Acórdão Nº 5009788-21.2021.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Civil, 02-02-2023
Número do processo | 5009788-21.2021.8.24.0018 |
Data | 02 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5009788-21.2021.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: GECY TOMAZ TRENTIN (AUTOR) APELANTE: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA (RÉU) APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 33 dos autos de primeiro grau), de lavra da Juíza de Direito Maira Salete Meneghetti, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
Cuida-se de ação de rito comum, em que são partes as acima indicadas, ambas devidamente qualificadas nos autos.
Como fundamento da sua pretensão, aduziu a autora, em suma: a) adquiriu em 25/04/2018 junto à loja Oestecel Comércio de Celulares LTDA, um aparelho celular Apple Iphone 8 Plus 64 GB, IMEI 352977093691841, pelo valor total de R$ 4.299,00; b) no momento da compra, "a Loja [...] cadastrou um e-mail (apple ID) e uma senha no aparelho celular, com os quais criou-se sua conta Icloud, que usa-se para acessar os serviços da Apple"; c) ocorre que "esqueceu a senha cadastrada, razão pela qual a Apple bloqueou o aparelho celular da autora, deixando o mesmo inutilizável"; d) entrou em contato com o suporte técnico da ré e enviou documentação que comprova a aquisição do aparelho junto à loja idônea, a qual inclusive apresentou nota fiscal de entrada, porém sem sucesso; e) assim, em 05/10/20 buscou auxílio junto ao Procon da cidade, porém "ainda assim a Apple Store, apesar de toda documentação juntada e inclusive corroborada pela loja que vendeu o celular, resolve tratar a autora como se fosse ladrão que adquiriu mercadoria roubada/furtada, e impede a Autora de utilizar seu aparelho celular por pelo menos 3 anos após a aquisição, alegando que para fazer o desbloqueio do celular precisa da nota fiscal".
Com base em tais premissas, requereu, inclusive em sede de tutela provisória de urgência, seja a requerida compelida a efetuar "o desbloqueio do aparelho celular Apple Iphone 8 Plus 64 GB-Dourado IMEI 352977093691841 ou faça a entrega de um aparelho novo", bem como condenada ao pagamento de indenização por danos morais.
O pedido de tutela antecipada restou indeferido, conforme decisão do evento 10.
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação (Evento 18), na qual sustentou, igualmente em síntese: a) a criação do ID Apple (identificação de acesso) e a sua respectiva senha é, por uma questão de segurança e privacidade, ato exclusivo do usuário, que tem o dever e a responsabilidade por sua guarda; b) a própria Autora confessa em sua inicial que a criação da sua conta pessoal, através de e-mail e senha, não foi por ela realizada e sim pela Loja Oestecel Comércio de Celulares Ltda. (terceiro não integrante à lide); c) quando a Autora requereu o desbloqueio do aparelho celular, verificou que os dados fornecidos não correspondiam exatamente com os dados constantes no sistema (até porque se estes estivessem absolutamente corretos o desbloqueio poderia ter sido realizado via sistema, sem qualquer interferência dos prepostos da Ré); d) assim, solicitou o envio de documentos que comprovassem a titularidade do aparelho (Nota Fiscal de aquisição do produto), porém "a Autora não apresentou a Nota Fiscal original da compra, sendo que o documento por ela apresentado não correspondia às informações cadastradas no sistema da Ré"; e) dessa forma, não tendo a Autora demonstrado de forma inequívoca que era a real titular do aparelho, seus prepostos corretamente não deram prosseguimento aos procedimentos de redefinição de ID e senha. Postulou, portanto, pela rejeição do pleito inaugural e juntou documentos.
Houve réplica (Evento 21).
Após, foram as partes instadas a indicar as provas que ainda pretendiam produzir (evento 24), o que foi cumprido (eventos 28 e 29).
A magistrada julgou parcialmente procedente o pedido exordial, nos seguintes termos:
Assim sendo, ACOLHO EM PARTE o pedido formulado na exordial (inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil) para determinar que a parte requerida efetue o desbloqueio do aparelho celular (IMEI 352977093691841) em favor da autora, mediante alteração do Apple ID e senha ou remoção da conta do dispositivo para criação de novo usuário.
Outrossim, porque presentes os requisitos do artigo 300 do CPC, defiro a tutela de urgência, nos termos e conforme fundamentação supra.
Via de consequência, condeno cada parte no pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência em favor da parte adversa, estes que fixo, equitativamente (art. 85, § 8º do CPC), em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), especialmente porque o processo restou julgado antecipadamente e em curto espaço temporal (5 meses), além de que a causa não contém complexidade jurídica que desborda da sua própria natureza. A parte devida pela autora resta suspensa, uma vez que beneficiária da justiça gratuita (evento 10).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação, na qual alega ter sofrido abalo moral, diante da impossibilidade de utilizar seu aparelho celular na sua completude, produto essencial, e do desgaste em tentar solucionar o problema durante três anos, ficado caracterizada a desídia e o desrespeito do fabricante neste caso. Salienta ter adquirido produto novo, cujo uso ficou inviabilizado por falha na prestação do serviço pela ré, já que comprovou ser proprietária, não justificando o bloqueio de acesso a alguns aplicativos. Aduz ter havido perda do tempo útil do consumidor, tendo realizado intermináveis ligações telefônicas e procurado o Procon, sem sucesso, obrigando-a ao ingresso de ação judicial. Ressalta o fato de o mencionado aparelho telefônico era lançamento na época da compra e que após a ré já lançou cerca de 20 novos modelos (evento 37 dos autos de origem).
A requerida também recorreu. Alega que prima por sua política de segurança e privacidade para proteger a propriedade dos dados armazenados, que podem ter conteúdo íntimo/sigilosos. Defende que não realiza diretamente a redefinição da senha e do Apple ID, tampouco realiza desbloqueio de aparelhos sem uma rigorosa análise e confrontamento de dados e informações registrados no sistema. Sustenta que a própria demandante alegou que a criação de conta pessoal não foi feita por ela, mas pela loja que lhe vendeu o aparelho. Subsidiariamente, postula a fixação a título de perdas e danos (evento 42 dos autos de primeiro grau).
Contrarrazões da ré no evento 48 dos autos de primeira instância. Não foram apresentadas contrarrazões pela requerente (evento 49 dos autos de primeira instância)
VOTO
Os recursos preenchem os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos.
1 APELO DA RÉ
A apelante ré busca a reforma da sentença, aos fundamentos de que (i) não ficou demonstrado de forma inequívoca que a autora é a real titular do aparelho; (ii) a redefinição de...
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