Acordos coletivos de trabalho: possibilidades e limites firmados pela constituição federal de 1988

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas187-199

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1. Introdução

O presente artigo concentra-se na análise dos acordos coletivos celebrados pelos sindicatos da categoria profissional com uma ou mais empresas, no contexto do Direito do Trabalho brasileiro, a partir de seus fundamentos jurídicos e assento constitucional.

A proposta de reflexão ora desenvolvida procura reforçar os parâmetros constitucionais de proteção ao trabalho e sua articulação com o Direito do Trabalho como referência maior do sistema jurídico brasileiro.

Serão, assim, identificadas, primeiramente, as fontes na Constituição e a especificidade do universo de fontes formais autônomas no Direito do Trabalho, com ênfase nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho.

Em um segundo momento, serão avaliados o princípio da norma mais favorável como critério geral e padrão de hierarquia normativa do Direito do Trabalho pátrio, bem como os parâmetros constitucionais para sua aplicação e sua definição em casos concretos. A projeção desse princípio na estrutura e na dinâmica das negociações coletivas de trabalho possui especial relevância na temática abordada no presente artigo.

Finalmente, a discussão será verticalizada sobre os acordos coletivos de trabalho, com ênfase na necessidade de que esse padrão regulatório de normatização coletiva observe a plataforma constitucional de proteção ao trabalho humano.

O último tópico tratará do processo de democratização no âmbito da empresa para o fortalecimento do acordo coletivo de trabalho.

2. Localização das fontes na constituição

O estudo das fontes do Direito possui a finalidade de identificar o Direito vigente na sociedade, que é essencial para a observância dos comportamentos obrigatórios previstos em suas disposições normativas.

São pelo menos dois os elementos considerados relevantes para o enquadramento de um instrumento no conceito de fonte do Direito. O primeiro é o caráter vinculativo, no sentido de que as determinações ali contidas são de observância rigorosa e não mera

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sugestão ou orientação. O segundo é o caráter gené-rico dessas determinações, que possuem eficácia em relação a categorias inteiras de pessoas e não a indivíduos isoladamente. É a generalidade que permite a previsibilidade em relação às condutas exigidas e, consequentemente, segurança jurídica. Somente quando dotada de caráter vinculativo e generalidade é que uma disposição qualquer pode estabelecer novos padrões de comportamento, inovando a ordem jurídica.

O estudo das fontes do Direito não só propicia a identificação dos instrumentos que contenham condutas obrigatórias no plano geral, mas também dos entes encarregados de produzi-los e seu processo de criação. Além do que, é igualmente útil para estabelecer os critérios de aplicação desses instrumentos, quando há concorrência entre eles.

O rol de fontes do Direito pode variar em razão de inúmeras circunstâncias, como, por exemplo, os interesses predominantes na sociedade. Nas sociedades liberais, não havia espaço para instrumentos coletivos de caráter autônomo, pois aquele modelo não cogitava da tutela coletiva de interesses. Não obstante, em decorrência de lutas sociais, instrumentos coletivos passaram a ser celebrados e reconhecidos, até sua previsão formal nos ordenamentos jurídicos.

Em sociedades pluralistas, há outros centros de produção de instrumentos normativos que atuam paralelamente ao Estado. A distinção entre fontes autônomas e heterônomas é apropriada a essas sociedades, pois, ao lado do Estado e de terceiros legitimados para a produção de normas jurídicas (heterônomas), os próprios interessados, em situações específicas, também detêm o poder de estabelecer condutas obrigatórias e gerais aplicáveis ao grupo (autônomas)1. Quanto mais efetivo o pluralismo, maior é a possibilidade de incidência de variadas fontes do Direito e de concorrência entre elas.

Questão central a ser enfrentada no presente texto é de onde se extraem o caráter vinculativo e geral dos instrumentos normativos, bem como os critérios para resolver possíveis problemas de aplicação das fontes do Direito.

Não há dúvida de que o estudo das fontes do Direito a partir de Constituições democráticas reflete as principais conquistas da sociedade, razão pela qual a base de todos os elementos citados é o próprio Texto Constitucional. Já em Constituições autoritárias as fontes legítimas costumam surgir à margem de suas disposições.

A tarefa de localizar as fontes do Direito do Trabalho na Constituição brasileira é fundamental para a regulação das relações de trabalho no país.

A Constituição brasileira, efetivamente, consagra valores democráticos, incorpora conquistas e também anseios da sociedade, prevendo mecanismos para a melhoria das condições sociais dos trabalhadores. De acordo com as características do Texto Constitucional de 1988, é possível afirmar que a aceitação de uma fonte normativa não prevista em suas disposições seria completamente excepcional ou se daria em violação aos princípios democráticos. Até mesmo porque a Constituição, baseada nos princípios democráticos e no pluralismo, permite o jogo de várias fontes do Direito na determinação das condutas consideradas obrigatórias. O pluralismo político constitui fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, V, CF/88) e seu conceito é amplo, ao transferir parcelas de poder de deliberação e de controle à sociedade civil.

Portanto, qualquer comportamento exigido no plano geral e abstrato que não decorra de instrumento expressamente previsto na Constituição brasileira viola, em princípio, direitos fundamentais. A previsão na Constituição da dignidade e dos valores humanos a ela vinculados lhe dá verdadeiro status de fonte das fontes2.

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3. O universo de fontes formais autônomas no direito do trabalho brasileiro

Conforme ensina Maurício Godinho Delgado, as fontes do Direito designam, metaforicamente, a origem das normas jurídicas3.

As fontes são classificadas em fontes materiais e formais, de acordo com a perspectiva de enfoque do momento jurídico em que são reveladas.

As fontes materiais reforçam o momento pré-jurídico, anterior à criação da norma jurídica. São portadoras de diversos fundamentos de ordem filosófica, política, econômica e sociológica que contribuem conjugadamente para a “emergência e construção da regra do Direito”4.

As fontes formais demarcam o momento jurídico propriamente dito, exteriorizando-se pelos “mecanismos e modalidades mediante os quais o Direito transparece e se manifesta”5.

As fontes formais do Direito assumem significativa especificidade no universo do Direito do Trabalho, por ser este ramo jurídico o que mais incorpora e se utiliza de fontes formais autônomas, sobretudo as decorrentes da produção normativa coletiva (convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho)6.

Aliás, a produção normativa coletiva resultante de convenções coletivas de trabalho e de acordos coletivos de trabalho tende a assegurar maior democratização às relações de poder em sociedade, já que as partes contratantes têm a possibilidade efetiva e direta de autodisciplinarem suas condições de vida e de trabalho7.

4. Particularidades das convenções coletivas de trabalho e dos acordos coletivos de trabalho

Conforme visto, a produção normativa coletiva decorrente de convenções coletivas de trabalho e de acordos coletivos de trabalho reforça o particularismo e a autonomia do Direito do Trabalho perante os demais ramos do Direito.

Para Mauricio Godinho Delgado, a produção normativa coletiva decorrente de convenções coletivas de trabalho e de acordos coletivos de trabalho vai além, pois também se constitui a partir de premissas e princípios próprios que privilegiam a noção de ser coletivo obreiro. Distancia-se, portanto, da noção de ser individual caracterizadora do Direito Civil – o que demarca um particular cunho socializante para o Direito do Trabalho8.

Certo é que a Constituição de 1988 assume, em grande medida, papel de relevo neste processo de atualização normativa, sobretudo por reconhecer, em seu texto normativo, ampla prerrogativa sindical de atuação coletiva no âmbito administrativo e judicial (art. 8º, III) e favorecer a negociação coletiva trabalhista, via entidades sindicais (art. 8º, VI; art. 7º, VI, XIII, XIV e
XXVI)9.

A CLT define a convenção coletiva de trabalho, em seu art. 611, caput, como o “acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias profissionais e econômicas estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”. No parágrafo primeiro do mesmo artigo, faculta aos sindicatos representativos das categorias profissionais “celebrar acordos coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”.

Sabe-se que em ambos os instrumentos coletivos negociados (convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho) é obrigatória a participação da entidade sindical obreira. Portanto, o que varia na composição dos sujeitos coletivos contratantes é a figura do

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