Acórdão Nº 5001085-75.2019.8.24.0017 do Terceira Câmara Criminal, 13-07-2021

Número do processo5001085-75.2019.8.24.0017
Data13 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5001085-75.2019.8.24.0017/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: JEAN CARLOS DA CRUZ CORDEIRO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Dionísio Cerqueira, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Jean Carlos da Cruz Cordeiro, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

No dia 21/11/2019, por volta das 21:30, na Rua Maria Clementina, s/n, Bairro Três Fronteiras, no Município de Dionísio Cerqueira/SC, o denunciado Jean Carlos da Cruz Cordeiro matou Ezequiel Garcia Silveira, de 19 anos, com golpes de facão.

Uma semana antes dos fatos, autor e vítima teriam consumido drogas em conjunto, na casa de amigos em comum, sendo que o denunciado Jean havia oferecido a droga para a vítima Ezequiel, que a aceitou.

Posteriormente, Ezequiel passou a cobrar de Jean o valor relativo à droga por ele consumida, estabelecendo este valor em R$ 50,00.

No dia dos fatos, por volta das 20:40, Jean, juntamente com o adolescente Luciano, foi até a casa de Claudinei para pedir a moto de Paulo Vítor Filipetto emprestada. Paulo emprestou a moto, porém, alertou a Jean que ele precisava retornar rapidamente, pois Ezequiel também iria precisar do veículo. Ezequiel, naquela oportunidade, mais uma vez cobrou a referida dívida de Jean, sendo que Jean disse que iria dar um jeito e saiu com a moto.

Mais tarde, por volta das 21:30, Ezequiel avistou Jean com a moto. Jean estava andando lentamente e acionando o acelerador do veículo com a finalidade de provocar Ezequiel.

Neste momento, Ezequiel foi em direção a Jean e, após provocação, lhe desferiu um soco.

Luciano, que estava próximo ao local, chamou a atenção de Ezequiel, distraindo-o, quando então Jean aproveitou para apossar-se de um facão.

Assim, Jean desferiu um golpe de facão contra Ezequiel, que deu mais um tapa em Jean e tentou fugir. Quando Ezequiel virou as costas para tentar fugir e salvar sua vida, Jean deu mais um golpe de facão em suas costas.

Ezequiel saiu correndo e Jean o perseguiu, momento em que Jean deixou o facão cair no chão e entrou em luta corporal com Ezequiel.

Jean conseguiu pegar o facão novamente, oportunidade em que Ezequiel tentou buscar abrigo em uma casa próxima, subindo suas escadas, porém, uma mulher que se encontrava na casa o inibiu, dizendo: "na minha casa não", quando então ele se viu obrigado a voltar para a rua.

Mateus, amigos dos envolvidos, tentou ajudar Ezequiel, colocando-o na garupa da moto para que pudessem fugir do ataque incessante de Jean.

Porém, Jean, não satisfeito com todas as agressões já perpetradas até então, demonstrando sua nítida vontade de matar, puxou Ezequiel da moto, derrubando-lhe, e, com o facão, continuou a golpear sua cabeça, momento em que Ezequiel não se mexia mais. Jean só parou de golpear Ezequiel quando Luciano o chamou para ir embora.

Posteriormente, a vítima foi conduzida para o Hospital de Dionísio Cerqueira, sendo transferida para o Hospital de Francisco Beltrão/PR em estado grave, não resistindo aos ferimentos e vindo a óbito, tendo como causa "hemorragia externa", "ferimento de vasos profundos do pescoço" e "ferimento por arma branca" (conforme declaração de óbito de fl. 11, P_FLAGRANTE2, Evento 1).

O homicídio foi praticado por motivo fútil, já que se deu em decorrência da cobrança do valor de R$ 50,00 que a vítima vinha fazendo ao autor.

O meio utilizado para consumar o delito foi cruel, pois a morte só foi alcançada após vários golpes de facão em contexto de tentativa de fuga realizada pela vítima, que desesperadamente buscava salvar sua vida.

O crime foi cometido, também, com recurso que tornou impossível a defesa do ofendido, consistente em golpes de facão pelas costas, enquanto a vítima estava desarmada (ev. 1).

Concluída a instrução, a denúncia foi acolhida para pronunciar o acusado como incurso nas sanções dos art. 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal, bem como para determinar, ipso facto, o seu julgamento perante o Tribunal do Júri Foi-lhe negado o direito de recorrer em liberdade (ev. 91).

Preclusa a decisão de pronúncia (ev. 100), cumpridas as formalidades do art. 422 do CPP, designada sessão (ev. 127) e submetidos os quesitos formulados à apreciação dos jurados (ev. 207), a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, incisos II, III e IV, do Código Penal. Foi-lhe negado o direito de apelar em liberdade (ev. 204).

Irresignada, a defesa do acusado interpôs recurso de apelação, no qual requereu a anulação do veredicto e novo julgamento perante o Tribunal do Júri por ser a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, principalmente em razão da tese de legítima defesa, pois quem começou a briga foi a vítima e as testemunhas inquiridas são todos amigos da vítima. Argumentou ainda que as qualificadoras não possuem respaldo na prova dos autos. Por fim, requereu a fixação de verba honorária nesta instância (ev. 290).

Juntadas as contrarrazões (ev. 249), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ev. 10).

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Jean Carlos da Cruz Cordeiro contra decisão do Tribunal do Júri que julgou procedente a denúncia e o condenou à sanção prevista no art. 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal.

O apelo é de ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Da decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos

Persegue a defesa a anulação do veredicto e novo julgamento de seu defendido perante o Tribunal do Júri por ser a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, principalmente em razão da tese de legítima defesa, pois quem começou a briga foi a própria vítima e as testemunhas inquiridas são todos seus amigos. Argumentou ainda que as qualificadoras não possuem respaldo na prova dos autos colacionada.

O reclamo não merece guarida.

Dispõe o art. 593, inciso III, d, do Código de Processo Penal:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Consoante orientação pacífica das Cortes Superiores, a submissão do acusado a novo julgamento, na forma do disposto no art. 593, § 3º, do Código de Processo Penal, não ofende a soberania dos veredictos, estatuída no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição da República.

Ensina a doutrina que, a partir de uma ponderação valorativa entre o princípio da soberania do Júri e o duplo grau de jurisdição, garantia individual implícita na Carta Magna, é admissível a apelação contra veredicto popular, desde que este se mostre em evidente contradição com a prova colhida.

A esse respeito, vale transcrever a lição do insigne Guilherme de Souza Nucci:

O duplo grau de jurisdição e a soberania dos veredictos são princípios constitucionais, que merecem coexistir harmoniosamente. O primeiro constitui garantia individual, prevista implicitamente na Constituição Federal, voltada a assegurar que as decisões proferidas pelos órgãos de primeiro grau do Poder Judiciário não sejam únicas, mas, submetidas a um juízo de reavaliação por instância superior. [...] O princípio constitucional da soberania dos veredictos está expressamente assegurado no art. 5.º, XXXVIII, c, da Constituição Federal. Significa, como já expusemos em tópico próprio, dever a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri, ser a máxima expressão do julgamento. Portanto, quanto ao mérito da causa, nenhum órgão jurisdicional, composto por magistrados togados, deve avançar, pretendendo substituir os jurados. Não há princípios absolutos e supremos, devendo haver composição entre todos, mormente os que possuem status constitucional. Por isso, afirmar que a soberania dos veredictos populares precisa ser fielmente respeitada não significa afastar a possibilidade de se submeter a decisão prolatada no Tribunal do Júri ao duplo grau de jurisdição O ponto relevante é harmonizar os dois princípios. O recurso é viável, embora o mérito deva ser preservado. Nada impede que a parte, sentindo-se prejudicada, ingresse com o recurso cabível. Este, no entanto, se provido, deve remeter o caso a nova avaliação pelo Tribunal Popular. Com isso, garante-se a possibilidade de uma revisão, respeitando-se, ao mesmo tempo, a soberania da instituição do júri (Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 365-367).

Deve-se anotar que, nesse caso, não é de bom alvitre incursionar-se demasiadamente na prova recolhida, cabendo a este Tribunal togado tão somente confrontar a decisão dos jurados com a prova reunida no caderno processual, verificando se estão, ou não, em harmonia.

Na hipótese que se apresenta, não há razão para a causa ser devolvida ao Tribunal do Júri para novo julgamento.

Isso porque, no raso juízo permitido a esta Corte, vê-se que não há dissonância, entre a prova colacionada ao processo e o veredicto emanado pelo Conselho de Sentença.

A demonstrar o exposto, cumpre percorrer a prova oral produzida.

Para elucidar tal entendimento pertinente percorrer a prova oral produzida, cujas algumas transcrições, muito bem elaboradas pelo Ministério Público, passarão a integrar este voto, evitando desnecessária tautologia.

Quando inquirido pela Autoridade Policial, a testemunha Mateus de Oliveira, presente no momento dos fatos, declarou:

(0'25'') Delegado: Você pode me narrar o que que aconteceu ontem, desde o momento que você se encontrou com o Ezequiel, e com o Jean, até o que aconteceu? Mateus: Eu e o Ezequiel e o, meu irmão e uns amigo meu tava lá em casa...

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