Possibilidade de utilização de créditos oriundos de adiantamento sobre contrato de câmbio e adiantamento sobre cambiais entregues como lastro de letra de crédito do agronegócio

AutorRenato Macedo Buranello - Fábio Giorgi Infante - Danny Soares P. De Oliveira E Silva
Páginas159-171

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O presente estudo tem como objeti-Ovo verificar a possibilidade de utilização de créditos oriundos de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) e Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE) como lastro de Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), bem como descrever suas características relevantes e implicações em relação ao descumprimento das obrigações oriundas de tais operações, como em caso de eventual pedido ou decretação de recuperação judicial e/ou falência por parte da empresa exportadora.

I - Introdução - Aspectos econômicos atuais ejustificativa

É digno de louvor o desempenho do Brasil frente à crise mundial corrente. Com um mecanismo de funcionamento diferente do norte-americano, o sistema bancário brasileiro possui regulamentação mais rígida no que se refere à concessão e controle da expansão de crédito. O processo de expansão desenfreada de concessão de crédito foi responsável pela volatilização da economia norte-americana e, de forma reflexa, pela de diversos países cujos mercados estão a ela interligados, como, por exemplo, grande parte do mercado europeu. Tais conseqüências não se verificaram no Brasil que, bem mais contido em sua política de concessão de crédito, possui um total de crédito disponível equivalente a 40% do seu PIB, muito inferior aos números encontrados nos Estados Unidos, por exemplo, em que a relação crédito/PIB é seis vezes maior.

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As reservas brasileiras em moeda forte - em torno de 200 milhões de dólares -também são um importante fator a ser destacado, já que sua existência evita que o Brasil tenha que recorrer a empréstimos internacionais para saldar suas contas externas, o que acarretaria em aumento da inflação e conseqüente abalo da estabilidade financeira do país.

Tudo isso garantiu ao Brasil uma posição privilegiada no cenário mundial. Entretanto, num mundo globalizado, não há como um país sair incólume de uma crise da magnitude da que se faz presente, capaz de levar a maior economia do mundo, a dos Estados Unidos, à recessão. Logo, mesmo que de forma atenuada, a crise tem diversos reflexos em nossa economia, como uma imediata redução na concessão de crédito, tornando demasiadamente difícil a obtenção de financiamentos no Brasil: estamos diante de uma crise de liquidez.

Assim declarou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista concedida ao jornal Gazeta Mercantil: "Os países que dependem muito de exportações para os Estados Unidos e Europa serão muito afetados e devem adotar medidas para incentivar o consumo doméstico. Este não é o caso do Brasil. Nos países com problemas de crédito muito graves, o governo tem comprado ativos das instituições financeiras. Este também não é o caso do Brasil. A crise no Brasil é de liquidez".1 A crise de liquidez ocorre quando o fluxo de circulação de recursos na economia é interrompido ou reduzido severamente. Em um cenário conturbado como o atual, os recursos de que os bancos dispõem são drasticamente reduzidos, fazendo com que eles se mostrem receosos em repassá-los, ou seja, em conceder financiamentos, pois temem que o tomador não tenha condições de futuramente saldar a dívida contraída.

Considerando-se a importância do agronegócio para o Brasil, possuidor da maior fronteira agrícola do mundo, com 355 milhões de hectares aráveis, respondendo por 36,3% das exportações2 e por mais de 37% dos empregos gerados no país, o impacto de uma crise de liquidez pode atingir dimensões alarmantes, afetan-do o equilíbrio da balança comercial e ocasionando aumento do desemprego, além de exigir altos investimentos públicos do governo.

O vice-presidente de Agronegócio do Banco do Brasil, Luís Carlos Guedes Pinto, destaca que, atualmente, os recursos do governo usados para financiar a produção são recursos orçamentários e, portanto, limitados. Outra parte dos recursos era proveniente das empresas estrangeiras. "A crise produziu o efeito de redução do crédito que essas empresas, as chamadas tradings, davam à agricultura brasileira na forma de fornecimento de insumos ou compra antecipada da colheita",3 explica. A presente necessidade de se recorrer ao financiamento público representa um retrocesso para o setor que, nas últimas décadas, tem passado por um período de transição de sua fonte financiadora, dependendo cada vez mais do sistema financeiro privado e menos de recursos do governo.

Essa foi a estratégia adotada pelo governo que, constrangido pela dívida agrícola e pressionado pelos agricultores com demanda de crédito insatisfeita, passou a empreender esforços para "modernizar" as formas de financiamento da agricultura. Entende-se que tal modernização consiste na transferência do encargo ao sistema financeiro privado, visando possibilitar a

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concessão de financiamento do setor via mercado financeiro e de capitais, principalmente por bancos privados e fundos de investimento nacionais e internacionais.

A estratégia surtiu o efeito esperado: a formação dos preços, antes viciada pela influência do governo, principal financia-dor do agronegócio até então, hoje ganhou liberdade e reflete o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, adequando-se à realidade do mercado. A inserção do investidor privado no mercado de derivativos foi viabilizada pela criação de sólidos títulos de crédito aptos a garantir o retorno de seu investimento, merecendo destaque a Cédula de Produto Rural, criada em 1994 e adaptada às tendências do mercado no ano de 2001, quando se passou a admitir sua liquidação financeira, bem como os modernos títulos trazidos pela Lei 11.076, de 30 de dezembro de 2004.

Diante do exposto, é preocupante a volta do setor à dependência de recursos públicos, uma vez considerado o avanço que o financiamento privado representou para o agronegócio, possibilitando sua adequação às diretrizes do mercado mundial e tornando-o muito mais competitivo.

II - Características dos contratos de câmbio, ACCs eACEs

Na presente seção, será descrita a natureza jurídica dos contratos de câmbio, seguindo-se para a caracterização de ACCs e ACEs. Finalmente, será justificada a existência de créditos oriundos de referidas operações de adiantamento.

(a) Contratos de câmbio

Conforme determinado por lei,4 apenas à moeda nacional é conferido o poder liberatório, ou seja, o poder de liberar dívidas e extinguir obrigações, seja na circulação de bens ou de serviços. Dessa forma, é mandatório para as empresas sediadas no Brasil, que desejam ou necessitam ingressar recursos auferidos em moeda estrangeira no país, que providenciem a conversão dos valores expressos em moeda estrangeira para valores expressos em moeda nacional. É a motivação nuclear das operações de câmbio, representadas por contratos específicos regrados pelo Banco Central do Brasil (Bacen).

No que pese a definição fornecida pelo Regulamento do Mercado de Câmbio e de Capitais Internacionais5 (RMCCI), os contratos de câmbio são acordos de vontades firmados por partes determinadas com o intuito preciso de compra e venda de moeda estrangeira. A modalidade a ser especificamente estudada neste ponto é a dos contratos de câmbio de exportação, cujas partes serão, necessariamente, a empresa exportadora6 e a instituição financeira autorizada pelo Bacen a operar no mercado de câmbio.

Tais contratos representam obrigações recíprocas e complementares entre as partes. Em razão das características intrínsecas do tipo contratual selecionado para

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análise, o papel da empresa exportadora será representado sempre pela venda, mediante transferência direta ou indireta, de moeda estrangeira à instituição financeira. Conseqüentemente, o dever da instituição financeira será, invariavelmente, o da entrega do preço acordado pela moeda estrangeira à empresa exportadora que, por definição lógica, deverá ser realizado em moeda corrente nacional, convertida com base em índices cambiais oficiais.

Destarte, caracteriza-se o contrato de câmbio de exportação como uma compra e venda a termo, vale dizer, ao vendedor é criado o dever de transferência de domínio sobre determinado objeto contra o recebimento do preço correspondente pelo comprador. No presente estudo, identificam-se: (i) como partes: a instituição financeira como compradora e a empresa exportadora como vendedora; (ii) como objeto: determinada soma de moeda estrangeira conversível; e (iii) como preço: o valor em moeda corrente nacional, determinado ou determinável a partir de índices cambiais oficiais.

Note-se que o contrato de câmbio é firmado entre as partes anteriormente à transferência da moeda estrangeira pelo exportador (vendedor da moeda) à instituição financeira (compradora da moeda), existindo, portanto, certo lapso temporal entre a assinatura e a liquidação7 do contrato. Durante este lapso temporal,8 a relação jurídica firmada entre as partes não se encontra terminada.

Termo é cláusula acessória nos contratos que submete os efeitos do negócio jurídico a acontecimento futuro, mas certo. O acontecimento futuro e certo que subordina os efeitos absolutos dos contratos de câmbio é a transferência da moeda estrangeira à instituição financeira. Assim, o limite temporal existente entre a assinatura e a liquidação do contrato de câmbio intervém em sua eficácia plena. Não obstante, é de suma relevância observar que, embora a instituição financeira, compradora da moeda estrangeira, não esteja no domínio do objeto comprado, já adquiriu o direito de tê-lo em domínio desde a assinatura do contrato.

Dessa forma, será considerado, para todos os efeitos, o inadimplemento da empresa exportadora perante a instituição financeira no que se refere à não transferência da determinada soma em moeda estrangeira, não obstante eventual alegação...

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