da lesividade, na medida em que a infração se constitui, ainda que nenhuma ofensa significativa ao bem jurídico seja levada a efeito. Para a configuração de um ato infracional, urge que se prove o dano ou a lesão ao bem jurídico tutelado, ou, ao menos, que este bem jurídico foi, efetiva e concretamente, exposto a uma situação de risco, assevera.
Aduz, ainda, que deve ser aplicado ao caso o princípio da insignificância, pois a ínfima quantidade da substância está a indicar a finalidade de uso pessoal. Argumenta que não há prova suficiente de que o representado tenha exposto alguém a perigo efetivo. Ademais, a conduta imputada ao representado não causou nenhum mal significativo ao grupo social em que vive, uma vez que restou demonstrado o fato de que a droga apreendida se destinava para uso pessoal. Se alguém foi prejudicado pela conduta do adolescente, este alguém certamente foi ele próprio, ressalta. Por fim, salienta que foi apreendida uma pequena fração de substância em poder do adolescente, bem como a testemunha ouvida sequer contou mais detalhes da ocorrência, o que faz denotar a insignificância da apreensão.
Colaciona jurisprudência que entende em amparo à sua tese.
Discorre, ainda, acerca da insuficiência probatória, invocando o princípio da presunção de inocência, e sustentando não haver nos autos provas suficientemente seguras, inequívocas e aptas a ensejar a procedência da representação oferecida contra o adolescente.
Subsidiariamente, pugna pela consideração da atenuante da confissão espontânea, com a alteração da medida socioeducativa imposta.
Requer, pois, o acolhimento das nulidades suscitadas e, no mérito, o provimento do recurso, para julgar improcedente a representação. Subsidiariamente, requer a imposição de medida socioeducativa menos rigorosa, ou em menor tempo de duração.
Foram apresentadas contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (Evento 109 do principal).
Nesta Corte, manifestou-se o Ministério Público (Evento 08 da APC), opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
É o relatório.
Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC, observada a orientação jurisprudencial no âmbito deste Tribunal de Justiça e no STJ.
Com efeito, de acordo com o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “ato infracional é a conduta prevista na lei penal como crime ou contravenção penal, que respeita ao princípio da reserva legal, e representa ‘pressuposto do acionamento do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude’. (...) a estrutura do ato infracional segue a do delito, sendo um fato típico e antijurídico, cuja estrutura pode ser assim apresentada: a) conduta dolosa ou culposa, praticado por uma criança ou adolescente; b) resultado; c) nexo de causalidade; d) tipicidade (adotando, o Estatuto, a tipicidade delegada, tomando-se ‘emprestada’ da legislação ordinária, a definição das condutas ilícitas); e) inexistência de causa de exclusão da antijuridicidade. (...) O adolescente, portanto, somente responderá pelo seu ato se demonstrada a ocorrência de conduta típica, antijurídica e culpável.”, conforme prelecionam Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches da Cunha, na obra conjunta Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069/90 – comentado artigo por artigo, pp. 365-366, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019.
Compulsando os autos, verifica-se que o adolescente foi representado pela prática do seguinte ato infracional:
"No dia 27 de junho de 2020, por volta das 19h, na Rua Joaquim de Freitas Cabral, nº 200, Bairro Ana Martins Bonato, na via pública, em Santiago/RS, o adolescente infrator LUAN S. G. trazia consigo, para consumo pessoal, drogas, mais precisamente 01 (uma) trouxa de uma erva com características de maconha, pesando aproximadamente 0,62g (zero vírgula sessenta e duas gramas), conforme Auto de Apreensão das fls. 04-05 do Evento 02 e Laudo Pericial das fls. 17-18 do Evento 02.
Na ocasião, o policial militar realizou a abordagem de um adolescente em via pública. Ato contínuo, em revista pessoal, foi localizado no bolso da jaqueta do menor uma "trouxa" de uma erva com características de maconha. Posteriormente, foi conduzido até a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Santiago/RS."
A materialidade do ato infracional está comprovada pelo Boletim de Ocorrência n. 2466/2020/152308 (fls. 02-03 do Evento 02), Auto de Apreensão (fls. 04-05 do Evento 02), Laudo de constatação da natureza da substância (fl. 12 do Evento 02), Laudo Pericial (fl. 17 do Evento 02), bem como pela prova testemunhal carreada ao feito (Evento 76), corroborada pela confissão do adolescente (Evento 29).
Assim como a materialidade, evidenciada a suficiência de prova da autoria por parte do representado quanto ao ato infracional cometido, observada a prova testemunhal, tal qual confessou o delito quando de seu depoimento em Juízo, conforme consta na sentença, que bem analisou a prova dos autos (Evento 92):
(...)
O representado LUAN S. G. ouvido em Juízo confessou a prática delitiva referindo que é usuário de entorpecente e tinha a droga para consumo próprio:
(...) Alegou que foi abordado no Bairro Ana Bonato, no meio da vila, onde foi pego com essa quantidade de fumo, que era para seu consumo, pois é usuário, disse que começou a pouco tempo, referiu que usa somente maconha
O Policial Militar ANDRÉ R. confirmou que a droga foi aprendida na posse do representado:
(...) informou que o adolescente estava próximo a um bar, que foi feita a abordagem e durante revista pessoal foi localizado no bolso da jaqueta do adolescente uma porção de maconha, erva com característica de maconha, pesando aproximadamente 0,60 (zero vírgula sessenta) gramas. Narrou que diante dos fatos ele foi conduzido até a delegacia.
A autoria do ato infracional descrito no artigo 28 da Lei 11.343/06 restou comprovada pelo depoimento do Policial Militar acima mencionado e pela confissão do representado, assim não há dúvida de que a droga apreendida pertencia ao representado e seria utilizada para consumo próprio.
No caso, inexiste inconstitucionalidade do crime de perigo abstrato ou ausência de lesividade na conduta prevista no art. 28 de lei nº 11.232/06, pois a criminalização da conduta visa coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública e, sendo norma de interesse social.
Consigno que não há afronta a garantia constitucional da liberdade individual, não havendo o que se falar em inconstitucionalidade do aludido...
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