O acordo de não persecução penal (Resolução nº 183 do CNMP atualizada)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas109-130
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Resolução nº 183 do CNMP atualizada
1. Noções Gerais Sobre o Acordo de Não
Persecução Penal139
De acordo com dados estatísticos apresentados no
13º Relatório Justiça em Números, estudo elaborado
pelo Conselho Nacional de Justiça, é de 3 anos e 1 mês
o tempo médio de duração dos processos criminais
que tramitam no Poder Judiciário brasileiro, somente
na fase de conhecimento. Já na fase de execução,
em se tratando de processos com penas privativas de
liberdade, a média de duração é de 3 anos e 9 meses.
Por outro lado, se as penas não são privativas de
liberdade, o processo dura cerca de 2 anos e 4 meses.140
Com efeito, nunca entendemos por que o legislador
brasileiro defende a eternização das lides. Buscando
a explicação para esse fenômeno, Bernd Schüneman
a rma que:
“O ideário do século XIX, de submeter cada caso concreto
a um Juízo oral completo (audiência de instrução e
julgamento), reconhecendo os princípios da publicidade,
oralidade e imediação somente é realizável em uma
sociedade sumamente integrada, burguesa, na qual o
comportamento desviado cumpre quantitativamente
somente um papel secundário. Nas sociedades pós-
modernas desintegradas, fragmentadas, multiculturais,
com sua propagação quantitativamente enorme de
comportamentos desviados, não resta outra alternativa
que a de chegar-se a uma condenação sem um Juízo
oral detalhado, nos casos em que o suposto fato se
apresente como tão profundamente esclarecido já na
etapa da investigação que nem sequer ao imputado
interessa uma repetição da produção da prova em
audiência de instrução e julgamento. 141
139 Neste capítulo obtive a preciosa contribuição do amigo Je-
fson Romaniuc.
140 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/ les/conteudo/arqui-
vo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf.
Acesso em 18 de outubro de 2017.
141 (SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones Básicas de la Estructura
y Reforma del Procedimento Penal bajo una Perspectiva
Global, in Obras. Tomo II, Rubinzal Culzoni: Buenos Aires,
2009, p. 423).
Visando a celeridade na resolução das lides,
uma vez cumpridos os requisitos estabelecidos pela
nossa ordem constitucional, é perfeitamente viável a
realização do procedimento conhecido como acordo
de não persecução penal. Entretanto, para que isso
ocorra, necessário se faz que haja ato normativo re-
gulamentando tal prática.
1.1. Quando Será Possível o Acordo de não
Persecução Penal
Conforme a Resolução 183 do Conselho Nacio-
nal do Ministério Público (CNMP), nos delitos cometi-
dos sem violência ou grave ameaça à pessoa e com
pena mínima não superior a quatro anos, além de
outros requisitos previamente estabelecidos nessa
norma, o Ministério Público poderá propor ao inves-
tigado acordo de não-persecução penal, desde que
este confesse formal e detalhadamente a prática do
delito e indique eventuais provas de seu cometimen-
to, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma
cumulativa ou não, previstos no caput do art. 18 do
mencionado ato normativo. São eles:
Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o
Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de
não persecução penal, quando, cominada pena mínima
inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver
confessado formal e circunstanciadamente a sua prática,
mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa
ou alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos,
de modo a gerar resultados práticos equivalentes
aos efeitos genéricos da condenação, nos termos
e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do
Capítulo 3
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III – comunicar ao Ministério Público eventual mu-
dança de endereço, número de telefone ou e-mail;
IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades
públicas por período correspondente à pena mínima
cominada ao delito, diminuída de um a dois terços,
em local a ser indicado pelo Ministério Público.
V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada
nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade
pública ou de interesse social a ser indicada pelo
Ministério Público, devendo a prestação ser destinada
preferencialmente àquelas entidades que tenham
como função proteger bens jurídicos iguais ou
semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.
VI – cumprir outra condição estipulada pelo
Ministério Público, desde que proporcional e compatível
com a infração penal aparentemente praticada.
Leciona Emerson Garcia:
“Na disciplina da Resolução CNMP nº 181/2017,
não são aplicadas verdadeiras penas, já que os
requisitos a serem cumpridos são individualizados em
momento anterior à persecução penal, excluindo-a.
Acresça-se que o objeto do acordo não importa em
qualquer ruptura com o sistema vigente, que admite
a celebração de ajustes, inclusive em relação ao
quantum da pena privativa de liberdade a ser cumprida,
afastando a tradicional tese da indisponibilidade
do interesse. Além disso, os requisitos que mais se
assemelham às sanções previstas na legislação
penal, especicamente às penas restritivas de
direitos, são a prestação de serviço à comunidade
e ao pagamento de prestação pecuniária, os quais
sequer redundam em privação da liberdade”.
1.2. Das Situações nas Quais não são Cabí-
veis o Acordo de não Persecução
O acordo de não persecução penal possui natu-
reza subsidiária em relação ao instituto despenaliza-
dor da transação penal. Além disso, não comporta
aplicação quando sua demora possa acarretar a
prescrição da pretensão punitiva estatal. Desse
modo, nos termos do § 1º do art. 18 da Resolução
183 do CNMP, não se admitirá a proposta nos casos
nos quais:
I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;
II – o dano causado for superior a vinte salários
mínimos ou a parâmetro diverso denido pelo res-
pectivo órgão de coordenação;
III – o investigado incorra em alguma das hipóteses
previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95, in verbis:
a) ter sido o autor da infração condenado, pela prá-
tica de crime, à pena privativa de liberdade, por
sentença denitiva;
b) ter sido o agente beneciado anteriormente, no
prazo de cinco anos, pela aplicação de pena res-
tritiva ou multa, nos termos deste artigo;
c) não indicarem os antecedentes, a conduta social
e a personalidade do agente, bem como os mo-
tivos e as circunstâncias, ser necessária e su-
ciente a adoção da medida.
IV – o aguardo para o cumprimento do acordo pos-
sa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal.
Por meio da regulamentação restritiva dada ao
instituto em comento pelo CNMP, pode-se perceber
que o acordo de não persecução penal, na prática,
tem incidência seletiva, sendo aplicável apenas aos
delitos de média lesividade, funcionando como mais
um instrumento ligado à justiça restaurativa, ao lado da
composição civil dos danos, da transação penal, dentre
outros.
Além disso, a recente alteração normativa, que al-
terou diversos pontos dessa Resolução, deixou claro
que delitos mais reprováveis (independente do quan-
tum da pena) não terão a incidência desse instituto, a
exemplo dos crimes hediondos e equiparados e os de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
1.3. Da Formalização do Acordo de não
Persecução Penal
O acordo será formalizado nos autos do
procedimento investigativo, o qual conterá a qualicação
completa do investigado e estipulará de modo claro as
suas condições, eventuais valores a serem restituídos
às vítimas e as datas para cumprimento, sendo rmado
entre o Membro do Ministério Público e o investigado,
que estará sendo assistido por Advogado.
Consoante o § 3º do art. 18 da Resolução 183 do
CNMP, a conssão detalhada dos fatos e as tratativas
do acordo deverão ser registradas pelos meios ou
recursos de gravação audiovisual, destinados a obter
maior delidade das informações.
Tal exigência reete uma tendência do ordenamento
jurídico brasileiro no sentido de modernizar os pro-
cedimentos. A gravação em meio audiovisual, além
de captar com mais veracidade o contexto em que
se deram os acontecimentos, permitem ao órgão jul-
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