Adicional de periculosidade e armazenamento de inflamáveis (óleo diesel) para geradores. Por uma necessária releitura da Orientação Jurisprudencial n. 385 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho

AutorWalter Rosati Vegas Junior
CargoMestrando e Especialista em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas123-133

Page 124

1. Introdução

No presente artigo, pretendemos abordar a polêmica questão do reconhecimento do direito ao adicional de periculosidade aos trabalhadores que se ativam em edii cações verticais nas quais exista o armazenamento de inl amáveis para o abastecimento de geradores, apresentando a natureza e origem do adicional de periculosidade, com especial destaque para o histórico da regulamentação técnica, da jurisprudência e, ao final, apresentando o atual panorama normativo com uma análise crítica do tema e da atual redação da Orientação Jurisprudencial n. 385 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho.

2. Adicional de periculosidade Natureza. Origem. Atuais perspectivas

A onerosidade característica das relações de emprego enseja o direito ao obreiro ao recebimento de uma contraprestação remuneratória pelas atividades pactuadas como objeto de um contrato de trabalho.

Além do salário, que se constitui na contraprestação principal e habitual de um contrato de trabalho, podem existir por força de lei, norma coletiva ou do próprio contrato, parcelas que, embora também possuam natureza remuneratória, estão dotadas de características peculiares que as afastam tecnicamente do conceito de salário.

Para o objeto central do presente estudo, ganha relevo o estudo dos assim denominados adicionais, ou seja, parcelas contraprestativas devidas ao empregado e, normalmente, relacionadas ao exercício do trabalho em condições mais gravosas1.

O adicional de periculosidade como espécie desta categoria encontra-se atualmente regulamentado no art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho2, sendo que sua positivação no ordenamento pátrio remonta ao advento da Lei ordinária n. 2.573/1955 e do Decreto n. 40.119/1956 que a regulamentou.

Na origem, o referido adicional foi instituído em benefício de todos os trabalhadores que exerciam suas atividades em contato permanente com inl amáveis em condições de periculosidade, assim entendidos os riscos decorrentes do transporte, da carga e descarga de inl amáveis, do reabastecimento de aviões de caminhões-tanques e de postos de serviço, enchimento de latas e tambores, dos serviços de manutenção e operação em que o trabalhador se encontre sempre em contato com inl amáveis e, ainda, aqueles em recintos onde estes eram armazenados e manipulados (art. 2º da Lei n. 2.573/1955).

O Decreto n. 40.119/1956, ao regulamentar o instituto, também estabeleceu que os empregadores delimitariam, ad referendum da Divisão de Higiene e Segurança do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, as áreas dos locais de trabalho considerados perigosos para fins de percepção do adicional (art. 6º).

Em 1965, o então Ministério do Trabalho e Previdência Social - MTPS editou a Portaria n. 608 estabelecendo novos parâmetros acerca de atividades em contato permanente com inl amáveis, sendo que tal ato normativo especii cou as áreas nas quais se considerava que o trabalho era exercido em condições aptas à percepção do adicional de periculosidade.

Com o advento da Lei ordinária n. 6.514/1977 efetivou-se alteração em todo o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT que tratava da segurança e medicina

Page 125

do trabalho, sendo, a partir de tal data, expandido o direito à percepção do adicional de periculosidade também ao empregado que exercia atividade em contato permanente com explosivos e em condições de risco acentuado.

Em face de tal alteração promovida no bojo da própria CLT e depois de substancial trabalho desenvolvido por especialistas da Fundacentro em curto período de tempo3, o

Ministério do Trabalho e do Emprego - MTE editou a Portaria n. 3.214/1978 com o objetivo de regulamentar em 28 (vinte e oito) normas específicas diversas questões relativas à segurança e medicina do trabalho.

A referida Portaria do MTE, especii camente em sua Norma Regulamentadora n. 16 (NR-16), passou desde 1978 a tratar especii camente de todas as atividades e operações perigosas e, ainda, se constituiu no principal marco normativo técnico da matéria, tendo em vista que fixa taxativamente quais são as áreas de risco em que a execução das atividades enseja a percepção do adicional de periculosidade pelo trabalhador4.

Além das sucessivas alterações em tal marco normativo técnico, oportuno destacar que, nos últimos anos, verii cou-se também uma clara expansão das condições, até então taxativas, para a percepção do adicional de periculosidade, porém, em claro desacordo com a origem histórica do instituto e por evidente opção política dos Poderes Legislativo e Executivo, como se verii ca, por exemplo, da atual redação do art. 193 II da CLT, que alberga a concessão do benefício aos empregados que se expõem a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades proi ssionais de segurança pessoal ou patrimonial5.

Tal opção política, embora tenha justificativa em legítimas demandas de determinadas categorias profissionais pela majoração de suas remunerações, acaba por concretizar aspecto negativo dos institutos do adicional de insalubridade e periculosidade que há muito tempo já era apontado por ilustres juslaboralistas, qual seja, o fato de que, ao se atribuir um caráter de majoração salarial ao instituto, ele acabe por monetizar o risco e ser, muitas vezes, desejado pelos empregados, razão pela qual tais condições de trabalho deixariam de ser necessariamente repelidas e modii cadas pelos empregadores.

Nesse sentido, são de grande valia os ensinamentos do mestre A. F. Cesarino Júnior, quando destacava em relação ao adicional de insalubridade que:

Page 126

Parece-nos muito importante ressaltar esse caráter penal do adicional de insalubridade. Com efeito, se o interpretamos como remuneração, a consequência lógica - e que a prática também tem evidenciado - é a de que o empregador, havendo pago tal remuneração suplementar pelo risco corrido pelo empregado, se desinteressa em promover, de forma espontânea as necessárias medidas de higiene e segurança, somente o fazendo compulsoriamente. E o empregado, por sua vez, ávido de receber a majoração salarial, igualmente não se preocupa em exigir a efetivação daquelas medidas.6

Some-se a esse aspecto crítico a persistente prevalência individual da tutela processual dos direitos trabalhistas e o problemático sistema das perícias no âmbito do processo e da Justiça do Trabalho, que acabam muitas vezes contribuindo para uma indevida monetização do tema, conforme já tivemos oportunidade de destacar em outro estudo7.

Ultrapassadas essas questões, passaremos agora a tratar da problemática acerca da regulamentação técnica do adicional de periculosidade por contato permanente com inl amáveis e em razão do armazenamento em tanques, que se constitui em objeto central do presente estudo.

3. NR-16 e NR-20 Adicional de periculosidade. Armazenamento de Infiamáveis em tanques

Inicialmente, quanto a este tópico cumpre ressaltar que, na atualidade, a fonte normativa primária que assegura o direito ao adicional de periculosidade é o art. 193 da CLT, o qual estabelece a exigência de risco acentuado pela exposição permanente do trabalhador a inflamáveis e fixa que tal atividade será regulamentada pelo Ministério do Trabalho.

A fonte normativa secundária é especii camente a NR-16 da Portaria n. 3.214/1978, a qual é a norma técnica por excelência e em seus itens 16.1 e 16.2 fixa que em tal capítulo é que se tratará das atividades e operações perigosas que asseguram ao trabalhador a percepção de adicional de 30% incidente sobre salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participação nos lucros da empresa.

Desse modo, evidente que é na supracitada NR-16 e em seus anexos que estarão fixados os parâmetros exatos em que o trabalho será considerado de risco acentuado, seja pela atividade em si ou mesmo pela forma e local em que a operação daquela é realizada, não cabendo ao intérprete fazer ilações de risco acentuado fora das hipóteses fixadas naquele.

No caso da atividade de transporte de explosivos, por exemplo, a NR-16 estabelece claramente que todos os trabalhadores nesta atividade têm direito ao adicional de periculosidade, independentemente da localização da cabina do veículo ou mesmo do volume transportado.

É importante, ainda, que se fixe a premissa que em nenhum momento a NR-20, que se constitui em outro capítulo da Portaria n. 3.214/1978 e trata de segurança e saúde no trabalho com inl amáveis e combustíveis, pode ser considerada como a fonte primária ou mesmo secundária do adicional de periculosidade em si, mas sim como mera referência técnica para o adequado tratamento das duas questões acima citadas (segurança e saúde).

No que concerne especii camente ao objeto central do presente estudo, necessário se faz relembrar que, já no art. 4º da Portaria n. 608/1965, a qual foi a precursora da atual NR-16, restou expressamente fixado que, para os tanques de inl amáveis líquidos, seria considerada apenas a bacia de segurança como área de trabalho em condições de periculosi-dade, sendo que, para os tanques elevados, foi

Page 127

estabelecida a área de 3 (três) metros de raio com centro nos pontos de vazamento eventual.

O Anexo 2 da atual redação da NR-16 contém regra praticamente idêntica à da norma administrativa que lhe antecedeu, pois também estabelece que se entendem como em condições de risco acentuado quaisquer atividades executadas dentro da bacia de segurança dos tanques, quando se tratar de local com armazenagem de inl amáveis lí quidos, em tanques ou vasilhames.

A ainda atual polêmica acerca do armazenamento de inl amáveis para geradores surge basicamente dos conceitos técnicos fixados para tanques e vasilhames, bem como dos limites de armazenamento daqueles em cada um destes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT