Adentrando o lugar público: mulheres negras na luta pelos espaços

AutorAimée Seixas
CargoInternacionalista. Mestre em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (UFF)
Páginas512-529
ADENTRANDO O LUGAR PÚBLICO: mulheres negras na luta pelos espaços
Aimée Seixas1
Resumo
Este artigo tem como finalidade discutir a inserção e as experiências das mulheres negras no espaço público, mais
especificamente a partir do campo da representação legislativa. A análise tem como foco a política local e se volta para a
atuação de Marielle Franco como vereadora da cidade do Rio de Janeiro, examinando a integração entre mulher, negritude
e favela como pilares centr ais de seu mandato. O trabalho foi realizado com o auxílio de pesquisa bibliográfica e
documental, e baseado no método do materialismo histórico e dialético, considerando que as relações de gênero e raça
estão ligadas à historicidade e às contradições dos processos sociais, das relações de classe e das relações de produção e
reprodução existentes em cada situação determinada.
Palavras-cheve: Mulheres Negras. Política. Espaço Público.
ENTERING PUBLIC PLACE: black women in the struggle for spaces
Abstract
This article aims to discuss the insertion and the experiences of black women in public space, more specifically from the field
of legislative representation. The analysis focuses on local policy and focuses on the work of Marielle Franco as
councilwoman of the city of Rio de Janeiro, examining the integration between women, blackness and favela as central
pillars of her mandate. This research was made through documental and bibliographical research, having the historical and
dialectical materialism as grounding method, considering that gender and race relations are tied to historicity and the
contradictions of the social processes, class relations and production and reproduction relations that are present in each
situation.
Keywords: Black Women. Policy. Public Space.
Artigo recebido em: 13/07/2021 Aprovado em: 20/11/2021
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v25n2p512-529
1 Internacionalista. Mestre em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (UFF). Pesquisadora do GEPPIR -
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Imagens e Representações (UF F/CNPq). E-mail: seixasaimee@gmail.com
Aimée Seixas
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1 INTRODUÇÃO
Nas democracias liberais, as esferas públicas se constituem sob uma grande
desigualdade que sempre trata de excluir os grupos mais frágeis1. Se não estão totalmente excluídos,
esses grupos encontram-se subordinados a um grupo dominante – representado, no caso do Brasil,
por homens brancos detentores de altos rendimentos. Frente a uma conjuntura capitalista, chauvinista
e autoritária, a necessidade de garantir qualquer pequena participação política e direito de oposição
acaba nos levando a lutar pela manutenção da democracia liberal e burguesa, “mesmo sabendo que
ela é insuficiente para construir alternativas emancipatórias que atendam ao poder popular”
(FERNANDES, 2019, p. 73). Os segmentos subjugados, diante de um cenário de exploração e
opressão, se veem obrigados a manter uma aproximação dos interesses gerais, o que acaba por
afastá-los de seus próprios interesses. Essa problemática diz muito sobre os limites da participação
política da mulher e sobre sua marginalização no espaço público.
Além disso, é preciso reconhecer ainda as especificidades dos grupos que conformam a
totalidade do capitalismo tal qual o complexo dinâmico de relações sociais que é. Tais relações são
moldadas conforme a divisão que determina que o lugar público – onde se desenvolve o lazer, a
política, a economia, o exercício do poder – é reservado aos homens; ao passo que o lugar privado –
doméstico, íntimo, da reprodução e do cuidado – está destinado às mulheres2. Mas, se elas foram
historicamente segregadas do direito ao lugar público e do direito à tomada de decisões sobre ele, as
mulheres negras, as mulheres trabalhadoras, as mulheres das periferias se encontram em situação
muito mais alarmante, em suas condições de raça, de gênero e de classe. Lélia Gonzalez muito bem
pontuou que “falar da opressão da mulher latino-americana é falar de uma generalidade que oculta,
enfatiza, que tira de cena a dura realidade vivida por milhões de mulheres que pagam um preço muito
caro pelo fato de não serem brancas” (GONZALES, 2018, p. 310-311).
Como aclarado por bell hooks3 (2019), por mais que as mulheres não possuam o poder
que normalmente é exercido pelos homens, elas são educadas sob os mesmos valores culturais e
econômicos que definem o poder como meio de dominação e controle e, consequentemente, estão em
.defesa de hierarquias que mantêm o status-quo. Nesse sentido, para que ocorra uma conscientização,
é necessário que as pessoas sejam incluídas no campo de ação político, no “fazer acontecer”.
Segundo Paulo Freire (2019), o “estar consciente” define a humanidade do indivíduo, que
se refere à sua forma de avaliação e questionamento de sua própria conduta dentro de um contexto de
alienação. Quando transforma, ao mesmo tempo, consciência e realidade, este indivíduo torna-se
capaz de perceber as explorações e opressões que o atingem, e afirma sua capacidade progressiva de
pensar e agir criticamente. Sendo assim, a tomada de consciência da exploração, dominação e

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